Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Julio Mesquita, a expressão do Brasil moderno

Nascido em Campinas em 1862, Julio Mesquita começou como gerente de A Província de São Paulo, em 1888. De empregado passou a proprietário de O Estado de S. Paulo, nome do jornal após a proclamação da República. Fez uma revolução no jornalismo brasileiro em 39 anos de profissão até a morte, em 1927, quando, já aposentado, continuava acompanhando a distância a rotina da redação e participando da política nacional. Deputado estadual, deputado federal e senador pelo Partido Republicano Paulista, nunca misturou a vida pública com os negócios de sua empresa. Seu partido o expulsou duas vezes por defender ideias consideradas pouco ortodoxas. Em 1924, quando os filhos interromperam sua aposentadoria num pequeno hotel de Campinas para pedir sua orientação durante a Revolução Paulista, Julio Mesquita foi preso e levado para a cadeia no Rio de Janeiro pela polícia do presidente Artur Bernardes. Chamaram-no do de subversivo, embora defendesse o fim da luta entre os rebeldes e as forças federais.

A trajetória de Julio Mesquita no jornalismo influenciou profundamente a economia e a política no Brasil. O jornalista colocou o Estado a serviço das grandes causas nacionais com independência e isenção. Errou algumas vezes em sua avaliação, mas foram maiores os acertos em sua atuação profissional. Inovador, enviou Euclides da Cunha como repórter ao sertão de Canudos, na Bahia, para ver de perto o combate do Exército contra os seguidores de Antônio Conselheiro. O Estado denunciou então que havia um massacre de civis, informação que não constava dos comunicados oficiais.

“Era um jornalista excepcional, um dos grandes jornalistas da História do Brasil, um dos grandes inventores do artesanato e dos protocolos da profissão”, afirma o historiador e também jornalista Jorge Caldeira, autor de Julio Mesquita e Seu Tempo, biografia em quatro volumes que está sendo lançada hoje em São Paulo. Caldeira se dedicou durante quase 15 anos à garimpagem de documentos e à redação do texto para escrever o livro. Fechado numa sala do quinto andar da sede da editora, no bairro de Santa Cecília, ele consultou centenas de arquivos eletrônicos e pilhas de pastas em papel para contar a história do patriarca da família Mesquita. Escrito em estilo de jornal, como se fosse uma grande reportagem, o livro desenha um quadro econômico, político e social do Brasil no período de Julio Mesquita, interligando os fatos com o perfil dos personagens que deles participaram.

Quatro volumes sobre Julio Mesquita. Por que uma coleção sobre o jornalista e seu tempo? De onde veio a ideia? 

Julio Mesquita (1862-1927)

Julio Mesquita (1862-1927)

Jorge Caldeira – Julio Mesquita tem uma dimensão como jornalista que aprendi a admirar desde que começou a ideia do livro, em 1999. A dimensão como modernizador daquilo que a gente hoje acha que é jornal é uma invenção do tempo dele. À medida que conheci melhor sua biografia, fui ficando cada vez mais fascinado. Primeiro porque ele construiu uma instituição. Entrou como empregado num jornal de província e entregou para o filho o maior jornal do País. Quando comecei a escrever essa história, porém, percebi que não era uma história só dele e do jornalismo. Havia a dimensão econômica. O faturamento do Estado em 1927 era maior que o orçamento de 10 dos 20 Estados brasileiros. O crescimento da empresa também foi exuberante. Quando ele entrou como empregado, em 1888, o jornal tinha 904 assinantes. Em 1927, quando morreu, eram 48.600. A base de assinaturas foi multiplicada por 54 – média de 10,5% de crescimento ao ano. Tive de lidar com essa dimensão econômica, que mesmo os historiadores de hoje perderam um pouco. Isso dá uma relação entre Julio Mesquita e o tempo, que é mediada pela política, pois ele foi político e jornalista. É a trajetória de um jornalista e das histórias do jornal que construiu, mas em contraste com um tempo mais amplo, mais geral, do Brasil. No tempo da Monarquia o crescimento brasileiro foi regressivo ou zero. Enquanto isso, na Inglaterra e nos EUA, o capitalismo dava um salto. A República foi o regime que atualizou rapidamente a economia. Em 1906, com 15 anos de República, o País já crescia em ritmo maior que o americano, padrão de crescimento na época. O jornal espelha essa transformação profunda porque está sediado numa metrópole, com eletricidade, avião, Semana de Arte Moderna, fascismo, socialismo, greve. Mas o jornal no qual Julio Mesquita começou era um jornal de cidadezinha provinciana, relegada a um canto do Brasil, embora já com certo destaque.

Em seu livro, o senhor fala da dificuldade em conseguir dados para analisar o quadro econômico do Brasil.

J.C. – A incerteza sobre o passado econômico brasileiro é gigantesca. O período de vida de Julio Mesquita, entre 1862 e 1927, poderia ser mais bem entendido se a gente tivesse bons dados econômicos. O problema é que não há tábuas de comparação para entendermos o tempo econômico e o tempo de mudança que Julio Mesquita viveu. Para que o leitor tivesse uma dimensão disso, colhi todos os dados possíveis, do Brasil inteiro e não só de São Paulo, num volume que pode ser lido à parte sobre o desenvolvimento econômico. Não existe cálculo de PIB do Brasil nesse período, não há cálculo de crescimento da indústria nacional, não há nada. Essa incerteza permite que alguns historiadores digam que esse foi um período sem progresso, enquanto outros o classificam como de radical mudança. Juntei o possível para as pessoas perceberem m crescimento desigual, que foi muito alto em São Paulo, de mais de 10% ao ano. O setor que menos cresceu foi o café, em média 2% ao ano, entre 1888 e 1928, nos 40 anos de trabalho de Julio Mesquita.

O café sempre foi apresentado como símbolo da economia paulista…

J.C. – oje se fala muito no café, mas não se analisam os dados com calma. A fonte do crescimento empresarial de São Paulo foi a indústria, a ferrovia e os bancos, principalmente a indústria. O Estado de S. Paulo, como tal, cresceu muito mais que o café. Quem fosse cafeicultor e crescesse na média da cafeicultura em 1888 teria 1 e em 1928 teria 3. Com o jornal, teria 1 e 53. Já se tinha um processo de forte industrialização em São Paulo, de modernização capitalista da economia. Julio Mesquita era um empresário moderno, com uma empresa grande, que produzia notícias. Essa sua dimensão empresarial só se consegue ter com uma dimensão maior da economia paulista e, depois, da brasileira. O Estado de S. Paulo, na década de 1920, quando já era um jornal grande, sorteava prêmios entre os assinantes. Peguei todos os prêmios que ele sorteava durante uma década inteira para ter uma amostra, bastante razoável, de onde era vendido. Era o seguinte: 25% dos jornais eram vendidos na cidade de São Paulo, 50% no interior do Estado, 25%, o mesmo número da cidade-sede, fora do Estado. Julio Mesquita criou um jornal de peso nacional, enquanto era possível ser nacional nos anos 1920. A modernização era completa, e o jornal era o retrato desse Brasil moderno, renovado, diferente, não ligado aos políticos tradicionais. Julio Mesquita era muito progressista. Foi abolicionista, de organizar fuga de escravo para quilombo. Foi um republicano radical. Foi democrata o tempo todo. A greve de 1917, sobre a qual tenho documentação extensa, foi resolvida na redação do jornal, única organização com credibilidade para falar com todos na cidade. O governo veio como mais um dos participantes. Depois Julio Mesquita foi processado por subversão. O jornal fez editoriais dizendo que as reivindicações operárias eram justas, conduziu as negociações e o governo ficou de fora. Isso mostra a dimensão que o jornal tinha naquele tempo. Era moderno, com um público muito amplo, e Julio Mesquita construiu os mecanismos que permitiram isso.

Ele já era inovador quando entrou muito jovem na ‘Província de São Paulo’?

J.C. – Tinha alguma experiência no jornalismo estudantil, escreveu artigos para a Gazeta de Campinas e para a própria Província de São Paulo. Mas tinha 26 anos e começou como gerente. Fez a publicação dar lucro, comprou ações da empresa e depois se tornou dono dela. Tinha talento para todas as áreas do jornal. Organizava vendas, circulação, promoção, gráfica, e escrevia. Ainda fazia política, de tarde e de noite. De 1888 até 1897, o jornal era de prelo, com uma gráfica muito limitada, só conseguia imprimir quatro páginas, a tipografia era manual, uma coisa de muito limite.

Ele começou inovando aí?

J.C. – Começou inovando com a venda na rua. Fazia promoção, punha gente para vender jornal e assim aumentou a tiragem e a circulação. Ao entrar no jornal, Julio Mesquita escreveu um artigo sobre Finados e o tratamento que se dava aos mortos. Chegou à conclusão de que era péssimo e passou a evitar que o nome dele saísse, o que impediu que os outros funcionários assinassem, criando-se uma coisa impessoal. Quando considerava certos temas importantes, permitia-se às vezes ser entrevistado. Separou o editorial, a posição da publicação, do artigo, a posição de quem escreve. Como diminuiu o número de articulistas e passou dar valor ao noticiário, aos telegramas, criou um jornal em que a notícia era mais importante que o artigo. Em 1897, comprou as rotativas, que tiraram a limitação das quatro páginas do jornal e imprimiam muito mais exemplares. As rotativas chegaram no momento em que explodiu a notícia de que a Expedição Moreira César tinha sido dizimada em Canudos. A edição que divulgou isso vendeu 18 mil exemplares, um recorde na época. Aí Julio Mesquita decidiu mandar a Canudos um editorialista, Euclides de Cunha, que era engenheiro do Exército da Escola Militar e dizia que Canudos era um bastião monarquista, que a República ia vencer. Saiu de navio e foi escrevendo editoriais como jornalista partidário. Ao desembarcar em Salvador, começou a entrevistar prisioneiros de guerra, cumprindo os deveres de repórter. Percebeu que o editorialista estava errado e que o repórter via indícios claros de um massacre de civis. Os relatos do repórter desmentiam o editorialista. Foi um impacto muito grande ele passar de um positivista fanático para alguém que teve de se haver com uma população ali à sua frente. Isso gerou Os Sertões cinco anos depois, marco de mudanças no jornalismo brasileiro.

Havia outros escritores na redação, nessa época ou pouco depois, mas não com o perfil de repórter como Euclides da Cunha.

J.C. – A função da reportagem, da pessoa que vê e escreve o que está vendo, tomou Euclides da Cunha. Ele passou a ser um grande repórter. Colaborou muitos anos no jornal, ia para a Amazônia, para Mato Grosso, para a Mantiqueira. Fazia editoriais também. Era ele quem defendia, com Henrique Coelho, as posições socialistas e marxistas, como nos editoriais do Primeiro de Maio. Essa variedade de posições, incluindo vários partidos, foi uma coisa que Julio Mesquita permitiu aos articulistas. Oliveira Lima, que era monarquista, cobria política internacional.

Qual a importância de escritores como Monteiro Lobato e Guilherme de Almeida?

J.C. – Monteiro Lobato começou em 1914 com um conto que virou o livro Urupês. Guilherme de Almeida foi bem depois. A segunda passagem do jornal foi o salto das rotativas para o jornal moderno, que coincidiu com a campanha de Ruy Barbosa para presidente. Julio Mesquita era o coordenador dessa campanha, a primeira com a ideia de que é o eleitor quem escolhe o presidente, e não um pequeno grupo que comanda a política e apresenta um candidato ungido. Foi uma mudança radical, pensada. A cobertura da campanha de Ruy Barbosa em 1909 trouxe gráficos, fotografias, reportagem em massa, tudo para dizer que é o eleitor quem deve decidir.

Em quais experiências Julio Mesquita se inspirou? Ele viajou?

J.C. – Ele viajou para a Argentina. Passou o ano de 1887 em Portugal e, em 1912 e 1913, viveu em outros países, como França e Alemanha. Tinha uma noção do mundo. Recebia jornais de vários países, a redação sabia o que estava acontecendo. Em 1908, criou uma rede de informações mundial. Montou uma sucursal em Roma, porque havia muitos italianos em São Paulo, e uma sucursal em Lisboa, porque havia muitos portugueses aqui. Também publicava colunas sobre a Alemanha e sobre a Espanha, porque esses países tinham colônias importantes no Brasil. Montou sucursais no Rio, Santos e Belo Horizonte e uma rede de correspondentes nas cidades do interior. Era jornal sofisticado, com mais notícia internacional que os do Rio de Janeiro. O público exigia. Ele concebeu essa teia, que é o jornal moderno, nas décadas de 1910 e 1920.

Na década de 1910 veio a Primeira Guerra.

J.C. – É outra coisa espantosa. Ainda estavam mobilizando as tropas quando Julio Mesquita, prevendo que a guerra ia começar, achou que devia criar uma seção para informar todos os leitores dos países envolvidos no conflito. Começou na semana do início da guerra, com um boletim que saía às segundas-feiras. Era uma espécie de resumo de tudo o que tinha ocorrido na semana anterior. Ele lia os telegramas e escrevia a coluna, com textos e gráficos, mapas e às vezes fotos. Na terceira semana, tomou partido a favor dos Aliados, sob protesto dos imigrantes alemães. Previu que os aliados iam ganhar a guerra, porque eram economias mais fortes. Foi intuitivo. Quem lê os textos, 100 anos depois, tem a impressão de que os quatro volumes do livro A Guerra são uma análise escrita mais tarde. Julio Mesquita tinha uma capacidade muito grande de usar a intuição para fazer esses resumos e tomar essas posições. Na semana em que Lênin tomou o poder, escreveu: ou a Alemanha teria implantado um agente na Rússia para servir aos interesses dela e, portanto, Lênin seria um crápula que destruiu seu próprio país para servir a outro, ou esse homem seria um idealista que tinha razão e que sairia da fogueira da guerra como parte do novo mundo. Escreveu isso em outubro de 1917. Isso é jornalismo. A mesma coisa fez com a valorização do café, em 1903. Julio Mesquita não era especialista em economia, mas o plano de valorização do café foi montado e feito por um colaborador do jornal, Augusto Ramos. Um dia, ele decidiu que o que esse homem falaria sobre café era o que o jornal falaria sobre café. Augusto Ramos assinou uma coluna chamada A Valorização do Café, cujo título nunca foi alterado. Três anos antes da valorização do café, o jornal estava comprometido e pensando nessa mudança da economia. O plano de comprar o café de safra grande, estocar o café e regular o mercado foi feito em 1903. Virou lei em 1906, com o Convênio de Taubaté. O jornal foi fundamental para disseminar essa ideia, fazer as mudanças, estudar as alternativas, frutos de um debate que começou na redação. Julio Mesquita sabia fazer esse tipo de coisa, escolher esse tipo de gente, apostar nesse tipo de plano. Ele errava também, mas, quando acertava, era para valer. O plano acabou sendo uma política nacional, mas nasceu como uma ideia dentro do jornal. Não foi um político que fez.

Seu livro traça um perfil dos colaboradores e de políticos da época. Julio Mesquita morreu sem deixar inimigos?

J.C. – Julio Mesquita se meteu em grandes brigas políticas. Conseguiu ser diretor do jornal e político. Mas político que não punha o próprio nome no jornal. Foi expulso duas vezes do Partido Republicano Paulista, por pregar ideias consideradas pouco ortodoxas. Ganhou e perdeu. Teve adversários políticos. Escrevia e criticava com dureza. Mas nunca levava para o lado pessoal. Se estivesse errado, dizia, reconhecia no dia seguinte. Esteve errado muitas vezes, e reconheceu. Isso fazia com que as coisas não fossem eternas, com que as brigas não fossem ideológicas, partidárias, mas que fossem uma busca do bem comum. Conseguiu ser um político que passou por turbulências de toda natureza, fazendo um jornal que, dadas as condições das oscilações da política, era estável e democrático. Ele dizia que sua função como editor era ouvir opiniões, mas que ao escrever o que pensava devia tranquilamente seguir as correntes de opinião que fossem válidas.

Ao escrever um ensaio que foi publicado como introdução no livro A Guerra, editado por Ruy Mesquita Filho, o senhor apresenta Julio Mesquita como fundador do jornalismo moderno no Brasil.

J.C. – Ele era um jornalista excepcional, um dos grandes jornalistas da História do Brasil, assim como Hipólito da Costa e Roberto Marinho. Foi um dos grandes inventores do artesanato e dos protocolos da profissão. Jornalismo parece fácil, mas não é.

Qual foi a participação de Julio Mesquita na Revolução Paulista, de 1924?

J.C. – Esse episódio da Revolução de 1924 foi uma das coisas mais insensatas que podiam ter acontecido. Julio Mesquita já estava aposentado e morando em Campinas, levando a vida dele. De repente, São Paulo é tomada. Começam tiroteios na cidade, ninguém sabe o que está acontecendo, a situação vai se agravando. Os filhos resolvem chamar o pai em Campinas e mandam o Alfredo, o mais novo, buscá-lo. Julio Mesquita entra em São Paulo, vê que está havendo saques, chega em casa, na Rua Albuquerque Lins, e recebe um recado de que, após dois ou três dias de combate, o governador tinha fugido e alguém estava tomando conta da cidade, ninguém sabia quem era. O jornal saía dizendo que estava pelejando para informar, que estava ouvindo tiros, mas ninguém sabia o que estava acontecendo. Jornal de duas páginas, o que dava para fazer. Julio Mesquita chega e, quando se revela que um general do Exército que comandava uma tropa imensa queria falar com ele, desconfiou. Esse homem disse que fez a revolução para entregar o governo a Julio Mesquita. Era o general Isidoro Dias Lopes. Um dos filhos levou o recado de que o pai só aceitaria a posse dos eleitos, pois sempre foi um democrata representante dos eleitores e nunca aceitaria o poder, a não ser pela via da eleição. Não aceitou o poder, mas ficou defendendo a cidade de 700 mil habitantes que estava sendo bombardeada dos dois lados. Ficou junto com Macedo Soares, presidente da Associação Comercial, cuidando do abastecimento, de enterros, de arranjar médicos, de evitar saques… O governador tinha ido embora, o governo estava bombardeando a cidade e a população estava no meio do bombardeio, um pedaço do Exército e um pedaço do governo brigando, os dois sem atirar um no outro mataram 500 pessoas. Julio Mesquita, que estava pedindo para não bombardearem, escrevendo para o presidente da República, saiu dessa posição para ser preso como aderente à revolução. Foi para a cadeia, mandaram-no para o Rio preso. É uma situação inusitada. O jornal informava, em duas ou quatro páginas, o que dava para noticiar, mas não aderiu. Julio Mesquita foi processado como subversivo, revolucionário, numa revolução em que não quis o poder. A insensatez era grande.

O presidente era Artur Bernardes?

J.C. – Era Artur Bernardes, que governou quatro anos sob estado de sítio. Quando Julio Mesquita foi preso, o jornal foi censurado, proibido e fechado por 15 dias. Esse não foi o único episódio de censura violento, mas foi o mais exótico.

Foi censurado também na guerra, não foi?

J.C. – O jornal defendia a entrada do Brasil no conflito ao lado dos aliados. Quando o Brasil entrou, fizeram censura de guerra e o jornal foi censurado no noticiário político local. Porque o governador Altino Arantes, por causa da greve de 1917, achava que o jornal tinha armado a greve, junto com os anarquistas, só para fazer menos do governo de São Paulo.

Como foi a garimpagem da documentação para o livro?

J.C. – Levei, para começar, mais de dez anos. Eu tinha feito uma pesquisa para o jornal em 1999 e 2000. Organizei alguns arquivos eletrônicos, mas naquele tempo ainda não era possível sonhar com uma coleção eletrônica do jornal. Eu tinha a ideia de escrever a história do jornal, mas teria de consultar a coleção à mão. Era muito difícil. Em 2010, eu organizei um arquivo eletrônico para a Casa do Pinhal, associação civil da Fazenda do Pinhal, em São Carlos. Como os conselheiros da fundação queriam que houvesse um pouco da história da região e do café, consegui reprodução eletrônica de todos os jornais da região de Campinas, onde Julio Mesquita viveu, e consegui uma reprodução eletrônica de um pedaço do Estado, o que permitiu fazer uma pesquisa detalhada. Tenho uma equipe de pesquisadores e um conjunto de documentação eletrônica muito grande. Como tinha uma ideia da amplitude do que eu queria fazer, era possível uma pesquisa em detalhe. Mesmo assim, foram quatro anos, escrevendo todo dia, com grande prazer, a satisfação foi muito grande. Os quatro volumes saíram juntos, porque são interligados.

Seu leitor é preferencialmente o público acadêmico?

J.C. – Eu sou jornalista, escrevi pensando no leitor comum. Escrevi com grande alegria, porque gosto da profissão de jornalista. Trabalho nisso há 40 anos, comecei com 18 anos, em 1974. Esse livro foi escrito pensando nos leitores de jornal. Tenho 59 anos de idade, vou fazer 41 anos de jornalismo. Julio Mesquita ia detestar o que eu fiz, porque não queria publicar livro. Quando saiu o primeiro volume de A Guerra, mandou queimá-lo. Ruy Mesquita Filho recuperou os textos na coleção do Estado para publicar a obra.

Julio Mesquita não gostava de assinar seus artigos, mas escrevia com qualidade. Por que o anonimato?

J.C. – Ele sabia tudo de jornalismo. Escrevia classificados, notícias de esportes, reportagem, artigo, editorial… Era ateu, dizia-se um livre-pensador, mas invariavelmente na Sexta-Feira Santa escrevia sobre a Paixão. Fazia textos até sobre isso. Tinha talento demais.

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José Maria Mayrink, do Estado de S.Paulo