Na semana passada, tive com o editor-executivo do Núcleo Cotidiano, Érico Firmo, um debate interno sobre a chamada de capa da terça-feira passada, 14, que anunciava: “Transplantes – Falta de medicamentos reduz número de procedimentos no Ceará” (ver fac-símile). Sustentei no comentário direcionado à Redação que a matéria publicada na página 2, da Editoria Cotidiano, não continha elementos suficientes para cravar uma chamada com a certeza de que fora a falta de remédios que reduziu em 12,6% o total de procedimentos realizados este ano no Ceará.
Na matéria, uma fonte falava sobre a ausência de medicamentos; mas, especificamente, para o transplante de coração. O outro especialista ouvido no texto apontava a rejeição dos parentes visando à doação e a sobrecarga do serviço de saúde a causa da diminuição no número de cirurgias. O atendimento médico-hospitalar no Ceará realiza 10 tipos de transplantes diferentes e vem se destacando como um dos maiores centros do serviço ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS). O leitor que leu a chamada que dava como certo a falta de remédios ter reduzido o número de procedimentos no Estado foi buscar no texto o conteúdo. Encontrou que o problema detectado é um dos obstáculos. Torna-se apenas um deles, não o único como está na capa.
Em resposta, Érico Firmo discordou da avaliação e argumentou: “Houve falta de medicamentos, noticiada desde janeiro no O POVO e recapitulada naquela matéria, que impactou no número de transplantes. A falta foi generalizada, tal como o seu efeito. O objetivo da matéria foi observar o comportamento do número total de transplantes no semestre e constatou-se a redução. Das várias razões apontadas para a dificuldade em realizar transplantes, a única conjuntural que explica por que há menos transplantes hoje do que houve em 2014, foi a falta de medicamentos”.
Em jornalismo, as frases, as palavras precisam ser escolhidas de forma exata, com precisão. O conteúdo do título da notícia necessita constar no texto. Não pode ser somente uma aproximação ou baseada em matérias passadas, que servem para contextualização, dão suporte ao texto presente. No caso específico, a chamada generalizou a informação particular dos transplantes do coração para todos os tipos de procedimentos. Para sustentar a afirmação da capa, a matéria teria de aprofundar o assunto, ouvir outras fontes que confirmassem a informação, detalhar sobre o período da ausência de medicamentos e quantos órgãos deixaram de ser captados naqueles dias.
O Ceará vive uma crise na saúde, que ganhou foco este ano. Pode até ser que o motivo para a diminuição no número de procedimentos no primeiro semestre no Estado seja em consequência da falta de remédio. Mas, o leitor não encontrou esta informação no texto publicado na terça-feira. Portanto, naquele dia, era impossível dizer categoricamente que a falta de medicamentos reduziu o número de transplantes no Ceará.
DADO AUSENTE
O leitor tem ficado bem mais atento e exigente com as matérias publicadas no Portal O POVO Online. Na quarta-feira passada, por exemplo, recebi email questionando por qual motivo no texto “Assalto em academia no Cocó resulta em perseguição e troca de tiros” não era informado o nome da empresa. “Qual é o estabelecimento?”, questionou. Esta não é a primeira vez que escrevo neste espaço sobre a inexistência de dados relevantes, a partir de uma citação do leitor. Também o fiz no dia 28 de junho passado, com o título “Faltou informação básica”.
Citado para responder, o editor-adjunto do Portal O POVO Online, Thadeu Braga, explicou: “Na primeira versão da matéria sobre o assalto à academia na noite de segunda-feira, 13, não constava o nome do estabelecimento porque a fonte da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) não tinha certeza em relação a esta informação. Por zelo, optamos por publicar a matéria e omitir o dado. Atualizamos o texto no dia seguinte, com o nome correto”.
Voltar a telefonar para a fonte a fim de atualizar a matéria, com os dados que o leitor sentiu falta foi uma postura acertada. Completar o texto é um procedimento corriqueiro do jornalismo digital. Mas isto não isenta de ter cuidado com a apuração, um dos bens mais preciosos do jornalismo. Sei que é preciso ter cautela quando se coloca nomes de estabelecimentos em matérias de segurança. Eles, neste caso, são vítimas. Mas esta é uma informação básica. Por isso, o leitor tem razão em cobrar.