Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vergonha nacional

Tenho dupla cidadania e moro há cinco anos em Vicenza, região do Veneto, no norte da Itália. Como cidadão brasileiro e jornalista, não posso acompanhar diariamente o caso Cesare Battisti sem manifestar a minha opinião. Todas as emissoras de televisão, jornais e revistas italianos estão dando ênfase especial ao caso, referindo-se ao Brasil como um país com um governo que protege um terrorista assassino. Sim, é desta forma que estamos sendo vistos aqui na Itália.

O respeitado programa Porta a Porta, da rede RAI Uno, apresentado há 13 anos pelo jornalista e historiador Bruno Vespa, dedicou semana passada uma edição especial ao tema. Todas as forças políticas – ou seja, de esquerda, centro e direita – manifestaram-se contrárias ao fato de nosso país abrigar um assassino que foi condenado em junho de 1986, em Milão, à prisão perpétua, junto com seus companheiros. É sabido que Battisti, natural de Sermoneta (Latina), cometeu crimes comuns na sua cidade natal, como roubos, seqüestros com lesão corporal e atos violentos, e que a sua’politização’ aconteceu em 1977 na prisão de Udine, onde conheceu o seu maestro Arrigo Cavallina. Em menos de dois anos, Battisti participou de quatro homicídios e da fundação dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).

República de bananas

A maioria dos italianos – e não é necessário ter vivido aqui no período denominado’anos de chumbo’ – sabe que Battisti é um criminoso e deve pagar pelos crimes cometidos. O secretário do Partido Democrático, Valter Veltroni, opositor ferrenho do governo Berlusconi, sempre defendeu e apoiou o governo Lula, elogiando as suas ações. Esta semana, Veltroni condenou a decisão do ministro Tarso Genro, afirmando que a Itália é um pais democrático e que Battisti terá um tratamento justo aqui.’É uma falta de respeito para com as vítimas deixá-lo livre e impune’, disse Veltroni, que acrescentou a necessidade de uma moção de repúdio por parte de todas as forças políticas italianas. E olha que ele é de esquerda, como Lula…

Nesse mesmo programa, Alberto, filho do joalheiro de Milão Pierluigi Torregiani, assassinado no dia 16 de fevereiro de 1979, procurava descobrir uma explicação racional para a decisão de Tarso Genro. Aliás, os brasileiros que moram aqui na Itália também buscam uma explicação. Então, a partir de agora o Brasil acolherá assassinos? Quais são os critérios que determinam quem é exilado político e quem não é? E os cubanos, por ocasião dos Jogos Pan-Americanos, por que foram repatriados?

Mas a questão é ainda mais séria. Será que o Itamaraty sabe em que condições vivem os brasileiros que moram no exterior? Diariamente, temos que enfrentar discriminação e, com muito trabalho, a maioria consegue provar que é de trabalhadores honestos. Temos que provar que não viemos de uma república de bananas, de um país onde proliferam favelas e quem comanda é o narcotráfico. Uma nação que não respeita os indígenas e que está deixando morrer a floresta amazônica. E, pior, um país que exporta travestis, que vêm para a Itália tentar a sorte. Pelo menos, esta é a imagem que circula aqui quando nós, brasileiros, sabemos que somos totalmente diferentes e viemos de um país que tem muito a oferecer e ensinar.

A vantagem de ser criminoso

O posicionamento de Tarso Genro ofende os italianos e, para nosso desespero, coloca os brasileiros em situação vergonhosa. Se moramos no exterior é porque fomos obrigados a abandonar a pátria por absoluta falta de oportunidades. Sim, certamente ninguém sairia do Brasil se tivesse um trabalho decente, com um salário compatível com a função exercida.

Se para os descendentes de italianos era complicado, a tendência agora é piorar ainda mais a situação. O presidente da região do Veneto já confirmou retaliações comerciais e muitos querem cancelar o jogo de futebol amistoso entre o Brasil e a Itália, que acontece em Londres. Entretanto, alguns jornalistas lembram que o esporte não pode ser sacrificado por culpa de decisões políticas nem sempre justas. O espírito esportivo deve estar acima da política, ou melhor, dos políticos.

Por que o governo brasileiro não se preocupa em assinar convênios que facilitem, por exemplo, o reconhecimento de nossos diplomas universitários na Itália? Ou ainda por que não se pensa na conversão automática de nossas carteiras de motorista, como é feito com os argentinos descendentes de italianos? Temos laços históricos de sangue com os italianos e eles amam o Brasil e a alegria dos brasileiros. Não podemos deixar que decisões estúpidas e absurdas como esta do caso Battisti estraguem a relação fraterna de amizade entre os dois povos.

A opinião pública italiana é totalmente contra a concessão da condição de refugiado político a Cesare Battisti. A impressão que se tem é de que os defensores dos direitos humanos defendem sempre os que cometem crimes exigindo a redução de penas e esquecendo-se quase sempre das famílias das vítimas. Visto sob este prisma, a impressão que fica é de que tanto no Brasil quanto na Itália é vantajoso ser criminoso, uma vez que as punições estão cada vez mais brandas graças aos tão propalados’direitos humanos’.

Um grande circo

Se a Itália passou pelos temidos anos de chumbo, o Brasil sobreviveu à ditadura militar. Ambos os países passaram historicamente por um período negro, mas que serviu para consolidar o caminho da democracia. E democracia se faz com justiça. Será que o Brasil não tem outros problemas mais sérios do que preocupar-se com Cesare Battisti?

A Itália sofre com uma série de estupros e crimes cometidos por estrangeiros, a maioria romenos, e com o desembarque ilegal de turcos em Lampedusa. Isso sem falar dos ataques da máfia, tragédias como o aquecimento do clima em várias regiões, a crise econômica e o caso Eluana, uma moça em coma há 17 anos e cuja família foi autorizada a desligar os aparelhos que a mantêm em’vida’, provocando a ira do Vaticano. Os italianos estão estressados com a realidade cruel que se abate e ainda devem suportar o fato de que um assassino poderá circular tranqüilamente pelo Rio de Janeiro sem pagar pelos crimes que cometeu.

Entretanto, uma coisa é certa: a partir de agora, os italianos pensarão duas vezes quando se falar em governo Lula, venerado até o momento como o presidente que estava revolucionando o Brasil. E nós, brasileiros, teremos vergonha de assumir a nossa nacionalidade, o que sempre foi feito com muito orgulho. Temos medo de sermos tratados como palhaços por virmos de um país que está sendo visto como um grande circo. Se aqui tudo acaba em pizza, no Brasil se confirma a máxima de que tudo acaba em samba. E do crioulo doido!

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Jornalista