Antropólogo de formação, o americano William Ury tem 61 anos e é especialista em negociação. Trabalhou na mediação de inúmeros conflitos: no Oriente Médio, na guerra da Chechênia, nas negociações pós-apartheid da África do Sul. Ajudou a costurar um acordo entre o presidente da Venezuela Hugo Chávez e o empresário de mídia Gustavo Cisneros, em 2002 – numa parceria com o Carter Center, do ex-presidente americano Jimmy Carter. Trabalha com o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, nas negociações de seu governo com as Farc. Aconselhou o amigo brasileiro Abílio Diniz a fechar a aquisição do Pão de Açúcar pelo grupo francês Casino.
Fundador do Harvard Negotiation Project (HNP), Ury é também autor de alguns best sellers. O último deles, “Como chegar ao sim com você mesmo” (Sextante), foi lançado esta semana [passada] no Brasil. Visitando São Paulo, Ury falou ao GLOBO sobre o atual momento em que vivemos, “de revolução da negociação” e deu dicas de como resolver conflitos dentro de casa, no trabalho e na política.
O Harvard Negotiation Project (HNP) realiza seminários dos quais participam de pessoas físicas a empresas do mundo todo, em busca de aprendizado de técnicas de negociação. Por que é tão importante saber negociar?
William Ury – O mundo está passando por uma revolução, a começar pelas famílias: a revolução da negociação. Até uma geração atrás as tomadas de decisão vinham de cima para baixo. As pessoas no topo da pirâmide de poder (o pai, o chefe) davam ordens e o resto cumpria. Mas agora todo o mundo quer fazer parte da decisão. Tudo tem que ser negociado. A internet tornou o mundo mais horizontal, decisões não são tomadas mais verticalmente. Negociação é isso: a habilidade de se tomar decisão neste mundo horizontal. Para mim, resolver conflitos é o maior desafio a ser enfrentado pelos seres humanos.
E existe uma técnica para resolver conflitos?
W.U. – Sim. Na guerra ou em casa, buscamos sempre ensinar às parte envolvidas como “se colocar num camarote”, ou seja, se distanciar da situação, do calor do momento, e observar o conflito com distanciamento, se colocando no lugar do outro. Não reagir imediatamente com medo ou raiva. O que acho muito útil é acordar todas as manhãs, imaginar que estou sentado numa mesa de cozinha e pensar sobre tudo o que tenho para fazer naquele dia. Convido as tarefas a sentarem-se à mesa e as “assisto” dali, de camarote. Assim consigo colocar tudo em perspectiva, com calma, o que me permite focar nos problemas reais, naquilo que é importante realmente para mim. Observando essas minhas reações naturais, consigo neutralizar os efeitos dos problemas sobre mim. Isso faz com que eu lide melhor com eles.
O senhor pode dar um exemplo prático?
W.U. – Se você é uma pessoa de classe média nos EUA, no Brasil ou na Europa, você lida com conflitos muito semelhantes: família, trabalho, dinheiro. Um filho que não quer ir para a escola, por exemplo. Vá ao camarote, se coloque no lugar dele. Pergunte a ele, ouça-o para tentar entender o que está acontecendo. Por que você não quer ir à escola? É por que você não gosta da comida? É por que você não gosta dos colegas? Se você entender os motivos, pode negociar. Dar uma comida nova para ele levar à escola, conversar com a direção. Para mim ouvir é a habilidade essencial, é a chave para resolver a maioria dos conflitos. A gente acha que negociação é falar, mas é na verdade muito mais ouvir. Os melhores negociadores da vida são os que sabem ouvir bem.
O senhor fala muito no livro sobre duas necessidades humanas básicas nos tempos atuais: proteção e conexão. Como o senhor concluiu isso?
W.U. – Observando. As pessoas basicamente negociam para atingir essas duas coisas. A proteção – física ou financeira – e o desejo de se conectar. Agora todos estão na internet, nas mídias sociais, sempre se falando. É um desejo por amor. Se nós conseguirmos entender isso, que todos querem na verdade a mesma coisa, vamos encontrar um caminho. Negociando.
Como é liderar um grupo de negociação tão importante em Harvard e lançar um livro de autoajuda? As coisas não são um pouco contraditórias?
W.U. – Pelo contrário. Num sentido que é ajudar as pessoas, sim, meu livro é de auto-ajuda. Sempre acreditei em tornar estudos acadêmicos acessíveis, no sentido de ajudar a pessoas com suas vidas. Meu novo livro é sobre como chegar a um acordo com você mesmo, para satisfazer suas necessidades.
Os conflitos envolvendo dinheiro são mais difíceis de resolver?
W.U. – A chave é, de novo, ouvir. Quando o medo de uma escassez toma conta das pessoas , elas se sentem obrigadas a se proteger, a reagir. Mas eu aconselho o seguinte: dê um passo para trás, afaste o medo, ele não é útil para nada. Vá ao “camarote” e tente entender o que está por trás deste medo. Para que você precisa de dinheiro? Em que você vai gastá-lo? Há outras maneiras de gastar menos? Você precisa realmente de ter um carro novo? Se você conseguir chegar ao seu interesse real, pode conseguir ser criativo, encontrar caminhos para driblar a falta de dinheiro.
O senhor aconselhou o Abílio Diniz na época da negociação entre o Pão de Açúcar e o Casino. Até escreve sobre isso no livro…
W.U. – Sim, foi tudo muito pesado para ele. O caso dele é exemplo de conflito. Como eu digo no livro, para mim a chave foi o Abílio conseguir responder a uma pergunta que eu fiz para ele: “Você é um homem que tem aparentemente tudo, mas o que você realmente quer?”. Ele me respondeu: “Eu quero liberdade”. Uma vez que ele deu este “sim” para ele mesmo, ele resolveu a questão, e me disse: “ a coisa mais importante dessa negociação foi conseguir minha vida de volta”.
Uma de seus trabalhos mais conhecidos é ter desenvolvido, em 2004, o Caminho de Abraão, uma trilha de Israel a Turquia – refazendo o caminho deste personagem importante para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A iniciativa tem como objetivo estimular, por meio do turismo, as economias locais, promovendo a paz. Com a guerra na Síria, por onde passa o caminho, o projeto está prejudicado?
W.U. – É, não se está visitando mais a Síria, Aleppo era uma cidade muito importante do caminho. Mas acabo de voltar de lá, andei pela Jordânia, fui a Petra, estive na Palestina. O caminho está recebendo um apoio imenso, o Banco Mundial financia projetos no local, empregos são criados, se hospeda na casa das pessoas. O que acontece no Oriente Médio são essas duas realidades. Há a guerra e o terror, mas paradoxalmente há partes perfeitamente seguras que podem ser visitadas, há muita gente caminhando em vários locais. O caminho está se popularizando, é a Santiago de Compostela do Oriente Médio. A idéia é: sim, haverá guerras. Mas eventualmente essas guerras, por meio de negociação, vão acabar. E o caminho vai continuar.
Que dica o senhor daria para o governo brasileiro, que vive uma crise?
W.U. – Em tempos de dificuldade nós precisamos de inovação, criatividade e esperança. Um presidente negocia a maior parte do dia, precisa fazer isso. Tem que ter habilidade de ouvir o outro lado, buscar soluções criativas. Isso para mim é crucial, é um trabalho difícil.
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Mariana Timóteo da Costa, do Globo