Em artigo publicado neste domingo (7/6) no Globo, o cineasta Cacá Diegues defende a liberdade de expressão como sendo “a própria razão da democracia” [ver “Nada de chapas-brancas”]. O cineasta, no seu texto, coloca a liberdade de expressão como um direito acima dos outros direitos e deixa claro que, para ele, este é um direito absoluto. Admiro o cinema de Diegues e gosto dos seus artigos, mas será que a liberdade de expressão, que, sem dúvida, é fundamental, está mesmo acima dos outros direitos? Será que a livre expressão sem nenhum limite não poderá gerar distorções, injustiças, tentativas de condução da opinião pública, manipulação? O que interessa à democracia, a meu ver, é o equilíbrio nos direitos fundamentais para que eles estejam à mercê da Justiça e do bem-estar do cidadão. A questão das biografias não autorizadas está na nossa Constituição porque estudos e pesquisas levaram a Constituinte a elaborar as leis que regulam essa atividade. No mínimo, é de se esperar que haja também equilíbrio nas publicações das diversas opiniões, já que está se falando de uma lei em uma democracia.
Se a liberdade de ir e vir tem restrições, se a liberdade religiosa tem restrições, se as liberdades políticas têm as suas restrições e, enfim, se toda liberdade de alguém vai até onde ela atinge a liberdade do outro, por que então a liberdade de expressão não há de ter nenhuma regulação, nenhum limite? O que exatamente a torna absoluta e acima das outras? Tudo na vida e no mundo precisa de limites e a liberdade de expressão também necessita dos seus para ser realmente exercida na sua plenitude. Regular um direito não é censura. Censura à liberdade de expressão é outra coisa, é proibir artigos, é impedir a circulação de notícias, é vetar opiniões contrárias, é manipular os fatos, fechar jornais, atitudes perniciosas que nós já conhecemos muito bem da nossa história recente. Ninguém pode ser a favor da censura.
Chama a minha atenção o desprezo pelo outro direito em questão, um direito que se levou milênios para a sua conquista: o direito à privacidade. A vida privada é privada! Está restrita apenas ao cidadão e ao seu círculo íntimo, ou a quem ele autorizar. Estou falando de vida íntima, não dos crimes escondidos ou jogados para baixo do tapete. Esses têm que ser investigados, julgados e punidos. Mas se o direito à propriedade privada é sagrado, por que o direito ao uso intelectual ou comercial da própria vida privada não é? Se a propriedade privada pode ser protegida a ponto de se poder expulsar um invasor não autorizado até com violência, por que a privacidade é tratada com tanto desprezo como se fosse um direito secundário? Será uma questão financeira? Se for, quem tem o direito de ganhar com a sua vida privada é o próprio biografado, não um terceiro, seja ele um biógrafo ou uma empresa editora.
O direito à privacidade, tanto quanto o direito à liberdade de expressão, é fundamental, mas nenhum deles é absoluto. A prevalência de um sobre o outro é uma questão que precisa ser muito bem analisada e debatida da maneira mais democrática possível. Equilíbrio, nesse caso, é mostrar opiniões divergentes que possam ser comparadas pelo público para assim formar a sua própria opinião. Essa é a verdadeira razão da democracia.
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Herson Capri é ator