A leitura deste último livro de Eugenio Bucci deveria ser compulsória para candidatos bem intencionados a postos de comando nos governos municipal, estadual e federal. Aqueles genuinamente bem intencionados terminarão a leitura tentados a fazer um voto: se eu for eleito não usarei comunicação pública, isto é, renunciarei à compra de espaços publicitários na mídia para promover os projetos e realizações do meu governo. Isto enquanto a propaganda de governo não for simplesmente proibida por lei.
Essa proibição existe nas democracias mais adiantadas do que a nossa. Na França, por exemplo, até as placas de obra são vedadas. Como fazem então os governos desses países para informar os cidadãos de suas atividades? Simples: em entrevistas coletivas convocadas regular ou extraordinariamente, os presidentes, os primeiro-ministros, os secretários, os responsáveis enfim por serviços e políticas públicas falam com os jornalistas, passam dados e informações, respondem a perguntas. Em seguida os jornais impressos, eletrônicos ou digitais se manifestam livremente, publicando as notícias em sua própria linguagem, dando-lhes a importância que, a critério de cada um, merecem. Nada de promoção pessoal, nada de sedução publicitária. Nada de gastar dinheiro público. E o cidadão tem o seu direito à informação plenamente satisfeito. A sociedade, a comunidade fica sabendo o que de fato ocorre.
Entre nós não é assim, pelo menos desde os tempos do “Ame-o ou Deixe-o” e as campanhas publicitárias da ditadura promovendo “O Brasil Grande”. A ditadura se foi e o vício ficou. Comprar espaço nos jornais e tempo nas rádios e televisões para anunciar mensagens patrióticas ou divulgar obviedades foi o jeito encontrado de passar dinheiro à mídia e assim assegurar seu valioso apoio ao governo… e a autoridades do governo. Virou rotina, governo após governo, os ministérios, as secretarias, as autarquias e as empresas públicas sempre dispõem de generosa dotação orçamentária para a realização da sua “comunicação social”, isto é, suas campanhas publicitárias, para cuja realização são chamadas e licitadas agências de propaganda comercial. É cômodo, é perfeitamente legal e o dinheiro público continua fluindo para os veículos de publicidade. A rotina já é tão antiga que estes já andam se esquecendo do “serviço” que era preciso prestar em troca desse faturamento. Há alguns anos o governo federal chegou a empatar com as Casas Bahia no posto de maior anunciante do país, embora os resultados colhidos fossem bem distintos: enquanto Casas Bahia vendia fogões e geladeiras aos montes, o cidadão mal se dava conta daquilo que o governo lhe queria comunicar, como, por exemplo, que “o Plano Nacional de Eletrificação Rural vai acender a luz na sua casa”.
Existe uma diferença básica entre comunicação pública e propaganda comercial. Esta se dirige ao consumidor e tem um objetivo certo que é vender, seja uma coisa, um serviço ou uma idéia. Já a comunicação pública se dirige ao cidadão para atender ao seu direito à informação. As linguagens e técnicas desses duas formas de informação são inteiramente distintas. Quando o governo emprega a sedução e a superficialidade publicitárias em anúncios para comunicar assuntos de interesse público e os divulga em espaços comercias comprados, comete um duplo erro de comunicação. E o resultado é também duplamente negativo: o cidadão não percebe esse comunicado vestido de anúncio e o dinheiro público é gasto à toa.
É impossivel, em apenas cinco parágrafos, mostrar ao leitor o escândalo que é essa prática rotineira, considerada legítima e democrática pelos governos de diversos matizes que tem se sucedido no comando dos nossos poderes executivos. Ao exercer o cargo de presidente da Radiobrás, agora Empresa Brasileira de Comunicação, Eugênio Bucci conheceu a exata medida desse escândalo tão desconhecido da maioria, tão revestido de legalidade. Ele está exposto com veemência no Estado de Narciso, despertando em todos nós a vontade de lutar por um impeachment desse poder maléfico.
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Carlos H. Knapp é escritor e ex-publicitário