Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Descontração pode não segurar telejornal

selo_rev_jorn_espmO desgaste do jornalismo de televisão no ambiente digital das últimas duas décadas foi mais lento que o do impresso, mas tudo indica que será igualmente drástico e irreversível.

No Brasil, o indício mais dramático é a queda de audiência do Jornal Nacional. Nos anos 1970, passava com frequência de 2/3 do total e não raramente se aproximava de 3/4. Agora, ronda os 20%. Há dez anos, era 35%.

Não se trata, claro, de fenômeno só brasileiro, muito menos da Globo. Nos Estados Unidos, os três grandes telejornais tinham na década de 1980 em média 75% da audiência total do país. Caíram para 47% no final do século passado. Atualmente estão em torno de 30%.

O problema tampouco é apenas do gênero do jornalismo, mas de toda a plataforma televisiva. Como o rádio na primeira metade do século 20, a TV se tornou na metade seguinte o centro da vida familiar, comunitária e nacional.

Nos Estados Unidos, até dez anos atrás, era impossível conceber uma casa sem aparelho de TV. Mas para os integrantes da geração millenium (os que nasceram entre 1981 e 1996) e, ainda mais intensamente para os da geração Z (nascidos de 1997 a 2012), o televisor se tornou no mínimo irrelevante, com tendência ao desaparecimento, como o telefone fixo.

Em comparação com a indústria fonográfica e do jornalismo impresso, a da TV tem sentido mais gradualmente os efeitos da revolução digital. Mas, sem dúvida, a programação, tanto de entretenimento quanto noticiosa, migra para a web. SlingTV, Hulu, Netflix, Amazon, Apple e, acima de tudo, YouTube são os novos atores principais; a recepção se dá cada vez mais em aparelhos móveis.

Como demonstram os números da recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), esta também é a tendência no Brasil, onde metade da população (49,4%) tem acesso à internet, e a conexão por celular é crescente (em 53,6% dos domicílios, sendo que 11,6% não usam computador).

Por mais inevitável que seja a tendência, o telejornalismo reage para tentar manter a hegemonia já quase perdida. No caso do Jornal Nacional, a fórmula adotada a partir do final de abril deste ano foi similar à dos sucedâneos americanos: dar mais informalidade e descontração ao programa.

Foi isso o que fizeram, com relativo sucesso, a rede ABC, ao escalar Diane Sawyer em 2009, após dez anos no menos sério programa da manhã, como âncora do principal telejornal (onde ficou até setembro de 2014), e a NBC, com Brian Williams como âncora de 2006 a 2015.

Similarmente, o estilo do Jornal Nacional se aproxima do praticado pelo vespertino Hoje, com os âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos menos imóveis, mais sorridentes e improvisadores. O contraste com os tempos de Cid Moreira e Sérgio Chapelin é gritante, como entre Sawyer e Peter Jennings e entre Williams e Tom Brokaw.

Mas será suficiente? O modelo americano, sempre o norte do Jornal Nacional, mostra riscos. Muita aproximação de jornalismo com entretenimento provocou a queda de Brian Williams.

A idade média do espectador dos telejornais americanos é de 53 anos, sete a mais que a da média da população dos Estados Unidos. No Brasil, embora esses dados não estejam disponíveis, a faixa etária média do espectador do Jornal Nacional está acima da geração millenium.

E esta não curte os velhos telejornais. Sua preferência, em todo o mundo, está no tipo de trabalho que faz a Vice Media, muitíssimo menos cerimonioso e conservador, mais desbocado e mais ousado em forma e conteúdo do que o Jornal Nacional jamais será.

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Sem câmeras na Corte

A Suprema Corte dos Estados Unidos está julgando um tema de enorme interesse público: a constitucionalidade do casamento de homossexuais. A grande curiosidade faz aumentar a pressão para que os trabalhos da Corte possam ser transmitidos ao vivo.

O argumento a favor do pleito é óbvio: para garantir a transparência e a liberdade de expressão, o direito do cidadão de saber como decisões que vão afetá-lo são tomadas por agentes públicos não deve ser tolhido.

Os supremos tribunais dos 50 estados americanos, assim como os da maioria dos países democráticos (Canadá, Alemanha, Reino Unido, Brasil, por exemplo) autorizam a transmissão ao vivo de seus debates e deliberações.

Nos Estados Unidos, nem mesmo a presença de fotógrafos ou câmeras é admitida na Suprema Corte. Só jornalistas de texto podem assistir aos trabalhos.

O argumento pela proibição também é óbvio: ela diminui a margem de possibilidade de os juízes decidirem pela pressão do “clamor público” e não pela estrita interpretação da lei.

Como diz o juiz Anthony Kennedy: “Não podemos permitir a dinâmica insidiosa que justificaria alguém dizer algo para ganhar uma manchete”.

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Carlos Eduardo Lins da Silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor