Apesar de só ter ganhado destaque há pouco tempo, a intolerância religiosa não é exatamente uma novidade para quem conhece a história das religiões de matrizes africanas no Brasil – apesar dos casos parecerem isolados, essa é uma prática comum que já foi até legitimada pelo Estado brasileiro. Em épocas coloniais, o sincretismo religioso foi a maneira encontrada pelos negros escravizados, durante a diáspora africana, para cultuarem a sua religião ancestral. Na década de 1940, a famosa Iyalorixá baiana, Mãe Menininha do Gantois teve duas passagens registradas na polícia acusada de praticar candomblé.
O Brasil, mesmo sendo um Estado laico, com direito à liberdade de credo assegurada pela Constituição, contabiliza inúmeros casos de terreiros de candomblé e umbanda destruídos por manifestações de ódio religioso. Esse tipo de ataque, na maioria das vezes, é associado aos fiéis das igrejas evangélicas, que têm por costume desqualificar os cultos de matrizes africanas, taxando-os como adoradores do diabo. Na Idade Média, a Igreja Católica apostólica romana condenava à fogueira da inquisição aqueles que eram considerados hereges. Max Weber, em A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, se propõe a explicar o ascetismo do cristão protestante fazendo uma correlação ao sistema capitalista.
Por aqui insistimos em dizer que somos um povo cordial, que o racismo é uma alucinação persecutória de negros em busca de reparação histórica. Vivemos o mito da igualdade através um discurso homogeneizante que nos paralisa e nos impede de entrar em contato com as nossas falências sociais. Estamos o tempo inteiro tapando as nossas carências e principalmente a limitação existente em aceitarmos as diferenças que nos compõem.
A intolerância dos parlamentares
A mídia tem noticiado casos de intolerância religiosa. No dia 14/06, uma menina de 11 anos, junto com seus parentes e irmãos de santo, foi apedrejada quando ia para um terreiro de candomblé na Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Na Zona Norte da cidade, o Morro do Amor, localizado no bairro do Lins, traficantes frequentadores de igrejas evangélicas não toleravam os adeptos das religiões de origem africana, tendo expulsado do local uma moradora que era mãe-de-santo.
Vivemos uma época que a sociedade está cercada por um discurso moralizante, onde o conservadorismo tem aparecido recorrentemente, fundamentando o discurso segregacionista amparado pelo Estado brasileiro. Como se explica em um Estado laico a concessão pública dos sinais de radiodifusão pertencer a líderes religiosos, as duas casas parlamentares com bancadas religiosas que realizam ato de protesto, dentro da Câmara dos Deputados, com cartazes e orações contra Parada Gay, Marcha das Vadias e Marcha contra Maconha? Quando a intolerância é praticada pelos representantes políticos, eleitos pelo povo de forma democrática, mas com o nítido intuito de fragmentar a nação, sem qualquer intervenção do judiciário ou mobilização social, acaba se tornando um ato legítimo.
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Thiago Corrêa Silva é jornalista