Após uma década e meia de mudanças vertiginosas desencadeadas pela rápida transformação tecnológica, a mídia impressa vislumbra um novo modelo de negócios capaz de garantir sua sustentabilidade a longo prazo. Reunidos nos últimos três dias [1,2 e 3/6] na capital americana, para o 67º Congresso da Associação Mundial de Jornais e Editores (WAN-Ifra, na sigla em inglês), editores, administradores, consultores e acadêmicos convergiram para uma fórmula: sofisticação do produto entregue em papel e agressividade nas plataformas digitais, especialmente celulares e tablets.
A âncora desta remodelagem é uma combinação de aposta redobrada no jornalismo de qualidade com criatividade na confecção, na apresentação e no direcionamento do conteúdo, seja ele em papel ou nas telas dos dispositivos eletrônicos. Dar um salto na inovação é essencial para atrair leitores e fidelizá-los, gerando assinaturas a preço maior, pois esta se tornou a alma do negócio.
– Pela primeira vez em 17 anos de prognósticos ruins, é possível dizer: há um claro caminho para a indústria da mídia – afirma Juan Señor, vice-presidente do grupo de consultoria de mídia Innovation. – Por um lado, é preciso remodelar o impresso, tornando-o premium, mais caro. Por outro, é preciso um plano de ação focado em dispositivos móveis.
Cresce importância do vídeo
Nesta nova etapa, o jornal em papel – que gera 93% das receitas e, portanto, ainda sustenta o negócio – deve encolher e investir em reportagens exclusivas, analíticas e que antecipem desdobramentos (algo que TVs e sites que agregam grande quantidade de notícias não podem fornecer), mas de forma concisa e com amplo suporte de material visual, como fotos e infográficos.
Veículos impressos devem ainda apostar mais pesadamente nas edições de fim de semana – quando leitores indicam querer desconectar-se do mundo virtual – e em suplementos mais luxuosos, que atraem mais anunciantes, a um valor maior, mostram experiências internacionais.
Paralelamente, as empresas de mídia devem investir na expansão do mercado digital, no qual o vídeo ocupa papel central. Leitores já gastam diariamente quatro vezes mais tempo consumindo informações por smartphones e tablets do que por veículos impressos. Os anunciantes também estão migrando, atrás da atenção dos consumidores: empresas como Procter & Gamble e American Express já realizam 70% de sua publicidade em vídeo na web.
Não à toa, a receita global dos grupos de mídia com anúncios por plataformas móveis deverá somar US$ 64 bilhões este ano e saltar a US$ 159 bilhões em 2018, segundo a Innovation.
– O jornal não morreu, mas a audiência está mudando. Quem tem menos de 50 anos consome informação ao longo do dia, não pelo papel no café da manhã. É preciso alterar a fórmula e trazer a informação primeiro para os dispositivos móveis – afirma Eduardo Pellanda, coordenador do Laboratório de Pesquisa em Mobilidade e Convergência Midiática (Ubilab) da PUC-RS.
A transição deve ser cuidadosa, evitando avalanche de listas e conteúdo apelativo, diz Juan Señor. A prioridade, como no papel, deve ser o jornalismo de qualidade, não o número de cliques alcançados. A interatividade é fundamental e para isso as redações devem unir designers e programadores a jornalistas, para permitir o desenvolvimento de soluções que surpreendam e transformem a experiência de leitura. Por exemplo, permitindo que, numa reportagem sobre a guerra na Síria, se navegue pela saga de um refugiado.
Para o diretor do Centro Tow-Knight para o Jornalismo Empreendedor da Universidade da Cidade de Nova York, Jeff Jarvis, as plataformas digitais permitem que a mídia mude de lógica: de produtora de conteúdo em massa para uma prestadora de serviços quase personalizados.
Isso significa criar produtos específicos, cujo ativo é a curadoria dos profissionais especializados, que reúnam as principais notícias na avaliação de editores; artigos exclusivos de colunistas; materiais temáticos (Economia, Política, Ciência); ou por região de interesse (cidade, América Latina, EUA) etc. Alguns produtos do “New York Times”, por exemplo, já têm 200 mil assinantes.
Pellanda acrescenta que essas múltiplas possibilidades de embalar conteúdo abrem também novos caminhos de receitas, a partir do conceito native mobile, ou seja, ferramentas desenvolvidas exclusivamente para tablets e smartphones. Por exemplo, agregar serviços pagos que podem interessar os leitores, como notificações e atualizações de um assunto específico ao longo de todo o dia, roteiros de como navegar determinada burocracia e aplicativos especiais.
O mesmo vale para a publicidade, com o chamado native advertisement, que os especialistas consideram um caminho para reanimar a aposta dos anunciantes nos veículos tradicionais. Este tipo de publicidade – normalmente feita em vídeo – busca contar uma história mais bem-acabada, que inclui conteúdo e uma mensagem que extrapola a promoção do produto.
– É suicídio não ter uma estratégia de publicidade para dispositivos móveis – afirma Álvaro Triana, diretor de Américas da Innovation. – E, se não fizer vídeo, o veículo ficará irrelevante, pois 79% do tráfego da internet vêm de vídeo. Além disso, a receita com vídeo é dez vezes maior do que com textos e links, por isso é uma prioridade.
Novo formato de redação
Um novo modelo impõe, ainda, a adaptação das redações. O Grupo RBS, que publica o “Zero Hora” e outros sete jornais, por exemplo, está investindo no planejamento, para permitir que um grupo de jornalistas sempre esteja produzindo reportagens especiais e investigativas. Decidiu ainda centralizar a produção de materiais de temas nacionais, internacionais e de variedades, distribuídos entre os oito jornais. Os profissionais liberados se dedicam agora a conteúdo local.
O grupo trabalha também em consórcio com outros veículos em materiais investigativos, instituiu uma escola de jornalismo interna, para treinamento dos profissionais, e investiu no desenvolvimento de tecnologia para a publicação de vídeos, com quatro plataformas prontas de gravação e publicação pelo celular.
– Este tipo de olhar de produtividade em cima do jornalismo é fundamental para a sobrevivência e a saúde financeira das empresas jornalísticas – avaliou Marta Gleich, editora-executiva dos jornais do Grupo RBS.
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Flávia Barbosa é correspondente do Globo em Washington