Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O juiz dos Maiorana

O juiz Antonio Carlos de Almeida Campelo, da 4ª Vara Criminal da Justiça Federal de Belém, rejeitou a denúncia apresentada em 2013 pelo Ministério Público Federal contra o empresário Romulo Maiorana Júnior, principal executivo do grupo Liberal, afiliado à Rede Globo no Pará. Como proprietário da ORM Air Táxi Aéreo, ele foi acusado de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional e pela sonegação de pelo menos 683 mil reais em impostos.

Ao recorrer da decisão do juiz, os seis procuradores da República, que funcionavam então no MPF da capital paraense, observaram: “Chega a preocupar o argumento trazido pela decisão recorrida, já que a sua leitura transmite a clara noção de que não foram manuseados, lidos ou considerados quer os termos da denúncia, quer, especialmente, os 9 volumes e suas 1621 páginas que acompanharam o inquérito policial”.

Em linguagem mais direta: o juiz decidiu sem considerar o recurso e sem ler os autos do volumoso e bem documentado processo. Sua sentença foi tão preconcebida e tendenciosa que a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, revogou-a em decisão unânime, determinando o prosseguimento do processo criminal, que o juiz queria sustar.

O juiz Campelo podia ter se poupado de mais esse desgaste se adotasse a providência salutar de não mais funcionar em processos envolvendo os Maiorana, beneficiados por outras decisões, principalmente depois que o jornal da família noticiou tanto sua possível candidatura ao cargo de secretário de Segurança Pública no novo mandato do governador Simão Jatene que parecia patrociná-la.

O Liberal publicou várias vezes, como balão de ensaio, que o juiz fora convidado por Jatene, aceitara o convite e apenas esperava pela liberação do CNJ. O jornal pretendia se credenciar a tratamento especial por parte do quase-secretário. Tratamento, aliás, que ele já dispensara a Romulo Júnior, quando, em 2011, ele foi depor, como réu, na 4ª vara, acusado de fraude para obter recursos dos incentivos fiscais da Sudam.

Se o patrocínio tivesse vingado, havia ainda outro inconveniente: Campelo passaria a ser chefe da sua atual esposa. Ela concluíra o curso de formação de delegada de polícia. Pela praxe, devia ser designada para um posto no interior do Estado, onde o policial inicia a sua carreira, como outros servidores públicos.

Conforme era previsto, o Conselho Nacional de Justiça não autorizou o juiz a se licenciar para integrar o secretariado. Somente na véspera do anúncio de outro nome para o cargo, o do general Jeannot Jansen, é que O Liberal deixou de declarar como certa a nomeação do juiz.

Escrevi na época: “Seria um inédito e mau exemplo, caso o CNJ permitisse que um juiz, ao qual a constituição confere prerrogativas excepcionais no serviço público para exercer sua função com independência e autonomia, se tornasse um subordinado do chefe de outro poder, o executivo, demissível a qualquer momento, por exercer cargo de confiança. Assumir um cargo desses impediria o juiz de retornar ao judiciário, pela perda da sua condição de imparcialidade, mesmo que apenas em tese”.

Pergunta espera resposta

Outro dos episódios de benefício aos Maiorana aconteceu em fevereiro de 2011, quando o juiz me intimou a não publicar qualquer notícia sobre o envolvimento de quatro pessoas, dentre elas Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, em fraudes contra a Sudam, sob pena de “prisão em flagrante, processo criminal e multa de R$ 200 mil”.

Os dois empresários e mais dois empregados respondiam a processo por crimes contra o sistema financeiro nacional no valor de 3,3 milhões de reais, não corrigido.

Para tentar justificar a censura que me impunha, flagrantemente inconstitucional, o juiz estabeleceu segredo de justiça, embora a ação, proposta pelo Ministério Público Federal, fosse incondicionalmente pública. Na verdade, Campelo reagiu a uma matéria, publicada poucos dias antes neste jornal, detalhando a audiência realizada com um dos réus, Ronaldo Maiorana, na sala do juiz. Nessa ocasião, o processo tramitava sem qualquer condicionante.

No trecho que mais deve ter desagrado ao juiz, informei que as perguntas que ele fez a Ronaldo “foram genéricas e não se relacionavam diretamente com os fatos imputados. Ele se interessou por questões como saber quantos empregos o empreendimento gera e se o réu possui outras empresas”.

E mais:

“O tom da audiência foi tão cordial que no início da sessão o magistrado perguntou ao réu se poderia chamá-lo de doutor. Ao final, se levantou para cumprimentá-lo e aos seus advogados. Essa afabilidade contrastou com os termos do despacho do juiz em 23 de setembro do ano passado [2010], quando, designando nova data para a audiência, ele escreveu que a instrução do processo ‘vem sendo postergada por razões diversas. A pedido dos réus’.”

“O retardamento tem um objetivo claro: protelar o andamento do processo, recebido pelo juiz em agosto de 2008, a partir de denúncia do Ministério Público Federal, depois de oito anos de apuração, para que o crime prescreva e seus autores permaneçam impunes. É o que a Justiça precisa evitar que aconteça. Este é o seu papel, não o contrário”, dizia ainda a minha matéria no Jornal Pessoal.

De uma só vez, o juiz decretou sigilo de justiça e, por sua própria iniciativa, sem ser provocado por ninguém, mandou me intimar, embora eu não fosse parte na demanda, e violando a proteção constitucional à liberdade de imprensa, que não admite censura prévia.

A primeira decisão, de 22 de fevereiro, foi, literalmente, a seguinte:

“Tendo em vista a notícia publicada no Jornal Pessoal (Fevereiro de 2011, 1ª Quinzena, pág. 5) e a decisão de fls. 1961 dos autos, na qual decretou o sigilo do procedimento deste feito, oficie-se ao editor do referido jornal com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais).

O ofício deve ser entregue em mãos com cópia deste despacho”.

Três dias depois o juiz revogou a decisão, com o seguinte despacho:

“Chamo o feito à ordem.

“Considerando que os atos judiciais, em regra, devem ser públicos e ainda que deve ser respeitado o direito à informação, REVOGO, em parte, a decisão de fl. 1.961, de 02/02/11, pelo qual determinou que o processo em epígrafe corresse sob sigilo de justiça, para MANTER o sigilo tão-somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos.

“Por consequência, REVOGO o despacho de fl. 1.970, de 22/02/11, que proibiu publicação de notícia a respeito do processo, com a ressalva do parágrafo anterior”.

Quem age assim tem a isenção necessária para ser julgador? É a pergunta que o juiz precisa responder, por iniciativa própria ou devidamente provocado.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)