E a história se repete. Toda vez que na República Bolivariana da Venezuela se realiza uma consulta popular, como esta décima-quinta em 10 anos, no domingo (15/2), a mídia hegemônica volta as baterias contra o presidente Hugo Chávez. É um ciclo, que começa com algum comentário de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo, passa por sucessivos editoriais do jornal do mesmo nome, matérias tendenciosas da correspondente de O Globo na América Latina, Janaina Figueiredo, não se excluindo a colunista Miriam Leitão, que destila ódio e cascatas contra o governo venezuelano. De quebra, ainda é acionado Merval Pereira, agora diretamente de Nova York, para falar contra o ‘caudilho’ venezuelano. Dizer que não há uma campanha orquestrada, é difícil não acreditar, até porque nos demais veículos midiáticos conservadores o esquema é absolutamente o mesmo.
Este ano, houve o empurrão de um eurodeputado espanhol do Partido Popular, de direita, que foi expulso da Venezuela. O obscuro Luiz Herrero, amigo de Federico Jiménez Losantos, o boquirroto que declarou textualmente que a oposição venezuelana tinha que ter matado Chávez quando do golpe frustrado de 11 de abril de 2002, foi à Venezuela não para ser observador internacional, mas para dizer que Chávez é um ditador e assim sucessivamente. Que credibilidade pode ter como observador internacional, se antes de iniciar as observações emite um juízo de valor que serve mais aos oposicionistas do que a outra coisa?
Declarações tendenciosas
Ao voltar a Madri, disse que não tinha ido à Venezuela como observador, mas como convidado da oposição. Com a vitória do ‘Sim’ (o ‘Sim’ triunfou com 54,36% dos votos contra 45,63% para o ‘Não’ e 32,95% de abstenção) não seria de se estranhar que ele estivesse dizendo que houve fraude.
Mas para a mídia hegemônica, nada disso importa, pois de antemão o juízo de valor dos ‘analistas’ é afirmar que a expulsão representou um atentado aos direitos individuais do europarlamentar.
Outra manipulação corrente é afirmar, como fez Herrero, que ‘Chávez já perdeu há um ano o referendo que vai se realizar’. Esta afirmação não corresponde à realidade objetiva. Em 2 de dezembro de 2007, os venezuelanos rejeitaram uma proposta de reforma constitucional, que incluía mais de 60 artigos. Agora, a consulta foi para saber se os eleitores concordariam em eliminar o número de vezes que pode um candidato se apresentar nas eleições.
E, ao contrário do que afirmam os analistas comprometidos com o conservadorismo, a proposta do Sim não significa necessariamente que o presidente Chávez vá se perpetuar no poder. Como ganhou o ‘Sim’, o dirigente venezuelano agora terá que se candidatar e buscar os votos. Se por acaso o povo não o quiser mais, às urnas cidadãos, poderão convocar os opositores para votar contra Chávez. Se o desgaste de Chávez é tão grande, inclusive em bairros populares, como afirma a correspondente Janaina Figueiredo, então qual o receio de que ele vá se ‘perpetuar’? Vão novamente criar fatos para dizer que a máquina influiu na vontade dos eleitores?
Em toda eleição na Venezuela – e quase todos os anos as há – aparecem inúmeros observadores internacionais, representando as mais variadas tendências, que têm atestado a lisura das consultas. Agora, o tal Herrero veio visivelmente tentar azedar o processo com as declarações tendenciosas e que fazem parte do jogo da direita contra o governo da República Bolivariana da Venezuela.
Na Europa, pode
Há mais um detalhe técnico: a indignação da mídia hegemônica contra a possibilidade de um dirigente político executivo se candidatar por um número ilimitado de vezes nunca se estendeu aos 17 dos 27 países da União Européia. O Globo nunca reclamou com o fato de que na Suécia o primeiro-ministro Tage Fritiof ficou no cargo durante 23 anos seguidos, ou que Helmut Kohl governou durante 16 anos a Alemanha e Felipe González exerceu a função de presidente do governo espanhol por 14 anos seguidos. Isso para não ficar em exemplos mais antigos, como o de Charles De Gaulle ou François Mitterrand, na França, que ficaram vários anos seguidos na chefia do Executivo.
É que, para a mídia hegemônica, nos países mencionados pode, mas na Venezuela é ‘crime’ e caracteriza perpetuação no poder.
O Globo, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Rede Globo e demais veículos não se emendam. Repetem toda vez a mesma história quando se trata de países nos quais os governos não seguem a linha ditada pelo conservadorismo.
Agência de notícias indígena
Fariam melhor esses veículos de comunicação se noticiassem, por exemplo, que os indígenas da Venezuela contarão, a partir de julho, com uma agência de notícias que divulgará fatos relacionados com suas comunidades e sua cultura, segundo informações prestadas pelo coordenador da Rede Nacional de Porta-vozes Indígenas da Venezuela (Renavive), Jesús Gonzáles, à agência oficial ABN, e divulgada pela agência de notícias Adital.
O objetivo é que este meio de informação cubra o território nacional e se integre dentro de redes similares espalhadas na América Latina. Em tempo algum a mídia hegemônica informará que a agência de informação indígena ‘estará a serviço das populações originárias do país’ e que o projeto informativo contará, além disso, com o apoio do primeiro satélite venezuelano Venesat-1, batizado ‘Simón Bolívar’, que foi lançado ao espaço no final de 2008 e já se encontra em funcionamento.
Alguns analistas possivelmente diriam, se noticiassem o fato, que se trata de um projeto autoritário e atentatório a liberdade de expressão, como têm feito ao longo dos anos quando comentam os acontecimentos na República Bolivariana da Venezuela.
A mídia prefere noticiar que em Caracas há anti-semitismo e cita como exemplo um incêndio numa sinagoga da capital venezuelana, onde estranhamente estão implicados os próprios seguranças do espaço religioso, incidente que foi condenado com veemência pelo governo venezuelano ao assinalar que se colocar contra as atrocidades de Israel na Faixa de Gaza não significa desrespeitar a liberdade de culto. Ou seja, o governo venezuelano condenou o lamentável incidente, que ainda está sendo investigado, mas a mídia conservadora e notórios defensores do sionismo culparam Chávez pelo ‘anti-semitismo’, por não se conformarem com o rompimento de relações diplomáticas da Venezuela com Israel em protesto contra a ação militar desproporcional do exército israelense em Gaza.
Em suma, quanto mais avançar o projeto bolivariano, mais a mídia hegemônica vai demonizar Hugo Chávez e o país, como tem acontecido em relação a outras nações e presidentes que seguem uma trajetória de fortalecimento do Estado, de defesa incondicional das respectivas soberanias e, ainda por cima, quando os governos criam ou estimulam a criação de espaços midiáticos que se contrapõem ao esquema do pensamento único e da manipulação informativa.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ