Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Welfare state ou laissez-faire?

O meio intelectual, a mídia e a classe política têm que fazer algumas conjeturas sobre o cenário político do Brasil, a partir de agora, com a eclosão da crise de paradigma do capitalismo em sua versão neoliberal e com o cenário político que se desenhou após as eleições para a presidência nas duas casas do nosso parlamento. O governo e, por tabela, os partidos de esquerda saíram profundamente enfraquecidos dos embates que culminaram nas eleições para a presidência das duas casas do Congresso Nacional.

Na Câmara, o PT não conseguiu aglutinar forças para lançar um candidato próprio, tendo como saída o apoio a Michel Temer, do PMDB, um político que sempre foi da ala de oposição do partido ao governo Lula; o PC do B, uma sigla aliada histórica do Partido dos Trabalhadores, não o apoiou nem elegeu o seu candidato, Aldo Rebelo. E pior: ficou em último lugar, perdendo para um candidato independente do PP de Maluf. No senado, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva amargou uma derrota que terá vários contornos. Mesmo tendo lançado candidato, perdeu para um oponente de dentro do seu bloco aliado, o PMDB, que não tem sido um aliado leal.

O mocinho e o bandido

Dentro deste cenário, está em jogo, também, a postura que o Brasil vai ter que tomar diante dos próximos passos da crise que a estrutura capitalista vai dar. Temos no Brasil uma oligarquia absoluta. Esta elite se vangloria de ter derrubado a monarquia sem implementar uma República democrática. O Estado brasileiro nunca foi uma coisa pública, sempre esteve a serviço de uma elite nacional e, também, da elite internacional. O povo brasileiro nunca teve a instituição Estado a seu dispor. Este sempre esteve a serviço de uma elite – ao povo coube o esbulho e, corriqueiramente, a violência; ora organizada, ora espontaneamente.

Tivemos uma sociedade refém de um modelo de Estado lusitano, cujo deus era ele próprio. Uma sociedade atrelada a um catolicismo conservador, com uma moral sexual extremamente rígida e politicamente obsoleta, capaz de organizar uma marcha da família com Deus e contra o comunismo – que iria culminar numa ditadura carniceira. Por mais que retórica de José Sarney diga o contrário, ele é, sim, retrógrado e obsoleto. Por sinal, tenho lido colunas deste na Folha de S.Paulo e concluo que o senador e ex-presidente é um exímio escritor, mas péssimo político. Parafraseando Marx: não se parte do que um homem diz ser, narrado, falado; parte-se de homens reais. E o homem real José Sarney é aquele que foi um mentor da ditadura, não o homem da sua retórica midiática.

Nos últimos anos, o deus que ditou as normas e fez o povo brasileiro rezar em sua cartilha foi o capitalismo em seu módulo neoliberal, com suas instituições financeiras. Dentre estas, podemos destacar o Bird (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) e o FMI (Fundo Monetário Internacional). O Bird faz o papel de mocinho: fornecedor de créditos de longo prazo para os países periféricos, promotor do desenvolvimento econômico, fomentador do combate à pobreza e defensor do meio ambiente e da educação. Já o FMI faz o papel de bandido: com políticas de ajustamento estrutural, como o arrocho monetário, abertura econômica, a desregulamentação, privatizações, cortes de salários e contração de gastos públicos nas áreas sociais.

Partidos de viés neoliberal

Tudo isto provoca desemprego, recessão, queda na renda da população mais pobre, as economias periféricas ficam vulneráveis e dependentes da tríade: Estados Unidos, União Européia e Japão. Em suma: o FMI cuida da estabilidade econômica, o Bird cuida do desenvolvimento econômico, mas, na verdade, eles são irmãos siameses, estão a serviço do capitalismo e a centralização nos seus principais blocos.

O Brasil seguiu, na última década do século 20, o receituário do neoliberalismo e colecionou fracassos e quebradeiras. Toda e qualquer crise que emergia em qualquer lugar do mundo, o Brasil era obrigado a recorrer ao bandido FMI. Os governos brasileiros, neste período, foram da dupla PFL e PSDB, hoje na oposição ao governo Lula, do PT. Aqueles eram de cunho neoliberal e este tem nuance de Estado de Bem Estar Social. A questão que fica é a seguinte: que rumo tomaremos agora, o welfare state ou o laissez faire? Aqueles vêem o Estado como algo que estorva o avanço do capitalismo; este vê o Estado como algo que é um indutor do capitalismo. E agora, como estes partidos vão se comportar? Como se portarão partidos de viés neoliberal, como o PSDB, que ainda tem no seu intelectual maior, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um defensor do paradigma neoliberal, e o DEM, partido genuinamente neoliberal, com raízes no regime militar?

Esperar para ver

E a mídia brasileira, que sempre foi uma defensora intransigente do laissez faire, a que argumento vai recorrer num momento como este, em que o paradigma defendido por ela está escancaradamente fracassado? Seria uma mudança vertiginosa, ver a nossa mídia fazendo a defesa de um Estado de Bem Estar Social. O próprio PT, partido alardeado pela grande mídia como sendo aquele que iria implementar a social-democracia no Brasil, não fez jus à atribuição. Mas é eloqüente que o nosso PT fez, e ainda faz, governos com nuances de neoliberalismo, apesar da retórica de partido de esquerda. É evidente que vai enfrentar dificuldades para efetivar um programa de partido de esquerda. Precisamos, se quisermos assumir uma alternativa juntamente com experiências latino-americanas, nos desvencilhar de vez do modelo neoliberal.

E o PSDB, vai seguir trilhando os caminhos do DEM, ou vai se colocar como partido de centro, da social-democracia? No pleito para eleger a mesa diretora do Senado, os tucanos apoiaram o petista Tião Viana. Estaria o PT se neoliberalizando, ou estaria o PSDB se social-democratizando? É esperar para ver! O Fórum Social Mundial é um espaço de debate onde se puderam gestar bons frutos, mas, com exceção da TV Brasil, a grande mídia só o notificou com clichês.

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Professor, graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Goiás e pós-graduado em Filosofia pela mesma IES, Adustina, BA