Os jornais são um produto importante para a organização da vida em sociedade. Diante das situações do cotidiano, das orientações às dificuldades (como em grandes catástrofes), tornam-se um bem ainda mais fundamental. As notícias não apenas mantêm os cidadãos em estado de alerta, como também problematizam a atualidade, possibilitando o encontro das soluções e, consequentemente, a construção do futuro.
Diante do atual momento de agitação e perplexidade com os acontecimentos da vida política e econômica nacional – quando o jornalismo se torna ainda mais relevante e necessário – são tomadas atitudes contrárias ao que deveria ser o papel da imprensa: mostrar o hoje a alicerçar o amanhã.
No início deste ano, uma série de dispensas abalou o mercado de trabalho para jornalistas. Mais uma vez, a denominação passaralho – um jargão agressivo para as demissões em massa nos meios de comunicação, que remete às revoadas de pássaros que destroem tudo por onde passam – tomou conta desse universo.
É certo que a crise brasileira afeta os diversos setores e não seria diferente com as empresas de comunicação. Porém, limitar a discussão ao universo puramente econômico é simples e imediatista, além de ser um erro cometido pelos sujeitos que preferem fugir dos problemas em vez de enfrentá-los.
Começar o debate pela universidade é o mínimo que os acadêmicos (pesquisadores e docentes) podem e devem oferecer aos comunicadores que hoje estão sem trabalho. Em parte, o problema está na formação, ainda fundamentada demasiadamente no ensino dos meios, ou mais, na aplicabilidade das inovações tecnológicas.
Fala-se muito em convergência, compartilhamento, multimídia, entre outras inovações, sem preocupações que deveriam estar intrínsecas ao processo, como a do uso ou dos custos desses recursos pelos usuários e produtores (empresas e jornalistas). Com base no pensador canadense Marshall McLuhan, surge a seguinte questão, que precisa, com urgência, ser respondida pelos profissionais e professores de jornalismo: E a mensagem?
Não é fácil, mas é obvio perceber que a notícia está estagnada e repetitiva, com os jornalistas mais preocupados em conduzir e reproduzir a agenda e a estrutura social do que fomentar novas linhas editoriais aos periódicos. Exemplos não faltam, mas ficaremos com duas pautas, por serem manchetes atuais e frequentes: o esporte e a política.
Observem que, mesmo com a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, os noticiários pouco oferecem sobre as demais atividades físicas e as práticas esportivas, preocupando-se ainda com as mesmas modalidades – neste caso, o futebol, o automobilismo, as lutas e algumas outras que merecem e conquistaram espaço, como o voleibol. Um exemplo do descaso sobre essa cobertura é o ciclismo, que, apesar do impacto causado pelas políticas públicas observadas com a implantação das ciclovias, continua ausente das páginas esportivas. Com isso, pouco se fala sobre os valores olímpicos e do esporte, como a amizade, o respeito, a excelência, a cidadania, o lazer e assim por diante.
Da mesma forma, a cobertura política permanece alicerçada pelas denúncias e pelo universo dos políticos, que fazem do discurso uma base para fugirem de obrigações para com a população. A notícia é construída apenas com base no declaracionismo, sem oportunidade para a análise e a reflexão, tornando o debate privado e não público.
Detecta-se, assim, a superficialidade das coberturas perante as diversas necessidades fundamentais, como a da educação, do meio ambiente, da segurança e da saúde (higiene, saneamento básico, conscientização etc.), que afetam diretamente a vida do cidadão, como agora com a crise hídrica, o surto de dengue e a escalada da violência.
Ensino do jornalismo
A crise do trabalho talvez seja o ponto crucial e, com base apenas nos exemplos acima, para não nos estender em problemas notórios como o sensacionalismo, será preciso repensar a atual situação do ensino do jornalismo. O susto foi grande, com impacto maior nos jornais, especialmente os impressos, cada vez mais sem tinta, sem texto, sem notícia.
Em qualquer tempo, especialmente em momentos de incertezas como o atual vivido no Brasil, a informação é um “direito do cidadão”, como sempre reforçou o professor José Coelho Sobrinho em suas aulas na USP, especialmente quando há o comprometimento com a pluralidade. Cabe então ampliar o repertório com verdades que, assim como as ideologias, ainda permanecem entre os jornalistas. Ou seja, o conhecimento sugere justiça e igualdade.
O jornalista que conhece o seu ofício está comprometido com o público. Alia-se clara e assumidamente aos interesses daqueles que nele confiam. Mais do que contar os fatos em versões bem apuradas, esse profissional sabe o valor de pautas planejadas e com angulações a serviço dos direitos humanos. Na cobertura dos problemas sociais, o repórter sabe que não tem sentido execrar diariamente os criminosos nos canais de TV, muitas vezes gerando mais violência. Ele amplia a pauta, apura e discute questões como os direitos humanos, a qualidade da educação, a formação da polícia civil e militar, as políticas públicas sobre segurança etc.
O jornalista bem formado – e empenhado na qualidade do seu trabalho – percebe que a pior mazela que pode acometer uma sociedade não é a miséria do hoje, mas algo decorrente dela: a ausência de um futuro melhor. Ao narrar o presente, ele olha para o cotidiano com a cabeça adiante, no amanhã. O repórter está, assim, intencionalmente comprometido com o cidadão. O professor Manuel Carlos Chaparro prega que a “a responsabilidade do fazer jornalístico é um alerta para que esta atividade possa, de fato, cumprir a sua missão”. Para isso, as escolas precisam formar profissionais éticos para com a sua profissão e comprometidos com as necessidades da população. Em vez de operar as novas tecnologias e privilegiar determinadas fontes (as celebridades, os políticos corruptos), é possível formar jornalistas que conduzam as pessoas ao diálogo pelas notícias alicerçadas na cidadania e no interesse público.
Logo, é permitido sugerir que o “trabalho” será capa do jornal de amanhã, com os repórteres a mudar a história deste país, permitindo ao público, por meio das notícias, dizer que não deseja mais ser explorado pelo pagamento dos tributos ou das parcelas abusivas da casa própria; que quer ter acesso à escola e a saúde de qualidade; que prefere o Brasil da Paz, como se vangloriam os que compatriotas que moram ou visitam o Japão, a Europa e os Estados Unidos; além do mais importante: ter um emprego justo que lhe possibilite, pelo menos, pensar e criar.
Enquanto faculdades e empresas reproduzirem modelos como os atuais, que padronizam a notícia com propostas que privilegiam o consumo em vez da honestidade, os jornalistas estarão fadados aos fracassos e às demissões. Existem saídas, e uma delas é a autonomia, com a possibilidade da abertura de novos espaços com conteúdos diferenciados, plurais, abertos e independentes.
Uma frase conhecida é atribuída ao jornalista Antônio Maria, que a escreveu diante das agressões que sofreu na década de 1950: “Que bobos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com as mãos”. A mordaça imposta pelo mercado não irá calar os repórteres.
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Enio Moraes Júnior (ESPM-SP) e Luciano Maluly (USP) são professores de Jornalismo