Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a curiosidade é o de menos

Consultas feitas por este observador, nos últimos dias, a um número significativo de analistas financeiros atuando em alguns dos maiores bancos privados brasileiros e em pelo menos uma expressiva instituição dedicada à administração de fortunas, além de alguns gestores independentes de fundos de investimento, indicam que o noticiário da imprensa sobre a política nacional representa, no máximo, 5% dos fatores que são levados em consideração na formulação de estratégias sugeridas aos investidores.

A maior parte das informações consideradas relevantes se origina nas decisões econômicas dos Estados Unidos, Europa, Japão e China, ao lado de indicadores específicos como preço do petróleo e de alguns produtos agrícolas no mercado internacional, valor comparativo das principais moedas, mudanças na legislação nacional, eventos climáticos importantes e conflitos potenciais em regiões cuja produção possa afetar algum setor relevante dos negócios.

Assuntos ultimamente tão caros à nossa imprensa, como a eventual dificuldade do governo brasileiro em recompor sua base de apoio no Congresso, diatribes de líderes políticos regionais e detalhes não-conclusivos sobre possíveis alianças com vistas às eleições de 2006 compõem neste momento uma parcela ínfima desse rol de influências.

A eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) à presidência da Câmara, em fevereiro, e a sucessão de declarações que, desde então, o transformaram em estrela predileta da maioria dos jornais brasileiros e revistas semanais, tem sido motivo, no máximo, de mera curiosidade de analistas que influenciam o mercado.

Para a elite

Por outro lado, há na direção dos grandes jornais brasileiros uma grande preocupação em aumentar sua presença nas preferências do leitor de alta renda, formador de opinião, responsável pela movimentação da riqueza nacional e, portanto, cliente dos estrategistas a serviço de bancos, corretoras e administradoras de valores.

O aumento do número de páginas dedicadas à temática econômica e o lançamento de edições especiais, cadernos e encartes sobre o universo dos investimentos são indicadores dessa estratégia, plenamente justificada por pesquisas que mostram o crescimento da disponibilidade de anúncios voltados para esse público.

Recorde-se, a propósito, a recente entrevista concedida a este Observatório pelo jornalista Ruy Mesquita, diretor responsável do Estado de S. Paulo [remissão abaixo], no qual ele afirma que jornal nunca foi mídia de massa.

No entanto, há uma clara dicotomia entre o que se lê nos cadernos de jornais e nas páginas internas das revistas semanais de informações, e as manchetes e capas dessas publicações. Uma frase de efeito de Severino parece produzir mais adrenalina nos editores do que uma decisão do Banco Central americano que pode afetar o curso do dinheiro no mundo.

O economista-chefe de um importante banco chegou a comentar, semana passada, que os jornais brasileiros conseguem a proeza de encontrar significados relevantes em frases desconexas do presidente da Câmara, quando lhes interessa. O executivo comparou um trecho de entrevista concedida por Severino Cavalcanti a uma emissora de rádio com a versão publicada pelos grandes jornais. Confessou que não tinha entendido absolutamente nada do que havia declarado o folclórico deputado pernambucano ao ouvi-lo no rádio, e se surpreendeu ao ler as manchetes do dia seguinte.

‘Ou os repórteres dos jornais são muito mais inteligentes, ou acontece depois um belo trabalho de edição para tornar inteligíveis as frases do presidente da Câmara’, observou.

Foi assim nos últimos dias, com o instigante Severino aproveitando a credibilidade que lhe confere a imprensa para pedir, sucessivamente, a demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, do ministro da Previdência, Romero Jucá, e do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken.

Outro peso, outra medida

Outro analista financeiro, de olho no preço futuro do petróleo e no desempenho da agroindústria nacional, voltou sua atenção para o noticiário a respeito do encontro de dirigentes de países árabes e latino-americanos, realizado semana passada em Brasília.

Algumas de suas conclusões: no Brasil, o evento foi tratado por praticamente toda a imprensa – com a exceção de um ou outro articulista – como uma rematada perda de tempo, na versão mais generosa, ou como uma inócua tentativa do presidente da República de se fazer importante. Detalhes que o tal analista considera menos relevantes, como o chilique do presidente argentino Néstor Kirschner, mereceram mais destaque do que algumas negociações que, na sua opinião, podem abrir perspectivas de futuros negócios com países do Oriente Médio e da África.

Enquanto isso, ele observou que quase 100% da imprensa dos países árabes – cujo noticiário está disponível em inglês na internet –, como as agências al-Jazira e ArabicNews, os jornais Palestine Chronicle e Qatar Post, além de redes internacionais como a BBC, deram outro peso ao encontro, destacando seu ineditismo e esclarecendo o leque de interesses dos países árabes nas relações comerciais e políticas com a América Latina.

Interesse do leitor

Para muitos leitores imersos na especificidade de seus negócios, deve ser difícil entender os critérios dos editores. Se, por um lado, é fundamental que as decisões editoriais sejam mantidas à distância dos interesses comerciais das empresas jornalísticas, também é verdade que todo órgão de imprensa precisa fazer escolhas coerentes com o que se convenciona como o interesse de seus públicos preferenciais.

Para muitos leitores qualificados, boa parte das escolhas de edição vai perdendo relevância na medida em que aquilo que é publicado contribui pouco ou nada para a formação de opiniões ou para a orientação de decisões importantes na rotina pessoal ou nas práticas profissionais.

Sem essa percepção de utilidade, fica difícil preservar na carteira de assinantes o público que atrai mais anúncios. Nem o mais criativo dos fazedores de manchete consegue substituir com frases de efeito a falta de correlação do noticiário com os aspectos da realidade que interessam ao leitor.

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Jornalista