Três grandes jornais deram manchete com o desemprego nos Estados Unidos e realçaram o mesmo detalhe – o maior número de dispensas em 34 anos. Isso foi nas edições de sábado (7/2). Nada de especial nessa coincidência, dirão os leitores. Afinal, a demissão de 598 mil trabalhadores em janeiro foi a grande notícia do dia anterior, nos mercados financeiros, e serviu ao presidente Barack Obama para aumentar a pressão sobre os congressistas, em defesa de seu pacote de socorro à economia. Três dias antes outra coincidência havia ocorrido. Quatro jornais haviam usado o mesmo verbo, em título, para descrever um ato do Executivo federal. Nesse caso, seria muito mais difícil falar de business as usual.
‘Governo turbina PAC com obras já anunciadas’, noticiou o Valor. ‘Governo turbina PAC em R$ 190 bi até 2010’, informou a Folha de S.Paulo. ‘Obras já iniciadas ajudam a turbinar o PAC em R$ 142 bilhões’, publicou o Estado de S.Paulo. ‘PAC `superturbinado´’ foi o título de abertura do caderno de Economia do Globo.
O verbo turbinar tem sentido figurativo, nos quatro títulos, e isso torna a coincidência mais interessante. Nos quatro jornais, o discurso oficial foi noticiado, com reprodução das principais declarações da ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Mas a cobertura foi além da mera reprodução dos dados e das palavras oficiais.
O Globo mostrou, num quadro didático, como os números do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram engordados, com a adição de projetos já anunciados, mas ainda não incluídos no total, ou já em andamento. A Folha discriminou, numa seqüência de pequenas notas, os números originais do programa, os novos números e os valores gastos até agora.
Garimpagem complexa
Uma parte do trabalho seria realizável sem muita dificuldade. Em 2007 e 2008, o governo desembolsou apenas 52% dos valores autorizados no orçamento geral da união. Se as obras não avançaram, não foi por fala de dinheiro. Mas a maior parte do PAC depende do trabalho de empresas privadas e estatais e a maior fatia dos investimentos previstos é da Petrobras. Mas a Petrobras tocaria esses investimentos com ou sem PAC – e isso não foi esquecido na cobertura.
Excluída a parcela inscrita no orçamento federal, o detalhamento dos dados foi trabalhoso. O material apresentado pelo governo, três documentos com dezenas de páginas cada um, não foi preparado para facilitar uma leitura crítica. Mas o serviço foi feito e confirmou, mais uma vez, a capacidade da imprensa de examinar os assuntos minuciosamente, quando editores, pauteiros e repórteres estão com boa disposição.
O noticiário mais passivo, logo depois do anúncio da ampliação do PAC, foi apresentado nos telejornais. As matérias, de modo geral, somente reproduziram o falatório ministerial e os dados oficiais. Os telespectadores só não ficaram totalmente desprotegidos porque algumas análises foram apresentadas. Cristiana Lobo, da Globonews, foi na veia ao referir-se ao PAC como Programa de Aceleração de Candidatura.
A maior parte do público, no entanto, não tem acesso a esse nível de informação, nem se dispõe a garimpar nos grandes jornais o material mais complexo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve saber disso. Sorte dele. Se a maioria dos eleitores não lê, nem assiste aos telejornais mais informativos, também ele pode livrar-se desse esforço e da azia resultante.
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Jornalista