Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O que a Conferência Nacional de Comunicação tem a ver com a educação?

Neste texto quero apresentar as representações de educação presentes nos debates para a instalação do Plano Nacional de Comunicação, por meio da minha própria experiência como delegado na 1º (e até agora única) Conferência Nacional de Comunicação (Confecom [o encontro nacional da Confecom foi realizado de 14 a 17 de dezembro de 2009 no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília/DF. A Conferência Nacional foi convocada pelo governo federal, coordenada pelo Ministério das Comunicações, e contou com a participação de representantes do poder público, da sociedade civil e da sociedade civil empresarial. O objetivo geral de todas as etapas anunciadas pelos organizadores da Conferência foi a elaboração de propostas orientadoras para a formulação de um “espaço para o debate amplo, democrático e plural com a finalidade de elaborar propostas orientadoras para uma Política Nacional de Comunicação” (ver aqui o documento completo com as mais de 6 mil propostas apresentadas nas etapas estaduais e distrital da Confecom)]). Pretendo mostrar como a força do discurso educacional aparece nas propostas eleitas durante a Conferência e, por fim, o quanto é necessário que a sociedade civil continue atenta a esse debate.

Pode-se dizer que já existe entre os profissionais e pesquisadores da educação, um sério consenso acerca de temas que interessam ao campo educacional brasileiro que são atravessados por muitos fatores que merecem ser abordados a fim de se documentar, divulgar e tornar acessível a todos os interessados e todas as interessadas o cenário, os debates e as propostas referentes a questões que de alguma forma englobam, envolvem e/ou se desenvolvem em âmbito educacional e comunicacional ou vice-versa.

Na minha experiência como representante eleito (pela sociedade civil não-empresarial) para a Confecom pude perceber nos debates e discussões acerca da comunicação, uma forte presença de pautas referentes à educação. Dentre estas, destaco as ideias democráticas construídas amplamente pela sociedade civil que se baseiam no conceito de inclusão e universalização da comunicação (ver aqui). Porém, considero a necessidade de se prestar atenção também às propostas elaboradas para a Conferência do setor empresarial, tendo em vista que estas estavam ancoradas em temáticas educacionais, geralmente atreladas a ideia da escolarização por meio da difusão do discurso da modernização do seu aparato técnico-científico. No entanto, sem discutir o mérito e as limitações de tal modernização que ideologicamente pretendia sugestionar os debates, dando a entender que para a comunicação ser eficaz à educação, precisava primeiramente ajudar os escolares a internalizar novas habilidades técnicas e científicas.

Propostas convergem com questões educacionais

De acordo com os números informados pelos organizadores da Confecom, participaram da Conferência 1.800 delegados, indicados nas etapas estaduais preparatórias, representando organizações da sociedade civil empresarial (40% do total), da sociedade civil não-empresarial (40%) e das três esferas da administração pública (20%). Dos debates ocorridos em Brasília resultaram 633 propostas e/ou diretrizes aprovadas, sendo que destas, 62 correspondem a temáticas que convergem com a pauta de questões educacionais para o país. Entendo por convergência a capacidade das ideias ocuparem e se estabelecerem em mais de um espaço ao mesmo tempo, isto é, no caso específico, em âmbito educacional e comunicacional.

A temática central da Conferência foi a “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”. A apresentação das propostas, bem como a organização dos resultados, foi pretendida em três eixos temáticos: 1 – Produção de conteúdo; 2 – Meios de distribuição; 3 – Cidadania: direitos e deveres. Nos três eixos localizei ideias que explicitamente e/ou implicitamente se ancoravam em medidas e/ou princípios educacionais.

Tais propostas podem ser visualizadas por meio da tabela que organizei e coloquei abaixo com o número de cada uma das 62 propostas aprovadas na Confecom e que, na minha opinião, convergem com a pauta de questões educacionais que aparecem e repercutem nos principais debates organizados nos municípios, estados e no país.

 

Tabela organizada em ordem crescente pelo número de cada proposta aprovada na Confecom que cita ou apresenta relação com a educação [os textos na íntegra de cada uma das propostas podem ser consultados no Caderno da Confecom que pode ser acessado no endereço: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/comunicacao/caderno-propostas-1a-confecom]

1 148 160 162 221 227 228 229 234 237
246 250 268 272 278 283 294 312 315 318
324 356 382 396 398 441 450 456 461 467
474 492 506 521 542 552 566 591 596 603
607 616 622 624 625 626 630 642 651 652
657 658 659 661 673 679 697 710 771 777
863 872

 

Mudanças significativas são possíveis

Das propostas elencadas acima destaco a 324, a 382 e a 603 que pretendem que se crie uma diretriz nacional para que os filmes produzidos com recursos públicos sejam exibidos em projetos sociais e culturais gratuitamente, bem como nas escolas da rede pública e privada [acredito que toda expressão artística e cultural (projetos de musicais, de teatro, dança, bem como as exposições artísticas etc.) financiadas pelo poder público também deveriam ter acesso garantido gratuitamente]. Tais propostas da sociedade civil parecem caminhar ao encontro, por exemplo, de projetos como os da área de Educação e Cinema preconizada pelo Programa de Especialização Lato Sensu em Docência na Educação Básica da UFMG que pretende introduzir uma reflexão sobre a importância educativa do cinema na formação do gosto e da sensibilidade dos professores, propondo a inserção efetiva do cinema no cotidiano das atividades profissionais e práticas culturais dos educadores.

Outra proposta de aperfeiçoamento e especialização para os professores é a 278 que aborda a necessidade de um financiamento público para a criação de programas envolvendo universidades, centros de pesquisa, organizações da sociedade civil visando à formação de educadores para que o corpo docente das escolas possa aprender a trabalhar de maneira transversal os conteúdos escolares através das diversas mídias. Em consonância com essa proposta, a 456, a 492, a 616, a 642 e a 651 pretendem que se inclua, para os educadores, uma formação específica para a educação dos escolares na comunicação, isto é, um curso de aperfeiçoamento para que os docentes possam ministrar aulas de “leitura crítica da mídia” aos alunos.

As propostas 1, 221, 228, 234, 237, 268, 294, 591, 624, 659 e 697 pretendem garantir que todas as escolas tenham laboratórios de informática modernos, equipados com softwares livres e tecnologias de internet banda larga que permitam o acesso de toda a comunidade escolar a formação digital. A intenção da proposta 227 é a implantação de uma política nacional que garanta um computador portátil para cada aluno da rede pública e/ou de baixa renda. A 272 se dispõe a incentivar a produção cultural nas escolas em todos os ciclos e a 312 visa à produção de jornais educativos de textos e desenhos elaborados pelos alunos.

As propostas da sociedade civil para a Confecom que se encontram em convergência com as questões educacionais são importantes porque abrem espaços para um profundo debate que precisa ser continuado dentro do campo educacional brasileiro. No entanto, é preciso atenção máxima, pois o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação vem continuamente sendo capturados para a retroalimentação do modelo educacional que se baseia, principalmente, no fortalecimento da ideologia da modernização estimulada por setores da sociedade que pregam firmemente o poder redentor da tecnologia para a reprodução do conhecimento e para a resolução de todos os problemas.

As preocupações com os espaços, discursos, debates que envolvem as ideias e representações da educação estão aflorados e possibilitam mudanças significativas no que está posto como uma única estrutura educacional pronta e finalizada. A atenção ao que está ocorrendo nestes primeiros 15 anos de século 21 pode ser fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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Marlos Bezerra de Mello é jornalista e psicólogo