Duas mulheres e um bebê foram sequestrados na noite do sábado (20/6) que antecedeu o São João, na capital paraibana. Após serem levados até Goiana, na Zona da Mata Norte, em Pernambuco, as mulheres foram espancadas e estupradas. Em seguida os criminosos usaram o carro da vítima para atropelar as duas, uma delas não resistiu. O bebê foi largado no relento. Mãe e filho sobreviveram.
A partir daí começou a corrida pela divulgação equivocada de parte da imprensa paraibana. Se a vítima que sobreviveu queria preservar sua identidade, coitada, não deu tempo nem se recuperar. Há quem diga que ela se fingiu de morta para sobreviver. No Nordeste, são comuns os casos em que assassinos vão aos hospitais para terminar “o serviço”.
Sedentos de sangue, os irresponsáveis divulgaram o nome da vítima, nome dos familiares, onde trabalha e hospital onde foi atendida. Precisava disso? Parece que o jornalismo policial perdeu a noção da relação entre privacidade e interesse público. Não se tratava de um político, artista, enfim, uma figura pública. A notícia se limita ao fato, o resto é universo privado.
Ainda com o assunto em alta e logo depois da devassa na vida da mulher violentada surgiram os novos paladinos da justiça, que mais se parecem embaixadores da barbárie. Observem no discurso destes que entre as declarações mais cretinas sempre encaixam algo na linha “direitos humanos para humanos direitos”.
Ampla defesa e tribunal isento
O pior de tudo é que de uma forma ou de outra são formadores de opinião para uma parte da população que consome os programas com muito sangue e pouco jornalismo. E são eles mesmos, jornalistas, que por falta de informação desconstroem o trabalho dos que defendem os direitos humanos. Também me senti indignado com o crime. Não há nada que justifique tamanha maldade. E é justamente nesse momento de revolta que os direitos humanos devem ser evocados. Torcer para que também sejam torturados e espancados é vibrar com o retrocesso da nossa própria humanidade.
Em Toulouse, no Sul da França, Jean Calas foi condenado à pena de morte injustamente porque ele e sua família eram protestantes. O filho havia se matado, mas como suicídio era crime – o corpo não poderia ser enterrado – a família alegou assassinato, e a Polícia acusou o pai de ter matado o filho para supostamente impedir que ele se tornasse católico. O caso aconteceu em 1762.
Mais de 250 anos depois os franceses não falam em retomar a pena de morte. Os carniceiros da imprensa brasileira pedem isso, redução da maioridade penal, porte de arma para o “cidadão de bem” e tantos outros retrocessos.
Direitos humanos não servem para defender bandidos, como os incautos apregoam. São para todos os humanos, para evitar que injustiças sejam cometidas, que trabalhadores como Amarildo sejam mortos. Além da ação na rua, quantos erros de julgamento no Brasil não poderiam ter acabado em mortes? Ampla defesa e um tribunal isento são prerrogativas de todos na sociedade.
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Felipe Gesteira é jornalista