Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escritor dá “chega pra lá” em repórter da VEJA

A jornalista da Veja Nathalia Watkins não fez no programa Roda Viva somente a pergunta inconveniente sobre a pobreza vista por ela em Cuba e que recebeu como resposta de Leonardo Padura que há mais pobreza em uma quadra de rua em São Paulo do que em toda a Cuba – vide link http://www.diariodocentrodomundo.com.br/escritor-cubano-leonardo-padura-da-enquadrada-em-reporter-revoltada-off-line-da-veja/. Ela passou o tempo exigindo do escritor uma postura mais contundente dele contra o regime cubano. Na cabeça deste tipo de gente só há espaço para o pensamento binário e eles piram quando alguém não corresponde a este figurino maniqueísta.

Pelo pouco que conheço de Leonardo Padura, embora seja um escritor progressista e democrático, ele não se encaixa no figurino de posar de campeão dos valores liberais, que traz muito dividendos promocionais. Alberto Dines captou bem esta faceta do “lobby midiático que prefere não glorificar um escritor com um perfil como o dele porque isso significaria admitir a possibilidade de Cuba permitir a existência de refinados intelectuais, de escritores humanistas, cosmopolitas” – vide link https://www.observatoriodaimprensa.com.br/armazem-literario/o-lobby-gosta-de-trotsky-mas-preferiu-esconder-padura/. Talvez a posição do escritor tenha a ver com sua avaliação pessoal de que, a despeito de tudo ele perceba, ao fim e ao cabo seu povo vive muito melhor do que no tempo de Fulgencio Batista. Aliás, se o Fulgencio Batista ou seu sucedâneo estivessem no poder ainda em Cuba, suponho que a jornalista da Veja iria lá e, com certeza, acharia tudo divino e maravilhoso.

Tudo nos conformes porque a despeito dele ter sido um ditador, era um aliado, e o fato da ilha, na época, se constituir em um antro de pobreza e corrupção, envolvendo máfia, cassinos e prostituição, não tinha a menor importância. Tudo muda de figura quando a ilha vira uma mancha demoníaca de socialismo na Latino América. Daí a coisa fica séria e faz-se imperativo ir de lupa para cima do regime cubano para descobrir a menor imperfeição, para escarafunchar nos mínimos detalhes a fim de encontrar e ampliar qualquer malfeito.

Apenas defendendo o “ganha pão”

Não que a ilha seja um mar de rosas, ao contrário. Problemas graves de direitos humanos existem e acredito que Leonardo Padura tem total consciência disso. O fato é que problemas iguais ou piores sobre a questão direitos humanos existem em outros países, como a Arábia Saudita hoje, como existiram nas ditaduras latino-americanas nos anos 60 e 70 e não há ou não houve nenhuma campanha difamatória, igual à feita contra Cuba, contra estes países. A diferença: são ou foram aliados políticos.

Destaque para a coordenação serena e equilibrada de Augusto Nunes e a atitude, para minha surpresa e acredito que para a de muitos, louvável de José Neumanne Filho, que não só não entrou no joguinho rasteiro e tosco da jornalista da Veja como demonstrou grande admiração e conhecimento da obra do escritor. Atitudes como estas devem ser registradas sob pena de incorrermos no mesmo maniqueísmo ideológico que costumamos criticar na direita. O jornalista da revista Época e o da Folha tentaram dar estocadas criticando uma suposta indiferença do cidadão Leonardo Padura quanto à questão que eles consideram importante – e nós também – que é a falta de liberdades democráticas. Porém, estes jornalistas foram menos explícitos e maniqueístas do que a colega da Veja. Suponho que apenas fizeram o dever de casa para dar satisfação ao patrão do modo mais discreto possível. Nada digno da maior crítica; afinal, estavam ali defendendo o seu “ganha pão”.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor