Em sua coluna de domingo [1/6/08], o ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, tratou de um artigo de opinião publicado no dia 12/5, escrito pelo historiador militar Edward N. Luttwak. No texto, Luttwak argumentava que qualquer esperança de que Barack Obama possa, como presidente dos EUA, melhorar as relações com o mundo muçulmano não é realista. Isto porque os muçulmanos ficariam ‘horrorizados’ ao se dar conta de que Obama abandonou o Islã de seu pai e abraçou o cristianismo quando jovem.
Sob a lei muçulmana, Obama nasceu muçulmano e sua ‘conversão’ ao cristianismo seria considerada um ato de abandono de fé, uma ofensa capital e ‘o pior de todos os crimes que podem ser cometidos por um muçulmano’. ‘Nenhum país muçulmano iria processá-lo, mas uma visita dele representaria desafios à segurança, porque o ato de protegê-lo seria um pecado para as forças de segurança islâmicas’, escreveu o historiador.
Alguns leitores classificaram o artigo como irresponsável (‘como jogar gasolina no fogo’, opinou Paul Trachtman) ou ainda, falso (‘o Islã não é como a cor de cabelo ou pele, que você herda dos pais’, argumentou o jornalista Ali Kamel, diretor da Rede Globo). A blogosfera repercutiu o assunto, com comentários de que Luttwak não sabia do que estava falando.
Polêmica
A página de opinião do NYTimes é local para opiniões provocativas. Mas todas devem estar baseadas em fatos. Todos os colunistas devem, portanto, partir de fatos que dêem subsídios para suas opiniões. Hoyt pergunta: será que Luttwak cruzou a linha entre um argumento justo e algo falso? Os editores do NYTimes falharam em checar os fatos antes de publicar seu artigo?
Ao entrevistar cinco acadêmicos islâmicos, em cinco universidades diferentes, o ombudsman descobriu que a interpretação de Luttwak sobre a lei islâmica não é correta. Por exemplo, não é verdade que, no Islã, a religião do pai sempre determinará a da criança; que a conversão de Obama ao cristianismo foi um abandono da fé; que o abandono de fé é, com poucas exceções, um crime capital; e que um muçulmano não pode ser punido por matar alguém que tenha se convertido.
David Shipley, editor das páginas de opinião, afirmou que o artigo de Luttwak foi avaliado pelos editores, que consultaram o Corão, além de artigos sobre o Islã. Porém, nenhum acadêmico foi consultado porque geralmente eles não são chamados para avaliar o trabalho dos colaboradores.
Família
Obama nasceu no Havaí. Sua mãe é do Kansas, com raízes cristãs, e seu pai é queniano, tendo se convertido ao Islã. Quando Obama era pequeno, seu pai deixou a família. Sua mãe casou-se com um muçulmano indonésio e Obama morou por cinco anos em Jacarta, onde freqüentou escolas católicas e muçulmanas. Luttwak escreveu que, com base nestes fatos, Obama era muçulmano e o passado cristão de sua mãe era irrelevante.
Esta não é a opinião de Sherman A. Jackson, professor de estudos islâmicos da Universidade do Michigan. ‘Se você se divorciar de uma mulher cristã e ignorar a criação de seu filho, de modo que a criança cresça como cristã, esta criança decidirá o que será’, afirma. Hoyt acredita que o diário deveria ter publicado uma segunda opinião sobre o assunto, considerando a complexidade do tema. ‘Não se pode nomear algo assim como opinião e não fazer mais nada’, afirma.