Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Margaret Sullivan

Dezessete meses antes da eleição presidencial dos EUA, o Times já está a pleno vapor na cobertura da campanha: onze repórteres, centenas de matérias, um furo importante e a intensa tentativa de apresentar as notícias de maneira atraente para os dispositivos móveis.

Carolyn Ryan, chefe da sucursal de Washington e editora responsável pela cobertura, está mais do que satisfeita com os resultados obtidos até aqui. “Temos tido uma cobertura extraordinária e de primeira categoria”, disse-me ela por telefone esta semana, mencionando a “equipe dos sonhos de repórteres”.

Disse-me que no mundo da mídia “foi amplamente reconhecido que a nossa cobertura é a predominante”. Ela mencionou comentaristas, de Matt Drudge a Dylan Byers, do site Politico, a Andrew Kaczynski, do BuzzFeed, dizendo que todos elogiaram a cobertura ou destacaram alguns de seus aspectos. Seu chefe também gostou; o editor-executivo Dean Baquet classificou a cobertura da campanha como “fabulosa” num e-mail que me enviou e disse que “outros departamentos contribuíram para torná-la mais rica em alguns temas, além dos políticos”.

E, na realidade, o Times vem fazendo muita coisa elogiável. Desde temas específicos a pacotes biográficos de cada candidato e a matérias investigativas sobre como o dinheiro vem modelando a política, grande parte do trabalho é espetacular. Além de tudo, o repórter Michael Schmidt, de Washington, deu um furo na principal matéria publicada sobre o assunto: o uso feito por Hillary Rodham Clinton de seu endereço eletrônico privado enquanto respondia pelo cargo de secretária de Estado.

Um tom de “gozação sarcástica”

Mas nada disso impediu que leitores do Times me escrevessem manifestando sua tristeza com alguns aspectos do que têm visto. Suas queixas merecem ser levadas em consideração e por isso levei algumas das questões abordadas com maior frequência à atenção de Carolyn Ryan e pedi que as comentasse (também lhe enviei alguns e-mails de leitores).

As principais reclamações: colunas de notícias demasiado opinativas, muitos textos sem objetivos sérios e tons às vezes aduladores e às vezes depreciativos nas matérias sobre Hillary Clinton, a provável candidata democrata. Como sempre, os leitores não medem as palavras.

“Se o objetivo de vocês é perder a reputação de um jornalismo sério, vocês vêm conseguindo”, escreveu Arthur Robb, de Waldwick, no estado de Nova Jersey, reclamando daquilo que chamou “um texto acrítico, adulador, sobre como a garotada que está na moda e as celebridades acham que é bom negócio” apoiar Hillary Clinton.

Mas outro artigo, publicado no mesmo dia por Jason Horowitz, provocou a reação oposta por parte de muitos (igualmente insatisfeitos) leitores. Seu “comunicado político” sobre a falta de acesso a Hillary Clinton por parte da imprensa provocou queixas no sentido de tratar a candidata sem um mínimo de respeito.

George Colvin, de Oakton, no estado da Virgínia, queixou-se do tom de “gozação sarcástica”, em especial num trecho que dizia que a mídia vem sendo o “único opositor concreto” da candidata até o momento. (Após descrever o clima de festa da campanha de Hillary Clinton, o artigo também continha uma frase surpreendente: “Não ficou claro o que Hillary Clinton tem a ganhar ao parecer uma anormal.”)

Uma paródia da missão do Times

Carolyn Ryan disse-me que achava que o texto não foi bem compreendido pelos leitores: “Acho que uma porção de pessoas o interpretou de maneira errada.” Ela também disse que Jason Horowitz “estava tentando fazer algo contraditório e corajoso” sobre a estratégia de Hillary Clinton de ignorar a imprensa.

Muitos leitores, para dizer o mínimo, discordam disso. Molly Schiever escreveu-me dizendo que nunca havia lido nada “tão cheio de hostilidade, de linguagem cruel e, simplesmente, ódio”.

Perguntei a Carolyn Ryan o que pensava da impressão causada em muitos leitores de que a cobertura tinha sido leviana – desde matérias sobre a dieta Paleo, de Jeb Bush, até o que Casey Penk chamou o “constrangedor número de palavras, de tinta e de colunas gasto com os tira-gostos de Hillary Clinton”. Ele chamou esses textos de “uma paródia da importante missão jornalística do Times, do qual esperamos que faça a cobertura das notícias propriamente ditas”.

Carolyn Ryan concordou que parte da cobertura tem sido num tom leve, mas enfatizou que esses textos são a exceção à regra. “São apenas suplementares à cobertura principal.”

Deixar as bobagens de lado

Quanto aos artigos que têm como foco as personalidades e peculiaridades dos candidatos, ela os defende sem pedir desculpas. (Alguns deles adotam o formato de listas temáticas – entre eles, “5 Coisas que Talvez Você Não Saiba Sobre Hillary Clinton” – que alguns leitores me disseram considerar abaixo dos padrões do Times.) “O voto para presidente é o voto mais pessoal que os norte-americanos podem exercer”, disse Carolyn Ryan. Segundo ela, o Times utiliza muitos métodos para ajudar os leitores a conhecerem melhor os candidatos como pessoas.

Ela refuta a ideia de que exista muita opinião na cobertura jornalística, sugerindo que o tom coloquial de algumas matérias pode ser confundido com opinião.

Quando lhe perguntei como ela dirigia sua equipe em relação a esse ponto, ela disse: “Não estou interessada nas opiniões dos repórteres, e sim em suas observações e percepções.” Também me disse que um importante projeto de reportagem sobre temas orientados irá começar no outono, o que poderá agradar leitores como Jim Martínez, de Chicago, que se queixou dos repórteres políticos do Times, que, segundo ele, têm como foco “cobrir a corrida de cavalos”. E acrescentou: “Já que a corrida de cavalos só começa daqui a muitos meses, eles parecem dedicar-se de corpo e alma aos treinamentos.”

Eu daria boas notas à cobertura da campanha que o Times fez até aqui. Vi muitas matérias apuradas em profundidade, com foco no histórico dos candidatos e na movimentação de grandes somas de dinheiro. Dois exemplos: perguntas sobre o relacionamento de Marco Rubio com um financiador importante e a confiança de Hillary Clinton num assessor com conflito de interesses.

Mas também acho que o falatório de algumas das promessas parece juvenil. E, como inúmeros leitores, eu passaria muito bem sem a excessiva cobertura dos movimentos diários de Hillary Clinton e o estranho tom de farpas de alguns desses textos.

Se o Times está tentando mostrar que a equipe de sua campanha não favorece candidato algum, deveria deixar as bobagens de lado, deixar as besteiras opinativas de lado, deixar as besteiras repugnantes para outros veículos. Acima de tudo, o que os leitores que eu ouço querem é aquilo que o Times tem de melhor – reportagens talentosas e apuração em profundidade.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times