DENÚNCIA
Governadora desqualifica fontes de reportagem
‘A governadora Yeda Crusius se pronunciou na manhã de ontem no Palácio Piratini sobre as denúncias publicadas pela revista Veja. Aparentando calma, ela desqualificou as fontes da revista e disse que trata-se de ‘mais um capítulo da mesma novela, com os mesmos personagens’, fazendo referência a Lair Ferst e ao vice-governador Paulo Feijó (DEM), com quem rompeu por divergências sobre a política tributária.
Yeda negou a existência de irregularidades, apontou a ausência de provas e criticou as atitudes de Ferst e de Magda Koegnikan. ‘Como uma pessoa grava um amigo dessa forma? Eu desqualifico as fontes desta entrevista. O Marcelo (Cavalcante) está morto, ela (Magda, viúva do ex-assessor do governo gaúcho) não pode falar por ele.’
A deputada estadual Zilá Breitenbach (PSDB) adotou discurso semelhante. ‘Ela (Magda) declara coisas que o Marcelo não pode confirmar, pois ele morreu. Duvido da existência das gravações’, declarou.
Uma das indústrias fumageiras negou o caixa dois e apresentou um recibo que comprova transferência bancária de R$ 200 mil ao diretório estadual do PSDB. A outra empresa negou qualquer doação aos tucanos. O proprietário da agência de publicidade negou com veemência qualquer oferecimento de benesses aos integrantes do governo, afirmando que presta serviços ao Estado porque venceu licitação pública.’
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Gravação compromete governo Yeda
‘A última edição da revista Veja publicou novas denúncias de prática de caixa dois contra Yeda Crusius (PSDB), governadora do Rio Grande do Sul. A revista afirma que teve acesso a 90 minutos de um total de dez horas de gravações feitas por Lair Ferst, réu na fraude milionária do Detran, durante conversas com Marcelo Cavalcante, ex-representante do Palácio Piratini em Brasília.
Nos diálogos, Cavalcante demonstra intimidade com Ferst, que ajudou a captar recursos para a campanha de Yeda, em 2006. O ex-assessor, segundo a revista, afirmou ter arrecadado, após a vitória tucana no segundo turno, a quantia de R$ 400 mil com duas empresas fabricantes de cigarro. O dinheiro teria sido entregue a Carlos Crusius, então marido de Yeda, e utilizado no pagamento de contas pessoais do casal, inclusive na compra de uma casa em Porto Alegre, sempre de acordo com a reportagem.
Uma agência de publicidade da capital gaúcha também foi acusada de custear passagens aéreas, recepções e outros benefícios a integrantes da cúpula de campanha. Atualmente, a empresa presta serviço de marketing ao governo estadual.
A viúva de Cavalcante, Magda Koegnikan, assegurou a veracidade do conteúdo das gravações de Lair Ferst. Disse ainda que Cavalcante relatou os mesmos fatos a ela própria. As gravações, que estariam em poder do Ministério Público Federal, teriam sido entregues por Lair Ferst para provar que os verdadeiros responsáveis por desvios no Detran são integrantes do governo Yeda.
Magda contou que, ao saber da intenção de Lair Ferst de usar as gravações, Cavalcante entrou em depressão e começou a beber. Em 17 de fevereiro, já exonerado do governo Yeda por suspeita de participação na fraude do Detran, Cavalcante foi encontrado morto no Lago Paranoá, em Brasília. Inquéritos da Polícia Civil apontam probabilidade maior de suicídio.
Ferst, antigo aliado tucano e parte fundamental na campanha de Yeda ao Piratini, virou-se contra o governo após a Operação Rodin, da Polícia Federal, que apurou desvio de R$ 44 milhões do Detran. Ferst chegou a ser preso, indiciado e suspenso do PSDB.’
TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira
TVs reagem à proibição da multiprogramação
‘‘Proibir o uso da multiprogramação (ou multicasting) é algo que me parece estapafúrdio, pois cabe a cada emissora decidir sobre a conveniência ou não de usar esse recurso. Não há razão nem sentido para adotarmos a nova tecnologia digital se não pudermos usar livremente uma de suas vantagens principais.’
Assim reage Johnny Saad, presidente da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e da TV Bandeirantes (Band), diante da portaria do Ministério das Comunicações que proibiu o uso da multiprogramação pelas emissoras comerciais em suas transmissões de TV digital. Em entrevista a esta coluna, Saad manifesta sua discordância em relação à decisão ministerial bem como ‘à posição da outra entidade’ – a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) – que apoia a proibição do multicasting.
Mesmo a TV Record, filiada à Abert, discorda da proibição. Segundo seu presidente, Alexandre Raposo, ‘proibir a multiprogramação é uma medida injustificável, já que a tecnologia escolhida pelo Brasil tem como uma de suas principais características o multicasting. A decisão de usá-lo, ou não, deve ser de exclusiva responsabilidade de cada emissora.’
MEDIDA ILEGAL
A Abra prepara ação judicial contra a proibição, por considerá-la ilegal, segundo afirma Walter Ceneviva, vice-presidente executivo da entidade e especialista em Direito da Radiodifusão. Para ele, ‘não há nada na legislação que regulamentou a TV digital no Brasil que autorize o Ministério das Comunicações a editar uma portaria ou norma com o objetivo de permitir ou restringir o uso da multiprogramação’. Ceneviva lembra que ela foi uma das vantagens em que se apoiou o governo para escolher a tecnologia de TV digital adotada pelo Brasil. A multiprogramação possibilita a transmissão de até 4 programas em definição padrão (standard definition ou SD) de TV digital no mesmo canal de frequência de 6 Megahertz (MHz), em que se transmite um programa de alta definição (high definition ou HD). Mas, é claro, nenhuma emissora seria obrigada a utilizar o recurso.
Johnny Saad diz que as emissoras não foram ouvidas sobre o tema. Para ele, a alegada necessidade de testes para saber se a multiprogramação é vantajosa ou não para o País, ‘não passa de uma bobagem’. E argumenta que a norma impede ainda outra vantagem do multicasting, que é a mobilidade, uma vez que as redes de TVs comerciais tinham e ainda têm projetos para implantação, por exemplo, de canais com programação específica para televisões digitais portáteis e para celulares.
A proibição fecha também as portas para novas formas de TV por assinatura que poderiam utilizar esse recurso da multiprogramação. Saad menciona a CNN, o Discovery Channel e o HBO, como exemplos de emissoras que, nos últimos 25 anos, nasceram da TV por assinatura – e não da TV aberta, dada a fragilidade do modelo de negócios baseado exclusivamente em receitas de publicidade: ‘Temos que enfrentar esse desafio, pois a TV paga está praticamente sem legislação e sem canais nacionais em número mínimo’.
CULTURA AUTORIZADA
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, voltou atrás na proibição imposta à TV Cultura quanto ao uso da multiprogramação e autorizou na quarta-feira passada a Fundação Padre Anchieta, entidade responsável pela emissora pública paulista, a usar o recurso do multicasting ‘em caráter científico e experimental’ em seu canal digital.
A norma geral expedida em março pelo Ministério das Comunicações só autoriza o uso da multiprogramação pelas emissoras públicas federais. Todas as demais emissoras, comerciais ou mesmo as públicas estaduais, como a TV Cultura, foram proibidas de usar o recurso do multicasting, razão por que o Ministério das Comunicações obrigou a TV Cultura a tirar do ar seus dois novos subcanais em standard definition. Um deles era o da Univesp, com programas culturais do tipo universidade aberta, e o outro, o Multicultura, para programas de elevado nível cultural.
O ministério voltou atrás na semana passada, mas impôs todas as limitações e restrições possíveis à multiprogramação da TV Cultura, autorizada a utilizar esse recurso em caráter experimental, nos limites do artigo 13 do decreto-lei 236, de fevereiro de 1967, legislação típica da ditadura. Além de proibir qualquer publicidade comercial ou institucional o decreto-lei 236 define a televisão educativa como aquela que se destina ‘à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates’. Nos limites desse conceito, se a TV transmitir uma Olimpíada ou uma partida de futebol poderá ser punida por atividade ‘irregular e ilegal’.
Outro ponto polêmico no despacho do ministro Hélio Costa é o que autoriza a TV Cultura a ‘testar a transmissão de sinais de radiodifusão de sons e imagens, com multiprogramação exclusivamente educativa na localidade de São Paulo’. Como será possível à TV Cultura limitar-se à ‘localidade de São Paulo’ e evitar que suas ondas eletromagnéticas cubram também as demais cidades da região metropolitana?’
Cláudia Trevisan
Gigante chinesa conquista o mundo
‘Fundada há 21 anos com um capital de US$ 2.500 e desconhecida fora da China há menos de uma década, a fabricante de equipamentos de telecomunicações Huawei deverá assumir neste ano o terceiro lugar no ranking de vendas globais de seu setor, deixando para trás as gigantes Alcatel-Lucent e Nokia Siemens Networks.
A empresa, que nasceu como distribuidora de aparelhos de PABX, em 1988, traçou uma trajetória ascendente que é espantosa até mesmo para os padrões chineses. Seu primeiro produto chegou ao mercado em 1992 e, cinco anos mais tarde, teve início seu processo de internacionalização.
Hoje, a Huawei fornece equipamentos para 36 das 50 maiores operadoras de telecomunicações globais, tem 87 mil empregados, 100 filiais ao redor do mundo e 1,5 bilhão de usuários de seus produtos. Suas vendas aumentaram em média 43% ao ano desde 2002, até atingirem US$ 18,33 bilhões em 2008, mais que o dobro do registrado dois anos antes.
A companhia chinesa espera crescer 30% neste ano, apesar da crise global. Se conseguir 20%, será o suficiente para ultrapassar o faturamento da Alcatel-Lucent e da Nokia Siemens, que deverá ficar em US$ 22 bilhões e US$ 23 bilhões, respectivamente, de acordo com a empresa de consultoria BDA.
A entrada nesse mercado da Huawei e de outra chinesa, a ZTE, estabeleceu uma feroz concorrência, encolheu as margens de lucro e derrubou o preço dos equipamentos de telecomunicações.
Extremamente agressiva, a Huawei consegue oferecer soluções a preços que, em alguns casos, chegam a ser 80% inferiores aos das empresas tradicionais, disse ao Estado Duncan Clark, presidente da BDA. ‘Os concorrentes a odeiam’, ressaltou o executivo.
No relatório sobre os resultados de 2008, a Nokia observou que um dos riscos futuros que enfrenta são as políticas agressivas de preços e marketing dos concorrentes, especialmente dos que entraram recentemente nesse mercado.
‘Alguns competidores escolheram, e outros devem escolher no futuro, aceitar margens de lucros significativamente mais baixas do que é usual nesta indústria, o que pode resultar em pressão para redução de nossos preços e margens’, observa o documento.
A Huawei afirma não ter nenhuma participação ou suporte do governo chinês, mas Clark acredita que um fator importante para seu crescimento foi o financiamento de suas exportações por bancos estatais. Segundo ele, durante 10 anos, a empresa teve uma linha de crédito de US$ 10 bilhões do China Development Bank, o BNDES chinês.
Apesar disso, a expansão da Huawei dentro da China não foi fácil. Quando o país começou a desenvolver a segunda geração de celulares (2G), em 1994, a maioria dos contratos foi dada a estrangeiros, como Ericsson e Alcatel, o que forçou a internacionalização da Huawei.
De acordo com a BDA, companhias estrangeiras dominavam no ano passado 66% do mercado chinês de segunda geração, que é o maior do mundo, com 640 milhões de usuários. Os restantes 34% eram de contratos dados à Huawei e à ZTE. Com pouco espaço dentro da China, a empresa se expandiu no exterior. Em 2008, 75% de suas vendas ocorreram fora do país. Em 2004, a cifra já era alta: 41%.
A estratégia inicial da companhia foi buscar contratos em países da África e do Oriente Médio, aproveitando a experiência que havia tido dentro da China no desenvolvimento de centrais telefônicas para a zona rural.
O passo seguinte foi o ataque aos países desenvolvidos. A Huawei abriu um escritório na Europa em 2000 e assinou seu primeiro contrato quatro anos depois, com a holandesa Telfort. O grande salto ocorreu em 2005, quando foi um dos oito fornecedores selecionados pela British Telecom para a construção da uma rede batizada de Século 21. Depois disso, vieram contratos com outros pesos pesados, como Vodafone, Telefónica, Telecom Italia e T-Mobile.’
POLÍTICA
Amigos do poder
‘Eles tinham temperamentos distintos – antagônicos mesmo. Mas isso não os impediu de comandar, lado a lado, a nação mais poderosa do planeta em um momento-chave de sua história. Richard Nixon (1913- 1994), presidente da República, e seu braço direito, Henry Kissinger (1923) – cuja enorme influência como assessor de Segurança Nacional e secretário de Estado o transformou em uma espécie de copresidente – ocuparam a Casa Branca entre 1969 e 1974. Até que o escândalo de Watergate forçasse a renúncia de Nixon, ele e Kissinger tomaram, juntos, medidas que tanto mantiveram os Estados Unidos na Guerra do Vietnã – a despeito das forças contrárias a isso -, como emprestaram seu apoio decisivo para a derrubada de Salvador Allende da presidência do Chile. Ao mesmo tempo, promoveram a distensão no relacionamento com a União Soviética e a aproximação com a China. Esta foi a faceta pública da dupla. Na intimidade, porém, ambos alimentaram intrigas mútuas, fruto de ambições iguais – portanto, alvo de disputas, de conflitos.
Instigado pela velada concorrência que marcou tal parceria, o historiador norte-americano Robert Dallek pesquisou durante três anos as mais de 23 mil páginas de documentos disponíveis relacionados ao tema. O resultado está no volumoso Nixon e Kissinger (tradução de Bárbara Duarte, 750 páginas, R$ 89), lançado no Brasil pela Jorge Zahar Editor. ‘Cada um construiu uma fachada para, conscientemente ou não, disfarçar suas verdadeiras intenções’, comentou Dallek em conversa, por telefone, desde Washington, com o Estado. ‘Ambos desejavam o poder desde jovem e, depois de avançarem diversos postos, viram-se lado a lado como importantes aliados.’
Eleito presidente depois de uma primeira tentativa frustrada (perdeu por uma pequena margem para John Kennedy, em 1960), Nixon vislumbrava estabelecer-se como estadista, um político preparado como nenhum outro para enfrentar as questões prementes da política externa dos EUA, em uma época de tensão contínua para o mundo, marcada pela Guerra Fria com a URSS. Tal objetivo se associava, de algum modo, com os propósitos de Kissinger, judeu refugiado da 2ª Guerra e decidido a impor a qualquer custo o seu valor – reconhecido desde os tempos de estudante na Universidade Harvard, onde era visto como gênio, uma combinação de Kant e Spinoza. Notadamente interessado na natureza do sistema político internacional do século 20, Kissinger sempre acreditou que o destino de um país não era completamente moldado por circunstâncias externas mas sim pelos escopos e escolhas feitos por seus estadistas.
O que os uniu foi a amizade comum com Nelson Rockefeller, assessor especial do presidente Dwight Eisenhower (1953-61). Kissinger o conhecia desde 1955 e foi por ele convidado a trabalhar em uma pesquisa sobre as Perspectivas para os Estados Unidos. Começava ali a série de colaborações que despertaram a atenção de Nixon, que decidiu convidar Kissinger para integrar seu governo. Era o início de uma relação que incluiu, para além do trabalho conjunto, intrigas, traições, blasfêmias – e muitos palavrões.
As repetidas tentativas de mostrar brilhantismo em cada ato estão entre as características mais marcantes da vida e da arte de exercer o poder praticada por ambos. ‘Eles cultivaram um casamento político, ainda que Kissinger considerasse Nixon um homem esquisito e desagradável, enquanto o presidente tratasse seu auxiliar pejorativamente de ?o meu judeu?’, conta Dallek, na entrevista a seguir.
Como homens com tão pouco em comum conseguiram conviver tão proximamente e por tanto tempo?
Eles eram extremamente ambiciosos, dependentes de um grau de sucesso só desfrutado no alto poder. Também compartilhavam de algumas opiniões semelhantes, especialmente sobre política externa – ainda candidato à presidência, Nixon ficou atraído pelas críticas feitas por Kissinger, então apenas um professor universitário, à política de defesa dos governos anteriores, de Kennedy e Johnson. Juntos, podemos dizer que tiveram um casamento político.
É possível afirmar que um era mais brilhante que o outro?
Creio que Nixon era muito inteligente, especialmente para avaliar as habilidades políticas de Kissinger – este era muito astuto na análise da situação internacional. Juntos, tomaram algumas medidas satisfatórias, mas que ficaram ofuscadas pelo escândalo de Watergate.
De que modo eles conseguiram evitar que os conflitos pessoais interferissem em seu governo?
Eles faziam o possível. Nixon queixava-se muito de Kissinger, especialmente em seu diário, no qual expressava sua hostilidade. Veja o projeto de reabrir o mercado chinês: Kissinger sabia que, com isso, estava roubando os holofotes de Nixon, e que deixava o presidente ressentido. E ele ficava mesmo. Em dezembro de 1972, quando a revista Time colocou uma foto dos dois em sua capa, Nixon ficou incomodado pois Kissinger, na época, era tão somente seu consultor para segurança nacional. Ele só seria nomeado secretário de Estado em setembro de 1973, 11 meses antes da renúncia de Nixon. Por outro lado, Kissinger sempre foi um homem de boas maneiras, cultivando ótimas relações com a imprensa, tornando-se mundialmente conhecido, o que frustrava e irritava Nixon.
O senhor diria que eles eram mais propensos à paz ou à guerra?
Para os dois. A favor da paz até o momento em que uma turbulência internacional tornava imperiosa uma ação americana. Nos momentos pacíficos, eles sentiram a necessidade de estabelecer uma nova relação com a China, além de tratar da relação com a União Soviética no que dizia respeito às armas nucleares.. Mas não podemos esquecer que também não encerraram a Guerra do Vietnã, como prometido em campanha, bombardeando também o Camboja e provocando a morte de 23 mil soldados americanos. Creio que poderiam ter dado fim ao conflito em 1969 mas, como julgavam que isso não seria feito em condições honrosas para os Estados Unidos, decidiram adiar. Também participaram ativamente do golpe que provocou a queda e a morte do presidente chileno Salvador Allende, em 1973. Não mandaram matá-lo, mas sabiam dos detalhes.
Farpas
‘Há momentos em que Henry Kissinger precisa de um puxão de orelhas. Por que às vezes Henry começa a achar que é o presidente’
‘Em outras oportunidades, é preciso mimá-lo e tratá-lo como uma criança’
‘É difícil suportar a tendência de Kissinger de construir sua imagem como a autoridade por trás do trono’
RICHARD NIXON
‘Nixon era um homem solitário, que se isolava em seu escritório estirado
em uma cadeira, escrevendo notas em um caderno amarelo’
‘Era muito esquisito e desagradável. Nunca entendi por que
entrou para a política’
‘A política era uma forma de terapia ocupacional para Nixon. Mas ele pagou um preço terrível por essa presunção’
HENRY KISSINGER’
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‘Nixon temia ser mal interpretado’
‘Robert Dallek apresenta em seu livro detalhes das frustrantes tentativas de Nixon e Kissinger de encerrar a participação americana na Guerra do Vietnã. Também trata do papel fundamental de ambos na deposição e assassinato do presidente chileno Salvador Allende, em 1973. É no relato dos momentos finais de Nixon no poder, no entanto, que o historiador americano de 75 anos se sobressai.
Ao comunicar sua decisão de renunciar antes que sofresse o processo de impeachment, Nixon abraçou Kissinger e o convidou a se ajoelhar para rezar. Intimidade sobre a qual Dallek revela mais aspectos na continuação da entrevista.
O Vietnã foi o grande problema de Nixon. Quando assumiu o governo, em 1969, ele tinha, de fato, um plano para encerrar a guerra?
Não especificamente. Ele sabia que, do ponto de vista da política interna, era urgente terminar o conflito, porque o eleitorado poderia não apoiar sua reeleição. Mas havia aquele errôneo pensamento de que a retirada de tropas tinha de ser honrosa. Kissinger temia que, uma vez iniciado o processo de saída dos soldados, o Vietnã do Norte poderia acreditar que se tratava de uma fuga e que o Vietnã do Sul não teria condições de se defender sozinho. Assim, o que aconteceu é que os Estados Unidos continuaram abusando da força, treinando os sul-vietnamitas para que pudessem se defender por conta própria. Era o que se chamava ‘vietnamização’, que custou bilhões de dólares aos cofres americanos e que o tempo comprovou ser nada eficiente.
Havia alguma possibilidade de os Estados Unidos vencerem a guerra?
Sim, desde que, no final, mais um milhão de soldados fossem enviados (e tínhamos cerca de 500 mil lá) e que o Vietnã do Norte fosse invadido. Nesse caso, acho que seria possível. Mas nós, americanos, somos marcados por velhas lembranças e o país estava farto daquela guerra, que vitimara milhares de soldados. Havia uma forte sensação de que o conflito não mais poderia contar com a presença de americanos. Assim, Nixon e Kissinger aos poucos foram recuando. Basta conferir os números: quando se aproximou a época da reeleição de Nixon, havia apenas cerca de 30 mil soldados no Vietnã. De uma certa forma, ele honrou uma promessa de campanha.
E o que dizer do papel de Nixon e Kissinger na derrubada de Salvador Allende?
Hoje é possível dizer que ambos tiveram um papel relevante – é o que confirmam documentos e conversas telefônicas com Nixon que Kissinger mandou gravar. Ali, eles revelam um consenso de que Allende não deveria chegar ao poder, o que, acreditavam, seria uma transição para a esquerda na América Latina. Para evitar isso, era preciso que o governo americano mantivesse ótimas relações com os chefes militares de Argentina e Brasil – afinal, ao contrário dos intelectuais, eram os militares os homens mais sujeitos à influência dos Estados Unidos. No Chile, também utilizaram estratégias diversas, municiando seus opositores até mesmo depois da eleição de Allende. Nesse período, promoveram ainda restrições econômicas que ajudaram a aumentar o descontentamento popular contra o presidente. Finalmente, a deposição do governo e o assassinato de Allende foram recebidos com indisfarçável alegria por Nixon e Kissinger. Não é possível garantir que o crime tenha ocorrido a partir de uma ordem da Casa Branca, mas certamente todos os recursos necessários para que isso acontecesse foram fornecidos. Por essa razão, não acredito na versão de que Allende teria cometido suicídio.
Sua pesquisa se baseou principalmente em documentos e gravações telefônicas?
Sim, basicamente de uma documentação que, no total, resultou em mais de 20 mil páginas de transcrição. Eu diria que o material mais valioso veio das gravações feitas por ordem de Kissinger e que foram liberadas para consulta pública em 2004. Durante três anos, realizei pesquisas nesse material até concluir o livro em 2007.
Por que eles gravavam as próprias conversas telefônicas?
Essa é aquela pergunta que vale um milhão de dólares (risos). Acredito que eles estavam seguros de que teriam total controle sobre as fitas, que ninguém teria acesso a elas. Nixon pretendia deixar um material sobre seu governo que fosse útil aos historiadores – e também para si mesmo, pois pretendia escrever as próprias memórias. A ideia surgiu da sugestão de um auxiliar de gabinete, que observara aquele procedimento no governo anterior, de Lyndon Johnson. Mas, enquanto Johnson iniciava a gravação ao apertar um botão, o que lhe garantia fazer uma triagem, Nixon instalou um sistema que acionava automaticamente o gravador ao falar no telefone ou ao conversar com alguém que se posicionasse a um perímetro máximo a partir de sua mesa. Com isso, somou cerca de 3.700 horas de conversa gravada.
Foi o escândalo de Watergate que interrompeu as gravações?
Sim, nesse período, descobriu-se que gravações eram feitas e muito material foi confiscado para investigações. Na verdade, acredito que Nixon não se importava muito que o teor das fitas fosse revelado, pois ele temia uma, digamos, má interpretação de seu governo.
Kissinger ajudou a sua pesquisa?
Ele me concedeu só uma entrevista. Conversamos pouco, durante apenas uma hora e 15 minutos. Não descobri nada revelador, apenas conferi alguns dados e datas.
É possível fazer um paralelo entre aquela época e a atual, especialmente com os governos de George W. Bush e Barack Obama?
Todos, em seus discursos, clamam por paz. Mas, durante a época de Nixon e Kissinger, havia um rival conhecido, a União Soviética, e outro em ascensão, a China. O tempo mostrou que a primeira entrou em colapso por não ter recursos para sustentar sua economia e, principalmente, força militar. Já a segunda hoje conhecemos bem. Com a invasão do Iraque, Bush enfrentou a mesma impopularidade de Nixon e, da mesma forma, não quis sair como perdedor, mesmo com o sacrifício de mais vidas. Finalmente, Obama parece se direcionar para outro rumo, especialmente com sua disposição de retomar as relações com países da América Latina.
Depois de escrever sobre a vida de tantos presidentes americanos, quem seria seu próximo alvo?
Hoje é mais complicado. Tenho interesse em escrever sobre o governo de Ronald Reagan, mas os documentos sobre esse período só estarão devidamente liberados dentro de 12 ou 15 anos. Não podemos nos esquecer que se trata de uma documentação delicada, pois envolve questões de segurança nacional.’
REVISTA
A escrita praticada nos limites do real
‘O homem pode arrancar apenas um pedaço da realidade. Jacques Lacan (1901-1981) acreditava que o real rejeita qualquer sentido que pretenda revesti-lo; numa palavra, ele é ‘impossível’. O psicanalista francês disse mais: ‘O que faz com que a relação sexual não possa se escrever é justamente esse buraco, que toda a linguagem, enquanto tal, tampa.’ Assim, ele alertou para o hiato ‘insuperável’ entre ciência e verdade, entre o que se busca e o que se encontra. Para refletir sobre essas posições, a Revista da Escola Letra Freudiana (Editora 7Letras, 304 págs.) dedicou toda a sua edição de nº 40 – chamada Do Real, O Que se Escreve? Seu conteúdo é o resultado de colóquios realizados pela instituição entre 2006 e 2007.
Além de discutir as incapacidades da palavra diante do real, a publicação apresenta um texto que se destaca pela complexidade de temas analisados a partir de algo aparentemente banal – uma carta. Assinado pelas psicanalistas Andréa Bastos Tigre e Rossely S.M. Peres, o artigo A Quem Pertence uma Carta? aborda as angústias do solitário ato de escrever, por meio do qual o indivíduo se arrisca a ensaiar uma verdade. A reflexão das autoras se fundamenta em perguntas lançadas por Lacan em seu seminário de 1955, durante o qual trabalhou o conto A Carta Roubada, de Edgar Allan Poe. O que é, afinal, uma carta? Ela pertence a quem? A quem a enviou ou a quem é destinada? Em que consiste a dádiva de escrever uma carta? E por que se manda uma carta?
Andréa e Rossely lembram que, no século 17, o advento do correio representou um abalo à monotonia da vida cotidiana. Era também uma prova da paixão do ser humano pela escrita e da leitura como força de um acontecimento. Ao ensaiarem respostas às perguntas de Lacan, as autoras evocam as 284 cartas trocadas entre Sigmund Freud e seu amigo Wilhelm Fliess, de 1887 a 1904. Abordando assuntos variados, da intimidade à profissão, essa correspondência pode ser pensada como ‘o tear em que foi engendrada a psicanálise’. Sem fugir das zonas de sombra, Freud exerceu na escrita um meio de investigação especial. Partilhou suas descobertas, uma ruptura com o pensamento de sua época, e fez autoanálise, apontou Lacan.
Marcadas pela ausência inerente do outro e pela abolição do ‘aqui e agora’, as cartas, dizem as psicanalistas, são escritas pela vontade do homem de experimentar uma verdade. É quando o escriba se esvazia do conhecimento que tem sobre si mesmo. Ernesto Sabato, elas comentam, cita Cesare Pavese, para quem escrever é comparável ao fuzil que se dispara. Em mensagem a Godofredo Rangel, lembra o texto, Monteiro Lobato afirmou que ‘o gênero ?cartas? é algo à margem da literatura’. Para ele, a correspondência é uma conversa entre amigos, um duo no qual ‘está o mínimo de mentira humana’.
Após meditar sobre o que move o autor de uma carta, as autoras tratam do destinatário. Ou destinatários, porque são três os sujeitos a quem se destina toda mensagem: o indivíduo que escreve para si mesmo, para o outro – destinatário original – e para um outro possível de ser atingido antes ou depois de a carta chegar ao endereço pretendido inicialmente.
Outra função da escrita, atestam as analistas, é suportar a realidade. Ela é capaz de fazer o sujeito atravessar as experiências complicadas – para dizer o mínimo – da solidão e do vazio, da morte e do inconsciente. Aqui se resgatam os efeitos imponderáveis do ato de escrever sobre aquele que escreve: pode-se tanto tropeçar em algo ignorado como conhecer algo que não se deseja saber.
Existir, concluem, é como escrever: não há itinerário preestabelecido nem muitos acertos durante o percurso. Por mais que se planeje, viver não é outra coisa senão avançar tropeçando.’
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