Às vésperas do bicentenário do nascimento de Darwin – pai da teoria evolucionista –, muitas perguntas ainda parecem soltas no ar, sem respostas substanciais ou argumentos coesos. Diante de toda a polêmica levantada sobre o curioso crescimento do criacionismo, especialmente no que diz respeito à insistência de escolas confessionais em aplicá-lo em aulas de ciências, muitas dúvidas rondam por aí.
Na revista Veja, nas últimas duas semanas, não faltaram informações sobre o modelo adotado tanto pela classe científica como pela própria mídia, isto é, o evolucionismo. A abordagem desta semana, a começar pela capa, foi sem dúvida muito completa, bem escrita e com dados sensatos, o que demonstra seriedade e profissionalismo dos responsáveis pelas matérias.
Talvez aos leigos, adeptos ou defensores do evolucionismo, a Veja tenha tratado exatamente daquilo que concordam, mas uma leitura atenta e minuciosa deflagrou a mais simples e negligenciada incoerência ao criticarem a postura de escolas evangélicas.
Destaques nas pautas
Na página 87 é comentada a decisão legal do estado da Louisiana, nos Estados Unidos, quanto à aplicação do criacionismo em sala de aula. Diz a lei que tornou obrigatório o ensino que ‘é preciso ajudar os professores a criar nas escolas um ambiente que promova o pensamento crítico, a análise lógica e a discussão objetiva das teorias científicas’. A jornalista Carolina Romanini, autora da matéria, sobre isso diz: ‘São sábios conselhos, ninguém duvida. Apenas não estão a serviço do aperfeiçoamento das instituições acadêmicas.’
Um pouco mais atrás, na página 73, na reportagem intitulada ‘A Darwin o que é de Darwin’, a jornalista Gabriela Carelli, traz dados interessantíssimos sobre o criacionismo nos Estados Unidos: ‘O país dispõe das melhores universidades do mundo, detém metade dos cientistas premiados com o Nobel e registra mais patentes do que todos os seus concorrentes diretos somados. Ainda assim, só um em cada dois americanos acredita que o homem possa ser produto de milhões de anos de evolução. O outro considera razoável que nós, e todas as coisas que nos cercam, estejamos aqui por dádiva da criação divina.’
Na mesma página, linhas abaixo, continua: ‘Na semana em que se comemora o bicentenário de Darwin e, por coincidência, no ano do sesquicentenário da publicação de seu livro mais célebre, A Origem das Espécies, como explicar a persistente má vontade para com suas teorias em países campeões na produção científica?’
Criacionismo e evolucionismo continuarão sendo destaques nas pautas dos meios de comunicação, talvez de forma mais aguda, este ano, pelas comemorações relativas a Darwin. Há uma tônica, no entanto, com relação às escolas confessionais que adotam material didático próprio, introduzindo o criacionismo em aulas de ciência.
Evolução no pré-cambriano
Apesar do compromisso da imprensa com a imparcialidade, fica clara a crítica, muitas vezes agressiva à determinação de escolas brasileiras confessionais que abordam as duas teorias: evolucionista e criacionista.
Mas, eis a pergunta: sobre o que é esta discussão? Sobre o que estão falando em tantas páginas? Sobre uma deficiência científica real ou suposta advinda do criacionismo? Como citei acima, há uma contradição em toda essa discussão. Os Estados Unidos reúnem os maiores títulos em produção científica assim como reúnem o maior número de criacionistas, maior também que em países em desenvolvimento, como o Brasil, por exemplo. Em que sentido o criacionismo atrapalha ou atrofia o crescimento científico?
A revista Veja diz que as leis sobre educação de Louisiana, nos Estados Unidos, têm conselhos sábios, mas não contribuem para o aperfeiçoamento das instituições acadêmicas. Mas a mesma revista traz dados sobre a maneira como os Estados Unidos são proeminentes nos quesitos universidade, pesquisa, ciência e premiação científica.
Do que se trata realmente esta oponência inegável ao criacionismo, uma vez que ele não tem absolutamente nada a ver com os atrasos da ciência? Seria um debate mais filosófico que realmente científico? Estaria o evolucionismo se tornando um debate mais religioso que a própria fé religiosa? Será mesmo que os criacionistas perseguem o fantasma de Darwin ou o contrário, os evolucionistas é que são intolerantes com o posicionamento contrário? Se é que são tão contrários assim.
Em dezembro do ano passado, Mikhail Maltz, da Universidade do Texas, pesquisador de uma recém descoberta ameba gigante, disse que elas criam sulcos que se parecem com os que são encontrados em fósseis datados de mais de 550 milhões de anos. De acordo com Maltz, organismos multicelulares que têm duas metades simétricas evoluíram antes da explosão câmbrica, há 542 milhões de anos. Segundo os cientistas, organismos complexos poderiam se deslocar de forma a deixar traços nos fósseis, mas as amebas são unicelulares e deixaram os mesmos traços. Diante disso, Maltz declara: ‘Isso complica as coisas para a teoria de lenta evolução no pré-cambriano.’
‘Ensino comparativo e crítico’
Este é apenas um dentre tantos exemplos de lacunas deixadas pela teoria evolucionista; há muitos outros, principalmente quanto à origem do homem, ou homo sapiens, como é chamado.
É claro que o evolucionismo apresenta também evidências, verificações, empirismo e conclusões importantíssimas para a compreensão de fatores ligados à vida. Mas, na verdade, o evolucionismo tem mais a ver com o funcionamento da vida do que com a origem da mesma. É relevante ainda atentar para o fato de que o criacionismo também apresenta evidências, métodos empíricos e verificáveis e considera tópicos da evolução.
Tudo isso é tão explícito quanto à parcialidade midiática em defesa de Darwin. Tudo isso é tão explícito quanto à fraqueza argumentativa e as contradições apresentadas nesta guerra não criada pelos criacionistas e muito menos pela educação confessional.
A educação confessional, tradicional e reconhecida por sua qualidade, oferecida pela rede Adventista, rede mundial, inclusive, já formou milhões de pessoas em suas mais diferentes unidades, do infantil ao universitário e em seus diversos campos de atuação. Das áreas humanas às biológicas ou exatas, estes profissionais estão por aí, contribuindo com o crescimento social, ambiental e comunitário. E qual a função da educação, senão esta, de formar pessoas integralmente comprometidas com o melhoramento do mundo?
‘Nosso compromisso é com a educação magna, que envolve o ser humano como um todo. E educar é também dar chances para novas descobertas. Nossos professores e nossas bibliotecas apresentam material suficiente para explanar tanto o evolucionismo como o criacionismo. Desta forma atendemos às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apresentando ensino comparativo e crítico’, destaca a diretora da rede adventista de educação para a região Sul de São Paulo, Maria Cristina Banhara.
Pluralidade de idéias
Sendo assim, já está ficando desgastado este discurso infundado, de que o criacionismo é um atraso para educação e para a ciência. Está na hora de pesar o que realmente faz a diferença na construção de valores educacionais eficazes. Já está se tornando inconveniente esta banal controvérsia. Deve-se pensar em como resolver evasão escolar, violência e drogas nas escolas, sejam elas públicas ou privadas. É uma perda de tempo ficar batendo numa mesma tecla pura e simplesmente por falta de abordagem menos sensacional.
Não é sensato, por parte da comunidade científica, acalentar traumas medievais. Escolas confessionais atuais nada têm em comum com a irracionalidade católica da Idade Média, até porque a origem do Protestantismo está diretamente ligada à Universidade. A Reforma Protestante teve início na Universidade e todo movimento se deu pela e com a educação – a História confirma esta informação. ‘O protestantismo desde sua origem tem uma relação estreita com a educação. Na verdade, a concepção de educação para todos é pública, tem seu nascedouro com o protestantismo, já com Lutero; posteriormente, no século 17, com Ratke e Comenius’, diz Almiro Schulz, doutor em Pedagogia com publicações sobre educação. Que se prove, então, que escolas confessionais não são capacitadas em seus ramos de atividade.
Os criacionistas acreditam que Deus se revela pela natureza e que a mesma deve ser estudada de forma racional para a compreensão das leis da física, da química, por exemplo, entre outras. A diferença é que não é preciso ser agnóstico para ser cientista.
Um dos maiores neurocirurgiões do mundo, dr. Benjamin Carson, norte-americano, que se tornou mundialmente conhecido pelo sucesso em cirurgias de gêmeos siameses, é criacionista e, além de literatura médica, tem livros sobre o poder da oração e da fé. Ben Carson é criacionista, assim como a maioria dos americanos. Será que o criacionismo inibe o desempenho intelectual e a capacidade de ser um brilhante colaborador da humanidade?
Mas, de tudo fica algo bom – a vantagem do pós-modernismo é exatamente esta: a pluralidade de idéias, o relativismo de conceitos e escolhas. Há quem deseje ter na raiz mais profunda da árvore genealógica uma ameba e há quem prefira ter Adão e Eva, ambas alternativas dependem da fé. Definitivamente, a última opção não tolhe o avanço da ciência.
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Jornalista, assessora de imprensa Educação Adventista para a região sul de São Paulo