Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Adeus, leitores’

Alan Rusbridger deixou o posto de editor-chefe do tradicional diário britânico The Guardian após 20 anos no cargo. Despediu-se dos leitores em uma longa carta [reproduzida abaixo], no dia de sua última edição à frente do posto, em 29/5. Nela, Rusbridger conta como o poder sempre o deixou nervoso e avalia as mudanças no jornalismo nas duas últimas décadas. Em 1995, “ninguém perguntava a um editor de jornal sobre seu modelo de negócios. Agora essa é uma das primeiras perguntas”, diz ele, que em 2016 assumirá a presidência do Scott Trust, conselho que administra o Guardian Media Group.

Em coluna publicada no Guardian, Emily Bell, diretora do Centro Tow para Jornalismo Digital da Escola de Jornalismo de Columbia, escreve que a carta de despedida de Rusbridger traz um resumo do que todas as companhias de mídia tiveram que enfrentar nos últimos 20 anos: o desafio de equilibrar a preservação do valor cultural e da força como instituição com as mudanças velozes exigidas pela adoção das novas tecnologias.

A saída do editor foi anunciada no fim de 2014. No seu lugar entra Katharine Viner, a primeira mulher a chefiar o jornal em seus 194 anos de história. Katharine foi escolhida através de uma votação entre os funcionários do Guardian e do Observer – outro jornal do grupo de mídia. (Leticia Nunes)

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Caso você esteja lendo o jornal físico – o que, evidentemente, não é o caso – esta é minha última edição como editor. Em pouco mais de 20 anos, fizemos o fechamento de quase 7.500 edições. A partir de algum momento nas próximas 24 horas, num ciclo de jornalismo digital sem problemas, vocês terão um novo editor. Eu terei escapulido e minha sucessora, Katharine Viner, terá assumido materialmente o leme do barco.

Desde 1821, o Guardian teve apenas 10 editores – ou 11, se for incluído Russell Scott Taylor, o jovem de 18 anos que ajudou a editar o jornal por um curto período, na década de 1840. O mais importante entre eles, C.P. Scott, ficou 57 anos na condução do jornal. Seu filho Ted ficou apenas por três anos, antes de morrer afogado no Lado Windermere. Em média, os editores ocuparam o cargo por aproximadamente vinte anos.

Quando entrei para o jornal, em 1979, o Guardian dava a sensação de ser uma empresa de família e, de certa forma, ainda dá. Comecei na mesma segunda-feira de julho que Nick Davies, que se transformaria em um dos maiores repórteres de sua geração. Enquanto sua carreira o levou a grandes investigações, a minha foi, inicialmente, de matérias descritivas, colunas e reportagens. Desde o dia em que cheguei, o Guardian me deu a sensação de um banho de água quente – um santuário para se refletir livremente e escrever.

Alan Rusbridger 1995_foto Guardian

Alan Rusbridger, ao assumir ao direção do ‘Guardian’, em 1995 (Foto: ‘The Guardian’)

E, definitivamente, eu escrevia: nunca passou por minha cabeça que eu iria editar coisa alguma no Guardian, muito menos responder pela coisa toda. A certa altura, até cheguei a sair para me concentrar naquilo que escrevia. Mas no final de 1988 o Guardian precisava desesperadamente de uma revista semanal para se contrapor à brilhante e atraente revista lançada pelo Independent aos sábados. Por algum motivo, Peter Preston, que era então o editor do Guardian, pediu-me que a criasse.

Eu fora desviado por outro caminho jornalístico – que me levaria, por meio da seção “G2”, inaugurada em 1992, a ocupar a cadeira de editor em 13 de janeiro de 1995. Eu conhecia o suficiente da história do Guardian para me sentir completamente apavorado com a responsabilidade. Por favor, por favor, ajudem-me a não deixar a bola cair.

Mas é claro que o Guardian é muito maior do que qualquer editor. Pouco depois de eu ter assumido o cargo, um concorrente me convidou para almoçar e me tranquilizou: “Se eu faltar um dia ao trabalho, há seis editores assistentes que têm uma visão completamente diferente de como deveria ser o jornal. Se você faltar ao trabalho, o próprio prédio do Guardian se encarregará de botar o jornal na rua”.

E ele tinha razão. Existe – por meio de uma combinação de osmose cultural, propriedade e leitores atentos – uma ideia incrivelmente forte de que o Guardian está, mesmo se o trabalho de reinterpretá-lo caiba a cada geração, “no mesmo espírito em que sempre esteve”.

Minha primeira edição foi publicada no dia seguinte, como se nada houvesse acontecido, com a manchete: “UE adota fronteiras mais limitadas”. Plus ça change.

Durante os primeiros cento e setenta e poucos anos da vida do Guardian, ocorreram, evidentemente, enormes desafios e mudanças, uma das quais a transformadora decisão de mudar de Manchester para Londres, em 1964. Mas o essencial da vida do jornal era o mesmo em 1995, quando entrei para o lugar de Peter Preston, do que fora em 1821, quando o jornal foi lançado em resposta ao massacre de Peterloo, em 1819, em Manchester.

As matérias eram contadas por meio de palavras e (mais recentemente) fotos – ainda em branco e preto, o meio “adequado” de 20 anos atrás. O ritmo do dia tinha um prazo, por volta de 9h30 da noite. Sabíamos o preço do papel, da tinta, da impressão e da distribuição e podíamos imaginar o custo da publicidade e do próprio jornal. Os leitores eram, fundamentalmente, do Reino Unido e, se quisessem entrar em contato, faziam-no por telefone ou por carta. Era um mundo em que os conhecidos se conheciam.

Vinte anos depois, nadamos num mundo de desconhecidos. Ainda escrevemos matérias com texto e fotos, mas as palavras provavelmente serão publicadas como matérias de blogs. Aprendemos a usar imagens em movimento, assim como fotogramas. Trabalhamos com áudio, com recursos interativos, com dados, gráficos e qualquer tipo de combinação dos acima citados. Distribuímos nosso jornalismo através de canais múltiplos, plataformas e dispositivos, inclusive com discussões e debates ao vivo. Estamos no iWatch; na cama com o Facebok; e ainda estamos na loja da esquina.

Atualmente, dois terços de nossos leitores são de fora do Reino Unido: publicamos sem parar. Nossos leitores podem ser virtualmente editores e podem conectar-se uns com os outros e com qualquer outra pessoa, inclusive conosco. Eles contribuem com o Guardian de maneiras que eram inimagináveis mesmo 15 anos atrás.

Além de tudo isso, ainda produzimos um jornal. Ou melhor, dois. The Observer, 30 anos mais velho que o Guardian, está em excelentes condições sob a batuta de John Mulholland.

O modelo econômico do que fazemos atualmente ainda está em sua infância. Há vinte anos, ninguém fazia perguntas ao editor de um jornal sobre seu modelo de negócios. Atualmente, essa é uma das primeiras perguntas. E, evidentemente, o Guardian – embora extremamente seguro, do ponto de vista financeiro, se comparado a alguns períodos do passado – não é mais imune que qualquer de seus concorrentes à necessidade de encontrar uma base sustentável para aquilo que faz.

Algumas publicações decidiram restringir o acesso a seu conteúdo digital e insistem em receber pagamento [paywalls]. Os polos opostos desta ideia são representados pelo Guardian e pelo Times de Londres. Este último reivindica uma audiência digital diária de 281 mil pessoas. Em abril, o Guardian foi lido por mais de 7 milhões de visitantes únicos por dia. Em termos de números contábeis, estamos perdendo (ou investindo) mais ou menos a mesma quantia de dinheiro. Em dez ou vinte anos saberemos quem avaliou o futuro melhor. Mas o Guardian – que ainda é o oitavo maior jornal no Reino Unido – vem agora competindo com o New York Times pela responsabilidade de ter o maior website jornalístico do mundo em língua inglesa.

Difamação e vida online

Quanto a números, é isso aí. Nas últimas semanas, enquanto tentava por em ordem 20 anos de papéis de todo o tipo – eu acumulo coisas velhas; não as jogo fora – fiz algumas divisões mentais desse tempo. Primeiro vieram os anos da difamação, durante os quais parecia que o Guardian nunca iria sair de um ou de outro tribunal. Pouco depois que assumi, houve uma procissão de parlamentares, ministros, lobistas, agnósticos, curandeiros, grandes empresas, policiais, bancos e playboys ricos fazendo fila para nos indiciar ou processar.

Graças a Deus, atualmente existem muito menos casos de difamação, mas aquelas batalhas muitas vezes foram épicas, dispendiosas e tomaram uma imensidão de tempo. Se você ganhasse – e ganhamos a maioria delas – podia até ser divertido. Mas na maioria das vezes eram enervantes e cansativas. Não tenho pena alguma de ver o declínio da indústria da difamação londrina e espero que nós, juntamente com outros jornais e outras organizações empenhadas na liberdade de expressão, tenhamos contribuído minimamente para por um fim a isso. E um agradecimento sincero a todos os amigos especialistas que nos ajudaram ao longo dos anos. Vocês saíram caro. Mas foram bons.

Aí, vieram os primeiros anos de internet, durante os quais – sob a liderança de Ian Katz – criamos um website que não caiu na armadilha de simplesmente repetir online o que publicávamos na versão impressa. Ian e sua equipe logo perceberam que este era um meio – importante, em muitos aspectos – muito diferente do jornal impresso e criaram um site, Guardian Unlimited, que jogava pelas novas regras.

Ocorreu então uma pausa com a guerra de formatos das edições impressas – uma reação à atitude ousada por parte do Independent e do Times de trocarem o formato standard pelo tabloide. O Independent chegou a anunciar que, dali em diante, não só seria um jornal para ler, mas também “para ver”, numa alusão à quantidade de ilustrações – uma declaração de intenções espantosa que acabou se perdendo na excitação sobre o formato.

Por vários motivos – um dos principais era a quantidade de classificados com que ainda contávamos na versão impressa àquela época –, o formato tabloide não funcionou conosco. Na verdade, precisávamos de novas rotativas – o custo de qualquer formato era neutro – e optamos pelo formato europeu Berliner (47 cm por 31,5 cm).

O jornal que ganhou corpo pelas mãos do designer Mark Porter e do subeditor Paul Johnson (e, no Observer, do ex-editor Roger Alton) era um misto de beleza e flexibilidade. Porém, no momento em que instalávamos as novas rotativas Man Roland sabíamos que aquelas eram provavelmente as últimas que comprávamos. Em retrospecto, eu diria que não ficou claro se as mudanças de formato na edição impressa dos jornais transformaram a sina de qualquer deles – o grande, o pequeno ou o médio.

A fase seguinte foi a da Social Web [um conjunto de relações sociais que liga as pessoas através da internet], ou Web 2.0, como foi primeiramente chamada. Emily Bell, a profeta que na época editava a nossa produção digital, imediatamente se pronunciou, dizendo que aquilo era tão importante quanto a própria internet. Ela nos preveniu que havia uma bifurcação: podemos separar-nos desta revolução social, econômica, cultural e editorial ou podemos adotá-la incondicionalmente. Abrimo-nos a ela ou fechamo-nos? Decidimos abrir.

Uma das primeiras experiências foi “O Comentário é Livre”, lançado por Georgina Henry em 2006 como uma forma de aumentar imensamente e diversificar os comentários recebidos pelo Guardian – não só os dos autores “acima citados”, mas das centenas de milhares de pessoas que queriam participar de um debate e a quem isso nunca fora possível.

Tivemos que inventar novas normas e convenções. Nascia um novo tipo de jornalista – o moderador de comentários – para dar conta da avalancha de opiniões. Havíamos criado uma nova democracia de expressão, que às vezes era desconfortável, mas quase sempre rica e absorvente – e, às vezes, até estimulante. Nosso mais recente projeto, sob a supervisão de nosso chefe de estratégia digital Wolfgang Blau, levou essa jornada ainda mais longe.

A notícia em primeira mão

E, finalmente, as reportagens: sobre malfeitores desonestos; políticos aceitando suborno; grandes empresas sonegando impostos; vazamentos tóxicos; policiais sem ética; policiais letais; tortura e perseguição; mutilação de mulheres; drogas; produção de alimentos; vendedores de pílulas; e muito mais.

Em 2010, o WikiLeaks parecia, e era, enorme: o maior vazamento de telegramas diplomáticos e confidenciais que o mundo já conhecera. Mas depois vieram as escutas telefônicas clandestinas – o extenuante e extraordinário trabalho de sete anos de reportagens de Nick Davies foi lançando, pouco a pouco, luz sobre os crimes, evasivas e fraudes da mais poderosa empresa jornalística do mundo.

As reportagens de Davies impediram que um imenso e implacável monopólio de mídia duplicasse de tamanho – com as consequências do que isso significaria para o poder, a democracia, a regulação e mesmo a polícia. A melhor defesa que os Murdoch – filho, pai e amigos – julgaram aceitável foi dizer que a empresa estava fora de controle. Qualquer outra reação teria sido considerada apocalíptica do ponto de vista empresarial.

Enquanto eventual esporte violento, acho que o jornalismo britânico passou a ser ligeiramente examinado, em consequência disso, mas não sei se meus colegas editores concordam ou aprovam.

E depois veio Edward Snowden e suas surpreendentes revelações sobre como foi industrializado o negócio da vigilância desde o 11 de Setembro, de tal forma que – sem qualquer tipo de consentimento significativo – inúmeros milhões de pessoas pelo mundo afora tiveram suas informações privadas coletadas, analisadas e armazenadas.

Juízes, parlamentares, advogados, presidentes, legisladores, gigantes da internet e professores universitários do mundo inteiro debruçaram-se sobre as reportagens do Guardian tão solidamente editadas pela editora Janine Gibson. A rede de telefones nos Estados Unidos que violou diária e sigilosamente a privacidade de milhões de cidadãos norte-americanos desde outubro de 2001 só foi encerrada este mês [maio de 2015]. Isso talvez se tenha tornado inevitável depois da contundente derrota que o programa sofreu no Congresso e depois que um tribunal de recursos norte-americano determinou que o grosso da coleta de metadados telefônicos revelado por Snowden era ilegal.

Nossa recompensa foi o prêmio Pulitzer por um serviço público. Infelizmente, Snowden, que fez o tipo de sacrifício que, em maioria, acharíamos difícil considerar, terá que esperar por sua absolvição e justo reconhecimento.

Houve outros sucessos recentes, como o brilhante lançamento do Guardian Australia pela subeditora Katharine Viner como parte de nossa expansão internacional; a longa e obstinada campanha do repórter Rob Evans para divulgar abertamente a correspondência política do príncipe Charles; nossa recente campanha para tratar das mudanças climáticas com a gravidade e o impacto que merecem; a enérgica cruzada de Maggie O’Kane contra a mutilação genital feminina… e muito mais.

Perpetuamente independente

À medida que eu limpava as prateleiras e punha em ordem coisas de importância efêmera, fui fazendo uma reflexão sobre o que é o Guardian – e o que significa ser um editor.

Quando John, um dos filhos de C.P. Scott, decidiu colocar o Manchester Guardian num fundo financeiro, ele consultou Gavin Simonds, futuro ministro do governo de Winston Churchill, que lhe disse: “Parece-me que você está tentando fazer algo muito repugnante em termos da legislação da Inglaterra. Você está tentando despojar-se de um direito de propriedade”.

Era precisamente isso que John Scott estava tentando fazer. Sir William Haley, que posteriormente foi editor do Times, disse: “Ele poderia ter sido um homem rico; e optou por uma existência espartana. E quando decidiu despojar-se de qualquer lucro ou benefício [no Guardian], ele o fez sem qualquer demonstração emotiva, como se estivesse resolvendo um problema de álgebra. Diante de tamanho sacrifício, a maioria dos homens teria exigido, pelo menos, o preço de uma atitude”.

A decisão da família Scott de abrir mão de qualquer interesse financeiro no Guardian deve constar entre as grandes ações históricas de uma filantropia voltada para o público. Ao fazê-lo, eles criaram uma estrutura de propriedade com dois objetivos: garantir o futuro do Guardian em termos perpétuos e proteger sua independência em qualquer situação, a qualquer custo e contra quaisquer concorrentes.

A questão da perpetuidade é, obviamente, um trabalho que está sempre avançando – embora a construção de um investimento de 1 bilhão de libras [cerca de R$ 4,8 bilhões] signifique uma sólida fundação para o futuro. O papel do Guardian Media Group – o braço comercial da operação – foi fundamental.

A independência que o Fundo Scott nos concedeu manifesta-se de centenas de maneiras. Pouco antes da recente eleição geral, durante a hora do almoço, cerca de 200 pessoas estavam numa sala tentando decidir qual partido – se é que algum deles – apoiar. Não havia qualquer tipo de mensagem vinda de cima, explícita ou implícita. Certa ou errada, a decisão cabia exclusivamente ao nosso grupo.

Esse mesmo espírito está ali a cada manhã, quando qualquer pessoa da equipe pode vir à reunião matinal de pauta – para ouvir, para contribuir, para desafiar, para assimilar. Estava ali quando as pessoas que subscreveram a ação de difamação do ministro Jonathan Aitken exigindo que a TV Granada, igualmente acusada, capitulasse – enquanto o Fundo Scott nos dizia que lutássemos. Estava ali quando o Estado e vários políticos vieram pedir que suspendêssemos as matérias sobre Snowden. O fundo tinha a resposta perfeita: não podemos.

Estava ali sempre que este editor precisou das duas corujas mais sábias – Hugo Young e Liz Forgan. Está ali nas palavras do ensaio centenário escrito por C.B. Scott em 1821, no qual ele fala do equilíbrio entre a existência material e a existência moral de um jornal – entre lucro e poder. Nunca uma questão foi tão importante para ele quanto essa.

O poder acima do lucro. Mas mesmo isso, num contexto moderno, deixa-me um pouco inquieto. Termino com uma confissão sobre o trabalho de editor e uma angústia persistente sobre essa história de poder.

Um editor – se ele ou ela assim quiser – pode ser uma pessoa realmente poderosa. Os editores podem fazer e podem desfazer as pessoas. Eles determinam quem tem o direito de voz e quem continua mudo. Eles podem intimidar e assustar quem quiserem. Podem impor suas opiniões num jornal e, por intermédio desse jornal, num país e nas vidas de milhões de pessoas.

Como vimos, eles podem infringir a lei enquanto investigam vidas privadas – com a razoável confiança de que ninguém os irá deter, nem mesmo a polícia ou o órgão de regulação. Podem ter uma influência desproporcional no decorrer de debates – para isso basta excluir os argumentos contrários. Uma voz pode dominar um jornal por completo, da primeira página, ao longo das páginas de notícias e das colunas editoriais, até a seleção de alguns para serem comentaristas.

As pessoas ainda se ajoelham a este tipo de poder, mesmo numa época em que se acredita que a influência da grande mídia esteja em declínio. Na minha modesta maneira, eu o experimentei em primeira mão. E, de certa forma, isso me satisfaz. Desejo que as instituições do Quarto Estado sejam fortes. Num mundo do poder globalizado, distante e muitas vezes inexplicável, uma fonte investigação e influência compensatória é mais necessária do que nunca.

Mas eu nunca quis que o Guardian fosse minha voz – nem meus colegas do Guardian o iriam querer ou permitir. C.P. Scott viu com clareza que um jornal deve esquivar-se às “tentações de um monopólio… A voz dos opositores tem o direito a ser ouvida, não menos que a dos amigos”.

Não sei se sempre vivi à altura do ideal de C.P. Scott, mas foi importante para mim que o Guardian contasse, por exemplo, com Simon Jenkins, com Max Hastings ou com Matthew d’Ancona, assim como com outros profissionais que nadavam melhor em nossas correntes liberais.

Largando o poder

O Guardian teve a força necessária para resistir aos ataques lançados contra o nosso jornalismo durante os últimos 20 anos – e foram muitos. Mas nós conseguimos a nossa capacidade de superá-los no poder da instituição, e não de um indivíduo qualquer.

Mas o poder de um editor sempre me deixou nervoso. Quando comecei no cargo de editor, abri mão de um poder significativo: o poder de corrigir. Parecia-me óbvio que o jornalismo, enquanto meio imperfeito, irá sempre incluir erros – e a última pessoa capaz de julgar se foi ou não cometido um erro é a pessoa responsável por tê-lo cometido.

Nunca esqueci esta honesta descrição de um jornal feita pelo jornalista David Broder, do Washington Post: “Um relato parcial, precipitado, incompleto, inevitavelmente equivocado e incorreto de algumas das coisas que ouvimos nas últimas 24 horas – distorcidas, apesar de nossos esforços para eliminar grosseiras parcialidades, pelo próprio processo de compressão de dados que torna possível você pegá-lo do lado de fora de sua porta e lê-lo em cerca de uma hora. Se rotulássemos o produto de forma adequada, então poderíamos logo acrescentar: ‘Mas é o melhor que pudemos fazer, nas atuais condições. E voltaremos amanhã com uma versão corrigida e atualizada’.”

E, portanto, desde 1997, quem achar que o Guardian fez algo de errado, pode evitar o editor e pedir ajuda a alguém que não é responsável perante o editor, e sim perante o Fundo Scott. Eu não posso interferir em suas opiniões nem editar a coluna semanal em que ele tem plena liberdade para criticar o jornal e expor nossas fraquezas.

Este tipo de coisa é lugar-comum nos jornais norte-americanos, assim como em outros países, mas ainda não é a regra no Reino Unido. Dá para perceber por quê. Se, como editor, você saboreia com enorme prazer a opinião a partir do púlpito do opressor, não faz qualquer sentido você nomear um árbitro verdadeiramente independente.

Mais recentemente, abri mão de mais poder ao criar um conselho editorial para fazer a supervisão das páginas de comentários e das principais colunas. Não acompanhamos inteiramente o modelo norte-americano, no qual o editor-executivo – por exemplo, do Washington Post ou do New York Times – não pode interferir de modo algum nas páginas de opinião. Continuei sendo o editor de todo o Guardian. Mas eu queria criar uma divisão clara entre o noticiário e os comentários, e passar ao conselho editorial, liderado por Jonathan Freedland, a liberdade (e o tempo) para refletir sobre a questão. É claro que C.P. Scott arquitetou genialmente essa articulação em seu ensaio de 1821. Um era livre; o outro era sagrado. Como de costume, ele tinha razão.

Na semana que vem, pela primeira vez em 20 anos, não estarei no comando do noticiário. O Guardian está em boas condições e seu alcance, sua influência e seus investimentos vão muito além do que se poderia imaginar na época em que John Scott fez seu sacrifício nobre e filantrópico.

Fui abençoado por poder contar com colegas maravilhosos, de quem terei enorme saudade – apenas citei alguns deles neste texto. Katharine Viner será uma maravilhosa décima-primeira (ou mesmo décima-segunda) editora do jornal. No ano que vem irei chefiar (com Lady Margaret Hall, da Universidade de Oxford – fundada, como o Guardian, em nome da reforma) a instituição que passei a apreciar mais do que qualquer outra nos meios de comunicação: o Fundo Scott propriamente dito.

Farei a despedida de meus colegas pessoalmente. Mas, por favor, leitores, aceitem estas palavras como minha despedida de vocês, assim como minha imensa gratidão por seu apoio, por seu envolvimento, por sua reação e seus argumentos ao longo de tantos anos. Sei que muitos de vocês se tornaram “sócios” do Guardian e abriremos cada vez mais o jornal para viver essa experiência física.

Reparei que alguns dos leitores mais dedicados tendem a associar suas idades ao editor. “Eu comecei com Wadsworth”, diria um mais idoso; ou “Eu comecei a ler com Hetherington”.

Mas, no final, nós editores estamos apenas de passagem. Todos nós sabemos que são vocês, leitores, que carregam a tocha.

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Os anos Rusbridger

24 de janeiro de 1995 – Rusbridger é nomeado editor pelo Fundo Scott, após ganhar o voto dos jornalistas e entra para o lugar de Peter Preston. Ele havia sido editor de notícias variadas por um ano e havia lançado a revista Weekend e a seção “G2”.

Novembro de 1995 – É inaugurada a Go2, primeira publicação na internet do Guardian – que vem a ser a versão online do suplemento para ciência e tecnologia do jornal.

30 de setembro de 1996 – O parlamentar conservador Neil Hamilton retira uma ação por difamação. Posteriormente, o parlamentar foi considerado culpado de formular perguntas no Parlamento em troca de envelopes marrons cheios de dinheiro.

1997 – O Guardian torna-se o primeiro jornal britânico a criar seu próprio ombudsman – Ian Mayes torna-se Editor dos Leitores. Ele tem uma coluna em que trata de correções, esclarecimentos e reclamações.

20 de junho de 2007 – Jonathan Aitken retira a ação por difamação. Depois de ter prometido “erradicar o câncer de um jornalismo desonesto e distorcido”, o ex-ministro seria acusado de perjúrio e iria para a cadeia.

Janeiro de 1999 – Inauguração do Guardian Unlimited, cobrindo notícias, futebol, críquete e empregos. Em setembro já contava com um milhão de usuários.

12 de setembro de 2005 – É lançado o formato Berliner. O Guardian torna-se o único jornal nacional a circular num tamanho médio e em cores.

14 de março de 2006 – Todos os textos opinativos – e as discussões por eles geradas – passa a contar com uma página online: “O Comentário é Livre” [Comment Is Free].

Dezembro de 2008 – O Guardian muda-se para Kings Place transferindo uma equipe de 1.700 pessoas para o norte de Londres, depois de 32 anos na Farringdon Road.

28 de novembro de 2010 – São divulgados os telegramas pelo WikiLeaks. O Guardian é um dos cinco jornais no mundo todo que publica uma seleção dos documentos diplomáticos norte-americanos vazados por Bradley (agora Chelsea) Manning, um soldado que os baixara na internet.

4 de julho de 2011 – Terminam anos de revelações sobre escutas telefônicas clandestinas na News International, com provas de que o News of the World violou o correio de voz do telefone da estudante assassinada, Milly Dowler. O jornal fecha as portas seis dias depois.

5 de junho de 2013 – O Guardian publica documentos vazados por Edward Snowden relatando em detalhe a vigilância de informações privadas pela NSA [Agência de Segurança Nacional] e por outros órgãos. O Guardian e o Washington Post ganhariam um prêmio Pulitzer no ano seguinte.

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De editor-chefe a guardião do cofre – Angela Pimenta

‘The Guardian’, um jornal que tem causas – Luciano Máximo [Entrevista de Alan Rusbridger ao Valor Econômico]

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Alan Rusbridger é jornalista