Nestes últimos dias, falou-se muito em Gay Talese, nos ensinamentos dos mestres da Esquire e da New Yorker, na necessidade de reportagens com apurações exaustivas, originais e com literariedade para competir com o mundo da internet. Mas parece que todo o espírito de renovação e criatividade morreu com o sucesso nas vendas dos livros deste ícone do new journalism.
Falou-se tanto em chapéus e ternos que até esqueceram personalidades como Nelson Rodrigues, David Nasser, Rubens Braga, Otto Maria Carpeaux, Fausto Wolff – sem nenhuma restrição ideológica.
Por outro lado, não só a imprensa como os intelectuais e formadores de opinião, em geral, estão como que mudos diante dos absurdos e agressões que ocorrem no Brasil ao espírito de democracia e civilização. Onde estão aqueles manifestos contra os desmandos em voga? Onde está a indignação com os representantes dos poderes da República declarando que as ‘corrupções’ menores devem ser toleradas? Onde está a reação da imprensa às contínuas acusações de fomentar irresponsavelmente crises no Senado, no Supremo e nos projetos da Presidência da República? Como a imprensa tolera passivamente este tratamento rasteiro?
Tempos de ‘apagão ético’
Nestes tempos de jornalismo ‘teoricamente’ literário, não custa nada falarmos um pouco do que já se fez neste país e nos seus jovens que buscavam criatividade e não se submetiam aos ditames de partidos políticos.
Sempre que pensamos na história de um jornalismo mais cultural e literário, as lembranças mais imediatas são algumas publicações dos anos 60 e 70, como a revista Senhor – onde escreviam Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Jorge Amado –, o tablóide O Pasquime o jornal literário Opinião. Outra publicação que marcou época foi a Revista Civilização Brasileira, editada por Ênio Silveira e tendo como colaboradores Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, M. Cavalcanti Proença, Otto Maria Carpeaux, Dias Gomes, Moacyr Felix e muitos outros – que nos perdoem as injustiças nas omissões das citações.
Infelizmente, essa revista foi esquecida e enterrada no tempo, deixando de trazer substância importante para os chamados ‘intelectuais’ que se calam hoje em dia, já que muitas das críticas feitas às violências praticadas no passado são atuais para os governantes de hoje. Nestes tempos de ‘apagão ético’ e desesperança em que vivemos, é importante olharmos o passado garimpando exemplos que nos animem em um movimento de resistência cultural.
Trecho do ‘Manifesto’
Neste sentido seria interessante retrocedermos alguns anos, quando na Zona da Mata mineira foi lançada, há mais de oitenta anos, uma revista literária que repercutiu em grandes centros como Rio e São Paulo, sensibilizando a sua intelectualidade com o idealismo de um grupo de jovens mineiros. Estamos falando da revista Verde, que significava mocidade, lançada em setembro de 1927, na cidade de Cataguases, por poetas e literatos que ecoavam da Semana de Arte Moderna de 1922, com suas irreverências criativas e a luta pela não acomodação da cultura. Este era grupo constituído por: Henrique de Resende, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Guilhermino César, Christophoro Fonte-Bôa, Martins Mendes, Oswaldo Abritta, Camillo Soares e Francisco Peixoto e lançou o ‘Manifesto do Grupo Verde de Cataguazes’, que transcrevemos, em parte, abaixo:
‘Resumindo
trabalhamos independentemente de qualquer outro grupo literário.
temos perfeitamente focalizada a linha divisória que nos separa dos demais modernistas brasileiros e estrangeiros.
nossos processos literários são perfeitamente definidos.
somos objectivistas, embora diversíssimos, um dos outros.
não temos ligação de espécie nenhuma com o estilo e modo literário de outras rodas.
queremos deixar bem frisado a nossa independência no sentido `escolástico´.
Não damos a mínima importância à crítica dos que não nos compreendem.
E é só isso.’
Uma pequena contribuição
Estes poetas e literatos, quase meninos – Rosário Fusco, por exemplo, tinha apenas dezessete anos –, conseguiram levar sua mensagem à intelectualidade desse tempo, em uma época sem internet, escrevendo muitas cartas e telegramas. Com o segundo número de Verde começaram chegar a esta cidadezinha da Zona da Mata artigos, notas, cartas, poemas e desenhos de Mário e Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Graça Aranha, Afonso Arinos de Melo Franco, Marques Rebelo, Tristão de Athayde, João Alphonsus, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e muitos outros.
Ribeiro Couto escrevia: ‘Nem Astolfo Dutra, que chegou à Presidência da Câmara dos Deputados, nem Astolfo de Resende, que se tornou um dos maiores jurisconsultos do país, ambos cataguasenses, conseguiram revelar Cataguases; só os meninos da Verde o fizeram. Mário de Andrade enviava cartas, bilhetes e telegramas com conselhos e descomposturas.’
Foram lançados apenas seis números da revista Verde: o primeiro em setembro de 1927 e o último em maio de 1929, dedicado a Ascânio Lopes, um dos grandes poetas do grupo, que morreu do ‘peito’ aos vinte e três anos de idade – e com ele morreu a Verde.
A revista Verde acabou, mas os seus ideais éticos e culturais foram levados a este Brasil afora pelos seus idealizadores que se tornaram professores, juízes, advogados e jornalistas.
‘Só as coisas efêmeras são belas. Verde foi bela porque efêmera. Soube viver e morrer’, depoimento de Graça Aranha a Henrique de Resende.
E aqui fica uma pequena contribuição aos nossos jovens para olharem o passado e se indignarem, como outras gerações o fizeram.
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Nota: Verde que te quero verde, da poesia Romance Sonâmbulo, de Federico Garcia Lorca.
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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ