Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cimi processa o Estado

No dia 8 de maio, o jornal O Estado de S. Paulo publicou matérias com os títulos ‘Uma crise no horizonte de Roraima’ e ‘ONGs são fachadas para países ricos, diz relatório’, nas quais acusa ONGs e a Funai de estarem a serviço de ‘grupos e países interessados nas riquezas minerais das reservas indígenas localizadas na fronteira norte do pais’. Segundo o jornal, a demarcação das terras indígenas seria parte de uma estratégia de dominação dos ‘países hegemônicos’.


As matérias teriam sido baseadas em um relatório secreto, produzido pelo coronel Gelio Augusto Barbosa Fregapani, chefe do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM), lotado na Agência Brasileira de Informação (Abin), em Brasília.


No final da segunda matéria, o jornal, sempre se baseando no relatório da Abin, afirma que o Cimi ‘teria recebido, entre 1992 e 1994, US$ 85 milhões da Fundação Nacional para a Democracia, dos Estados Unidos, mantida pelo governo e dirigida pelo Congresso americano’.


O Cimi vem a público informar que está tomando as providências legais cabíveis para responsabilizar judicialmente o jornal O Estado de S. Paulo pelas acusações publicadas, e a União, pelas inverdades que, segundo o jornal, constam no relatório da Abin.


Além de acusar o Cimi – e outras organizações não-governamentais – sem comprovações sobre o que foi publicado, o jornal desrespeita um dos princípios básicos do jornalismo, pois em nenhum momento ouviu as entidades que cita.


As acusações e falsidades arroladas na matéria são velhas conhecidas do Cimi, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e dos indigenistas brasileiros. Durante o processo Constituinte, em 1987, as mesmas acusações foram publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo, em ‘reportagens’ sobre a suposta atuação de missões religiosas como fachada de interesses de mineradoras estrangeiras. Após seis dias publicando matérias que acusavam diretamente o Cimi, o jornal O Estado de S. Paulo foi obrigado a publicar o direito de resposta da entidade. A repercussão das denúncias terminou por instaurar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) cujo relator, senador Ronan Tito, comprovou a falsidade das acusações.


As acusações repetiram-se após a homologação do Território Ianomâmi, no mesmo estado de Roraima, nos anos 90, e periodicamente voltavam a ocupar páginas da mídia e os discursos de parlamentares anti-indígenas no Congresso Nacional, sob a forma de ‘denúncia’ da ‘internacionalização da Amazônia’.


As ‘análises’, ‘relatórios’ e ‘reportagens’ produzidas de tempos em tempos com as mesmas acusações beberam sempre da mesma fonte: textos de um senhor chamado Lorenzo Carrasco, no livro A máfia verde, e de Lyndon LaRouche, que chegam a acusar a Coroa Britânica de estar por trás, como estrategista e financiadora, dos movimentos indigenista e ambientalista. Ambos os autores são conhecidos no meio político internacional por suas posições de extrema-direita e, inclusive, de cunho fascista.


Estas mesmas acusações foram feitas pelos políticos anti-indígenas de Roraima e pelos invasores da terra indígena Raposa Serra do Sol, em especial pelo prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartieiro que, com tratores e jagunços armados, atacou malocas indígenas em novembro de 2004 e deixou, além de casas e objetos dos índios destroçados, suásticas pintadas no local.


Fecha-se o ciclo: textos de obscuros autores anti-indígenas alimentam a atitude violenta de invasores de territórios; com estes, inspiram relatórios de ‘inteligência militar’, e estes, a jornais conservadores, como é o caso de O Estado de S. Paulo. E este jornal vem ‘noticiar’ uma iminente ‘crise de fundo entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva e as Forças Armadas’.


Talvez, mais do que uma notícia forjada, a ‘reportagem’ seja um desejo manifesto de um órgão informativo ligado ao latifúndio e aos setores mais atrasados da sociedade brasileira. É de lamentar que um organismo de Estado como a Abin participe de tal farsa, afinal, contra o próprio governo do qual faz parte.


Ao atacar, de forma irresponsável, o Cimi e os demais aliados da causa indígena, os funcionários da Abin e o jornal O Estado de S. Paulo têm como objetivo maior, mais uma vez, colocar sob suspeita os povos indígenas e violentar seus direitos constitucionais.


Conclamamos os setores esclarecidos e democráticos da sociedade brasileira a juntar forças e impedir que o obscurantismo, a intolerância e a manipulação grosseira da informação continuem vicejando nos meios de comunicação e em organismos estatais, pois o direito à liberdade e à verdade foram conquistados com muito sofrimento, luta e determinação pelo povo brasileiro. [Brasília, 16 de maio de 2005 – Conselho Indigenista Missionário, órgão anexo à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]

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Conselho Indigenista Missionário