Uma geração de jornalistas se formou, na segunda metade do século passado, com sua atenção direcionada para o número 1150 da Rua 15, em Washington, onde funciona a redação do jornal “The Washington Post”.
Foi ali, no início da década de 1970, que se desenrolou o núcleo da saga de Watergate, como se tornou conhecida a cobertura do incidente da invasão da sede do Partido Democrata na campanha presidencial americana de 1972 e seus desdobramentos, que levaram à renúncia do presidente Richard Nixon.
À glória do “Post” há 40 anos sucedeu-se, a partir da disseminação da internet, a deterioração financeira, que resultou na sua venda por uma ninharia (US$ 250 milhões), em 2013, ao magnata das novas mídias Jeff Bezos, criador e dono da Amazon.com.
O legendário edifício onde Bob Woodward, Carl Bernstein, Ben Bradlee e seus colegas se converteram em ídolos máximos da profissão, agora vai ser derrubado. Quando o jornal se mudar para outro endereço, Praça Franklin, 1, em meados de 2016, a empresa Clarck Construction porá abaixo a sede atual.
Houve um apelo para o patrimônio histórico de Washington tombar o prédio, mas a decisão foi de que a história a ser preservada não é arquitetônica mas jornalística, e esta não precisa de casa física para ser mantida. No lugar do jornal vai ser levantado um conjunto de edifícios para sediar a Fannie Mae, maior empresa de empréstimos imobiliários do país.
Muito menor do que era em seu período áureo, o “Post” vai ocupar só oito andares em duas torres do complexo chamado One Franklin Square, que fica cerca de duas quadras distante de onde está o jornal agora.
Na memória dos jornalistas, ficarão as imagens que viram no filme de Alan Pakula “Todos os Homens do Presidente”. A redação do “Post” era muito parecida com aquela que foi para as telas, mas esta era apenas uma réplica.
As filmagens começaram a ser feitas na redação verdadeira, mas a tarefa logo se comprovou impossível porque, segundo relato de Robert Redford (que fez o papel de Bob Woodward), os jornalistas do “Post” prestavam muita atenção às câmeras, alguns até tentando “bancar os atores”.
A produtora Warner Brothers resolveu então recriar a redação em seus estúdios em Burbank, Califórnia, a um custo estimado de 450 mil dólares da época (equivalente a cerca de um milhão s setecentos mil atualmente). Para dar máxima verossimilhança, foram encomendadas 200 escrivaninhas da mesma firma que havia vendido as do “Post” em 1971.
O jornal mandou para o estúdio material de papelaria original usado na redação, laudas e agendas autênticas, listas telefônicas de Washington, papel de telex e teletipo, tudo para garantir autenticidade aos cenários.
Até um tijolo do saguão de entrada do jornal foi cedido aos produtores para que a partir dele fossem feitas cópias em fibra de vidro para a montagem que veio a ser filmada. Quem esteve na verdadeira redação nos anos 1970 e 1980 sabe que a duplicação feita para o filme foi quase absolutamente perfeita.
Os atores que viveram Woodward, Bernstein e Bradlee (respectivamente Redford, Dustin Hoffman e Jason Robards) passaram meses na redação para observar a rotina e conversar extensivamente com os personagens reais que interpretaram e seus colegas.
O novo “Post”
Quanto ao “Post” atual, até que vai indo mais ou menos bem, apesar das previsões catastróficas feitas por muitos quando a família Graham finalmente se desfez dele após vinte anos de prejuízos crescentes.
Bezos, o novo proprietário, tem interferido pouco no trabalho dos seus jornalistas, quase todos mantidos após a venda. Ele tem investido no jornal, que contratou cem pessoas para a redação nestes dois anos. Bezos concentra suas atenções nos aspectos tecnológicos, financeiros e administrativos do negócio, que é um dos menos expressivos economicamente de seu portfolio.
A versão eletrônica do “Post” foi valorizada e tem obtido cerca de 50 milhões de visitantes únicos por mês. O jornal está realizando parcerias com centenas de outros diários do país (e brevemente do mundo) para troca de conteúdo, com o objetivo de ampliar geometricamente a audiência.
Há muita especulação de que em algum momento em breve Bezos vai incluir o jornal no cardápio da Amazon com a mesma intenção de dar escala ao negócio antes de começar a se preocupar com lucratividade. Por enquanto, a operação continua perdendo dinheiro, mas isso não parece preocupar o dono.
O jornal não está nem perto do prestígio, qualidade e influência que teve até a última década do século 20. Mas ao menos quem trabalha na redação diz sentir-se finalmente tranquilo, sem medo de perder o emprego a qualquer hora, como viviam até Bezos chegar e como ainda vive a maioria de seus colegas nos EUA. Já é um começo para tentar recuperar o terreno perdido.
A mudança de sede seguramente vai provocar uma nova onda de nostalgia entre todos os que gostam do “Post” pelo que ele representa. Mas, na prática, no mundo virtual de agora, fará muito pouca diferença para todos.