Foi uma sexta-feira (19/6) para urubu nenhum botar defeito. As más notícias correram em poucas horas, desde o começo da manhã. Foram eliminados em maio 115.599 empregos com carteira assinada. A inflação chegou a 8,8% em 12 meses, medida pelo IPCA-15 de junho, prévia do indicador oficial. A taxa mensal, 0,99%, foi a maior para o mês a partir de 1996. A economia encolheu 0,84% de março para abril, de acordo com o índice de atividade do Banco Central, também conhecido como o PIB do BC. Durante um ano o indicador diminuiu 1,38%.
Os números foram divulgados com rapidez pelas agências. Ao meio-dia, todo editor estava diante de uma tarefa quase obrigatória: juntar todos aqueles dados e montar pelo menos num texto geral de apresentação, um panorama da crise. Como se houvessem combinado, o IBGE, o BC e o Ministério do Trabalho haviam proporcionado no mesmo dia, quase ao mesmo tempo, uma grande matéria quase pronta.
Nem todos aproveitaram a oportunidade. Alguns talvez tenham simplesmente resistido à tentação. O Estado de S.Paulo e o Globo apresentaram no sábado (20/6) o textão consolidado. O Estadão só chamou na primeira página a notícia do desemprego, mas as novidades foram apresentadas em conjunto na abertura do caderno de Economia. O Globo saiu com uma chamada geral, com o título “Economia dá sinais de alarme”, seguido de titulinhos sobre desemprego, inflação e desembolsos do BNDES.
No Globo, o caderno de Economia com a manchete “Entre a inflação e o desemprego”. A matéria geral foi completada, na mesma página, com textos menores sobre os novos números.
O caderno do Estadão foi aberto com o título “Economia dá sinais de piora e enfrenta processo de ‘estagflação’”. A informação consolidada saiu na capa. As matérias sobre cada tópico apareceram nas páginas internas, como assuntos independentes.
O uso da palavra estagflação foi um ponto positivo. Esse termo, inventado há mais de quatro décadas, indica uma situação muito rara e especialmente grave. Mas para que grafá-la entre aspas? Pode-se encontrar o substantivo no Novo Aurélio (edição de 1999), por exemplo. O termo original, stagflation, é apresentado – para citar só uma fonte respeitável – no Random House Dictionary, edição de 1983.
Mas, se a palavra existisse apenas no jargão informal, sem registro em dicionários, ainda assim as aspas seriam uma excrescência. Palavras são adequadas ou inadequadas, sejam oficialmente reconhecidas ou ainda classificadas como gíria. Se traduzem a mensagem de forma correta e no tom desejado, vale a pena usá-las. Pedir desculpas por seu uso, isolando-as com aspas, é desqualificar a própria escolha e enfraquecer a linguagem. Quase todos os grandes jornais têm abusado desse recurso infeliz. Aspas são para citações.
Contabilidade criativa
Voltando à cobertura econômica: na semana encerrada em 20/6 o noticiário nacional foi dominado pela crise – os números muito ruins da produção, do emprego e da inflação, as dificuldades para arrumar as contas públicas e as consequências políticas dos vários desacertos.
Dia a dia os jornais se alternaram na liderança das informações. O Valor abriu a semana com dados parciais, muito ruins, da arrecadação de maio e – mais importante – a possibilidade de uma revisão da meta fiscal. Com receita fraca e dificuldades políticas para um aumento relevante de impostos, sobra a hipótese de uma redução do resultado prometido para o ano. A meta fixada para 2015 é um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, destinado ao pagamento de juros da dívida pública. O assunto reapareceu várias vezes nos dias seguintes, em todos os jornais.
Também foi destinado muito espaço à disputa sobre as normas de aposentadoria. A presidente Dilma Rousseff deveria vetar a mudança de critério aprovada pelo Congresso. Mas seria preciso ir além disso e apresentar uma proposta alternativa, para evitar o risco de uma derrubada do veto. A presidente vetou a alteração, manteve o fator previdenciário e propôs uma solução combinada. Todos anteciparam o lance e as coberturas só se diferenciaram, afinal, na explicação da fórmula apresentada pelo Executivo.
Durante a semana o Tribunal de Contas da União (TCU) quase pôs a presidente em xeque, por causa das pedaladas fiscais de 2014. Pedaladas foram muitas, nos últimos anos, mas no ano passado houve fatos especialmente graves. Bancos oficiais dependem de recursos do Tesouro para certos programas. No ano passado houve atraso de algumas transferências, mas os pagamentos bancários foram feitos assim mesmo.
Segundo o relator das contas, os bancos oficiais financiaram o governo. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal isso é crime. Houve, naturalmente, alguns dias de suspense. Mas, antes de rejeitar as contas, os ministros do TCU decidiram dar um mês para a presidente se explicar. O ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, famoso pela contabilidade criativa no primeiro mandato da presidente, manifestou-se para assumir a responsabilidade. O TCU pode simplesmente desconsiderar essa iniciativa, mas o lance mostra a gravidade política do problema. Todos os jornais anteciparam, na quarta-feira (17), a concessão de prazo para as explicações da presidente.
E as empresas?
Crise econômica e crise política voltaram a se misturar no fim da semana, com a prisão dos presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez em nova etapa da Operação Lava Jato. “Planalto e PT vem o cerco se fechando”, noticiou o Estadão na página 4 da edição de sábado (20), O detalhe mais picante foi publicado em destaque: “Em mensagens, Lula era o ‘Brahma’”. Mas o ex-presidente, ressalvou a notícia, estava fora da investigação.
O governo anunciou recentemente um amplo programa – lista de intenções, segundo alguns jornais – de obras de infraestrutura. As maiores empreiteiras estão implicadas nas investigações da Lava Jato. Poderão participar das licitações? Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seria abuso barrar as empresas investigadas. A intervenção do ministro foi manchete do Estadão e do Globo.
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Rolf Kuntz é jornalista