Há 14 anos incentivando a leitura, o Açougue Cultural T-Bone, de Brasília, está colocando nos pontos de ônibus da Asa Norte, sete mil exemplares do Parada Cultural, um ‘jornalzinho’ bimestral, colorido e recheado de poesias, contos, crônicas e outros conteúdos de educação e cultura. Esse bairro da capital federal conta com o projeto ‘Biblioteca Popular’, desenvolvido em trinta e cinco pontos de ônibus, por meio do qual mais de seis mil livros são emprestados mensalmente à população, que fica à vontade para devolvê-los quando achar conveniente.
Estranha combinação, carnes e livros. Mas, esses dois alimentos, carne para a carne e livros para a liberdade, foram combinados com generosidade e êxito, numa entrequadra comercial de Brasília, por um cidadão chamado Luiz Amorim, dono do T-Bone. A carne, para os clientes, os livros, para empréstimos gratuitos e responsáveis, ou seja, dependendo do autocontrole de cada um dos beneficiários. Nada de cobrança: se quisessem não devolver os livros, melhor ainda, pois foram tantas as doações que se todos os leitores devolvessem os livros não haveria espaço nem estantes para contê-los.
Transformado em organização não-governamental, o T-Bone ganhou simpatia do público, apoio da Unesco, de várias embaixadas e entidades culturais. Uma delas, a Fundação Alexandre de Gusmão, do Itamaraty, comprometeu-se a doar lotes de até dois mil livros para o projeto, que recebeu a visita de uma delegação da Europa, de olho na possibilidade de que a experiência dê certo por lá.
Apenas um porém se contrapôs à inovação do açougueiro amigo da leitura – a Vigilância Sanitária achou que carne e livro não tinha nada a ver. Longe de ver nisso um obstáculo, Amorim botou os livros para fora e os deixou à disposição dos transeuntes, inclusive à noite. Ninguém os roubou. E se tanto livro não cabia nem dentro nem fora do açougue, eles foram colocados em estantes nas paradas de ônibus ao longo de toda a avenida W-3 Norte, mão e contramão. Foi assim que surgiu o projeto ‘Biblioteca Popular’.
Concurso literário
Do apoio à leitura para outros projetos foi um passo. No final do ano passado o T-Bone comemorou os dez anos das ‘Noites Culturais’, shows de graça na entrequadra do açougue, a 312/313 Norte, graças ao patrocínio da Petrobras, do qual sai o cachê dos artistas e pro-labore dos técnicos de som e equipes de suporte. Dependendo do prestígio dos artistas contratados, até cinco mil pessoas comparecem a esses espetáculos a rua e céu abertos. Numerosos artistas locais e nacionais já passaram pelo palco do T-Bone, dos irmãos poetas-compositores Clodo-Climério-Clésio, prata da casa, a figurões, Geraldo Azevedo e Alceu Valença entre eles. Nessas ocasiões, o trânsito é desviado e a quadra fica do povo tanto quanto o céu é do condor (Castro Alves).
Escritores brasilienses e nacionais revezam-se semanalmente em noites de autógrafos e recitais do T-Bone, de Nícolas Beher, também prata da casa, a Ziraldo, fenômeno de vendas que promete voltar. Sim, porque vários voltam. Tanto porque se apaixonaram pela experiência – como é o caso de Jorge Mautner (nas versões escritor, compositor e cantor), como pelo sucesso estrondoso que outros fizeram. Um formigueiro de crianças e mães provocou disputas por uma simples assinatura do autor de Menino Maluquinho. Amorim sonha em trazer mais estrelas fulgurantes. Elba Ramalho e Chico Buarque fazem parte dessa fantasia.
Mais do que o apoio da mídia brasiliense e até de organismos internacionais, o T-Bone tem sido objeto de carinhos institucionais e tem inspirado outras experiências e reforçado o trabalho de outras ONGs da cultura, entre elas a ‘Oficina do Perdiz’, que de dia conserta carros e de noite vira teatro popular. E até pessoas físicas seguem o exemplo de Amorim, promovendo a leitura. Em Planaltina (a 60 km do Plano Piloto), o professor José Humberto Brotas decidiu levar os livros para além das escolas, montando um ‘Cantinho da Leitura’ – 500 volumes, cada – em salões de beleza, oficinas, restaurantes. Mais recentemente, um cobrador de ônibus virou matéria de primeira inteira com chamada de capa: ele passou a carregar no ônibus um acervo ambulante de obras para emprestar aos passageiros.
Ou seja, só não lê em Brasília quem não quer. E até o Congresso Nacional, sempre muito ocupado com grandes votações estratégicas, criou uma Frente Parlamentar de inventivo à leitura, já que o Brasil figura entre os países que menos lê. Em matéria de leitura de jornal, por exemplo, o brasileiro lê apenas um décimo do leitor norueguês (líder mundial na categoria).
Apesar de capital do país, Brasília tem um dos piores sistemas de transporte coletivo, daí o dito local ‘cabeça, tronco e rodas’. Esperar transporte, no entanto, deixou de ser aquela modorra, pois além dos livros, as paradas de ônibus contam agora com jornal de graça. Desta vez, o patrocínio veio do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário e Ministério Público do DF, o Sindjus, que também tem seus próprios projetos de incentivo à leitura, além de promover entre os seus associados o concurso literário Rachel de Queiroz (poesia e conto), com prêmios em dinheiro e publicação em livro.
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Jornalista e escritor, colabora com o T-Bone na edição do jornal Parada Cultural