No dia seguinte à final do campeonato de futebol americano, que é o principal evento esportivo dos EUA, no início deste mês, os maiores jornais do país amanheceram com uma página inteira de anúncio ilustrada por uma bola oval feita de papel-jornal. ‘Mais pessoas lerão jornais hoje do que assistiram ao jogo ontem’, dizia o texto amarelo sobre fundo azul.
Não era mentira. Segundo dados do instituto Nielsen, 98,7 milhões de espectadores viram pela TV o time de Pittsburgh bater o do Arizona. Pois, de acordo com o Newspaper Project, a organização que pagou os anúncios, 100 milhões de norte-americanos em média leem jornais ou acessam seus sites todos os dias. É um universo nada desprezível de pessoas que inclui 1 em cada 3 habitantes do país.
‘Reconhecemos os desafios que os jornais enfrentam hoje, em que a indústria da mídia muda rapidamente’, disse Donna Barrett, diretora do projeto, criado recentemente por executivos de imprensa para circular novas ideias sobre um setor que apenas nos EUA fatura US$ 55 bilhões por ano. ‘Rejeitamos, no entanto, a noção de que os jornais e seu conteúdo valioso feito por jornalistas não tenham futuro.’
O anúncio e a fundação da organização fazem parte da contrainsurgência que começa a ganhar corpo nos EUA, de analistas, jornalistas e empresários que discutem e propõem novas soluções para um modelo de negócios em crise, sim, mas recusam a ideia propagada principalmente por blogs e publicações on-line de que o fim dos jornais está próximo.
O ‘movimento’, se pode ser chamado assim, ganhou visibilidade com reportagem de capa da revista Time da semana retrasada. Assinada por Walter Isaacson, defendia a volta da cobrança pelo acesso às versões on-line dos diários norte-americanos, que hoje, com exceção do Wall Street Journal e poucos outros, são gratuitas.
No texto, Isaacson, ex-editor da revista e atualmente presidindo o Aspen Institute, centro de pensamento baseado em Washington, sugeria que fosse aplicado aos artigos e publicações o modelo utilizado pela Apple na loja virtual iTunes, em que cada música é vendida separadamente, por US$ 0,99, que o internauta paga com um clique de mouse.
Pensamento no ar
A loja surgiu em 2001, quando a venda de CDs começou a despencar no mundo. Desde então, vendeu perto de 4 bilhões de músicas, com um faturamento em dólares próximo dessa cifra -a Apple não revela os números exatos. A variação ‘iNews’ de Isaacson apenas colocou em ordem um pensamento que já estava no ar.
Bill Keller, editor-executivo do New York Times, dissera dias antes, durante bate-papo com leitores, que o jornal mais prestigioso do mundo não descartava a hipótese de cobrar por seu conteúdo on-line. Em troca de e-mail com a Folha, o jornalista reiterou a informação, de que o modelo ‘pode valer uma olhada mais de perto’.
Outros concordam com ele. ‘A notícia pode querer ser de graça, mas os filhos dos jornalistas querem ser alimentados’, disse o empresário Steve Brill, referindo-se ao lema ‘news wants to be free’ (de dupla leitura: a notícia quer ser livre e a notícia quer ser de graça). Calcula-se que a operação anual de captação de notícias do New York Times esteja em torno de US$ 200 milhões.
Só o escritório em Bagdá consome algo entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões por ano. Mantê-lo e fazer jornalismo de qualidade custa dinheiro que a venda de anúncios apenas – seja on-line ou no papel – não cobre. ‘O blogueiro não tem verba para ir ao Iraque nem paciência para cobrir a sessão interminável da Assembleia Legislativa’, diz Brill, criador da CourtTV e do Brill´s Content, por um tempo importante revista sobre mídia (leia entrevista abaixo).
‘É razoável levantar essa questão de pagar por conteúdo nesse momento, embora eu não ache que seja uma discussão que vá se resolver tão cedo’, disse à Folha Rick Edmonds, analista da indústria jornalística do Poynter Institute, baseado na Flórida. Uma das alternativas seria cobrar de alguns leitores por um serviço ‘premium’ e oferecer um pacote gratuito básico aos outros, algo que o Times já tentou.
Outros ainda sugerem fazer do problema parte da solução: começar a cobrar royalties de sites agregadores de notícias como o Google News, que existem quase exclusivamente graças ao conteúdo gerado por empresas tradicionais. ‘A tese de que `informação quer ser livre´ é absurda quando o mecanismo de entrega [das notícias] está ganhando uma fortuna e os criadores estão recebendo perto de nada’, escreveu Peter Osnos, da The Century Foundation, baseada em Nova York.
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‘Modelo atual é suicida’, afirma especialista
Na semana passada, o meio jornalístico norte-americano se agitou com um memorando reservado escrito por Steve Brill que propunha um novo modelo de negócio para o New York Times e acabou no site de Jim Romenesko, colunista do Poynter Institute, especializado em estudos de mídia.
O texto basicamente sugere o fechamento do acesso gratuito ao site e inova nas maneiras de cobrar por ele. Uma: são 20 milhões de visitantes por mês. Se cada um pagar US$ 1 mensal (33 centavos por dia), o jornal faturará US$ 240 milhões por ano, ou US$ 40 milhões a mais do que gasta na operação de captação de notícia.
Hoje empresário bem-sucedido do ramo de segurança, Brill é o criador entre outros da CourtTV, que o enriqueceu durante o julgamento de OJ Simpson, e da extinta revista Brill´s Content, de crítica à mídia. Dá aula de jornalismo num curso criado a partir de doação dele e da mulher à Universidade Yale. Leia trechos de sua entrevista à Folha. (SD)
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Eu li o seu memorando. O sr. pode resumi-lo?
Steve Brill – Na longa história do jornalismo, jornais e revistas dependem de alguma maneira das pessoas que leem e pagam algo por isso. Quando os jornais dos EUA abandonam esse modelo e oferecem esse conteúdo de graça na internet, esse modelo se torna suicida.
O sr. acha que os americanos estão dispostos a pagar por jornalismo de qualidade on-line. E se não estiverem?
S.B – É simples. Agora, ninguém paga. Se todos continuarem não pagando, ninguém mais vai receber nada, porque não haverá dinheiro para continuar produzindo o noticiário. Não é possível ter repórteres cobrindo guerras e prefeituras a não ser que alguém pague por isso e, na internet, o faturamento com os anúncios não é suficiente.
O que aconteceria se o New York Times fechasse o acesso gratuito amanhã?
S.B – Primeiro, isso não acontecerá da noite para o dia, será gradual. Segundo, não será totalmente fechado. Há testes, algumas combinações possíveis. Você oferece os três primeiros parágrafos e exige assinatura ou pagamento para que a pessoa leia o resto ou que pague só por aquele artigo. Há várias possibilidades. Nos primeiros três a nove meses, o faturamento inicial do site cairá, mas prevejo que retomará aos poucos e o jornal terá um novo modelo de negócios em que se basear. Eu ouço muito que não vai funcionar. Pois bem: o de hoje já não está funcionando. A mudança é simples: voltar ao modelo anterior, em que você cobra um pouco dos leitores e mais dos anunciantes, que se dispõem a pagar mais se os leitores forem pagantes também.
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Jornalista