Com a maior proximidade de culturas distintas e a abertura de novos endereços turísticos, levanta-se uma questão: muitas pessoas ainda saem de seus países para visitar locais turísticos sem antes conhecer suas particularidades (história, conflitos, militâncias, questões sociais). As cidades, por sua vez, se esforçam para omitir suas mazelas, a fim de não terem seu negócio prejudicado ou sua imagem manchada. Entretanto, o ‘turismo plástico’, onde tudo são flores, pode esconder inúmeras injustiças e cerceamentos da liberdade de cidadãos.
Nos últimos anos, a cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, tornou-se destaque nas principais agências de turismo ao redor do mundo. A cidade-símbolo da globalização e do capitalismo levado ao pé da letra também marcou presença nas páginas e cadernos especiais de viagens em jornais e revistas. Entretanto, Dubai – que abriga um dos hotéis mais luxuosos do mundo – teve na crise a amarga experiência de evidenciar a que custo a cidade do petróleo se ergueu e como vivem as pessoas que estão por trás dos edifícios e que trabalham sol a sol (literalmente) nas construções de portos, aeroportos, companhias aéreas, ruas, hotéis e shoppings.
Privações e ambientes hostis
Em artigo publicado na revista piauí do mês de junho, o repórter Johann Hari, do jornal britânico The Independent, narra a história de pessoas que foram trabalhar em Dubai e encontraram uma realidade bem diferente da que ouviram, ou que lhe fora vendida, e agora sofrem as conseqüências em péssimas condições: ‘Todas as noites, os milhares de peões estrangeiros que constroem Dubai são levados dos canteiros de obras para uma imensidão de concreto, em pleno deserto, distante uma hora da cidade. O lugar fede a esgoto e suor.’ O repórter esteve lá e retratou o estado de muitos migrantes – vindos de Bangladesh e Índia – como Sahinal Monir, de 24 anos, com a promessa de ganhar U$640 dólares e iludido a ponto de ter que trabalhar para pagar sua viagem de volta.
O que acontece em Dubai não é um caso isolado. Inúmeras cidades turísticas guardam em seus rincões situações humanas deploráveis e, geralmente, com um agravante: a repressão à imprensa ou à democracia. Cuba, um país que sofre embargo econômico há mais de 50 anos, não permite que seus cidadãos tenham a possibilidade de desfrutar de hotéis e restaurantes utilizados por turistas que visitam o local. Muitos que viajam para a ilha e suas belas praias, por incrível que pareça, ainda conhecem as privações que os cidadãos cubanos vivem a troco de um regime utópico. O que dizer da China que, em plenas Olimpíadas, impedia o mundo de ver os cortiços à chinesa, construções inacabadas ou ambientes hostis com tapumes, além de manter trabalhadores ‘mão-de-obra barata’ em condições subumanas?
Escondendo os problemas
Os veículos e suas editorias de turismo têm o objetivo de levar os melhores roteiros a seus leitores, o que não impede que essa informação chegue ao leitor de forma a que este possa contemplar algo mais do que somente os pontos turísticos. Isso não vai resolver os problemas sociais e demográficos pontuais, mas contribui com o papel importante de não omitir ao consumidor de informação e potencial turista o que os destinos possuem além de lindas praças, cafés, hotéis, monumentos e restaurantes. A questão é polêmica, pois, sem dúvida, entra no campo político e, é claro, econômico, mas mais do que isso, jogar às limpas é contribuir para que as novas gerações não cresçam com estereótipos vendidos.
As belas praias, o Corcovado e o Cristo Redentor são capazes de esconder os problemas do tráfico vividos nos morros do Rio? As belas ruas do bairro de Recoleta ou os parques situados no bairro Palermo podem manter os turistas longe da realidade das villas (favelas, aqui no Brasil) de Buenos Aires? Os belos safáris africanos, com seus hotéis embreados nas savanas, mudam a realidade de milhares de refugiados e vítimas da guerra civil em Ruanda a quilômetros dali? As maravilhosas praias do Caribe são capazes de esconder as pilhas de lixo e a miséria das ruas da Cité de Soleil no Haiti?
Mais informação e divulgação
Em matéria publicada na revista IstoÉ – ‘Viajantes da Paz’, edição 2071 –, a repórter Verônica Mambrini mostra uma iniciativa interessante e que pode aliar a prática de não só mostrar os problemas de determinado país ou região, mas resolvê-los por meio do turismo. Trata-se de locais que usam o potencial turístico para pacificar regiões de conflito. Iniciativas como o ‘Caminho de Abraão’, promovido pela ONG que leva o mesmo nome, que existe há três anos, possibilita ao turista refazer os passos do patriarca do povo judeu passando por regiões como Turquia, Síria, Jordânia, Israel e Palestina, unindo judeus, cristãos e mulçumanos. A entrevista diz que, de acordo com a ONG, os turistas querem viver experiências diferenciadas e conhecer verdadeiramente a situação geopolítica desses lugares.
O mesmo ocorre na Sérvia e Montenegro, que depois de muitos anos de conflito tem sua indústria turística reformada. A região, que integrou a União Soviética e deixou de fazer parte desde 2006, tem nas organizações turísticas dos dois países os locais históricos e as belezas naturais preservadas em conjunto. Outros lugares, como Suazilândia e Moçambique, que congregam etnias diferentes, vêem no turismo sustentável a promoção da paz. Para a repórter Verônica Mambrini, a imprensa brasileira deixa a desejar no que diz respeito ao assunto, até por falta de informação. ‘No meu caso, com essa matéria, tive muita dificuldade de obter informações porque os especialistas indicados não conheciam muito do assunto’, afirma. ‘É um tema que pode se desenvolver bastante ainda, com fontes mais preparadas e programas de divulgação focados’, esclarece.
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Estudante de Jornalismo, São Paulo, SP