Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um filme de horror que ninguém quer assistir

Uma das primeiras apostas de Hollywood para levar mais gente aos cinemas foi um truque psicológico extremamente simples: pavor. Há mais de um século, tal como antes na literatura, as pessoas eram atraídas pelo que deveriam abominar e graças a esta contradição, surgiram os Frankenstein, os Drácula, médicos loucos, fantasmas, almas do outro mundo, lobisomens, monstros importados do passado, do fundo do mar, do espaço, do futuro.

No Brasil, talvez por força da infantilização das grandes audiências — para as quais o medo não tem charme — um filme de horror chamou a atenção de um dos mais importantes jornais do mundo sem , no entanto, provocar grande frisson aqui no Brasil, apesar de nosso protagonismo na película.

“Recessão e suborno: a crescente podridão no Brasil” foi o título do editorial desta quinta-feira no secular “Financial Times”, o jornal cor-de-salmão que raramente pisa em falso quando dá opinião (sobre música, vinho, política, ou macroeconomia), e, por isso adquirido no mesmo dia por mais de quatro bilhões de reais pelos japoneses da Nikkei.

“Incompetência, arrogância e corrupção tiraram do Brasil seu encanto mágico…Não é de admirar que o país hoje seja comparado a um infindável filme de horror”, afirma o FT.

Que o governo não reagisse ou reagisse no estilo inglês – glacialmente – era o esperado. Designado para responder, Jacques Wagner, ministro da Defesa, contestou com o argumento de veterano cinéfilo: “ não é filme de horror mas de superação”. A surpresa veio da repercussão – quase nenhuma. Por solidariedade e/ou despeito, nossa mídia enfiou a viola no saco e saiu de fininho. Para não ser denunciada como alarmista ou golpista, talvez por sentir-se absolutamente desamparada diante de uma crise tão disseminada e ameaçadora, a verdade é que a retórica e o racionalismo anglo-saxônico se impuseram aos floreios da prosa neolatina.

Incompetência e arrogância

Ao associar de forma direta, impiedosa, o fenômeno macroeconômico da recessão à esfera criminal onde se encaixa o suborno, o jornal escancara a natureza da nossa desgraça. Para não deixar dúvidas quanto a gravidade do que está sendo investigado, adiciona dois penosos ingredientes raramente utilizados nas avaliações sobre o que aconteceu na Petrobrás: incompetência e arrogância.

Para coroar, o diagnóstico, o arrasador substantivo – podridão – que nos remete a Shakespeare e ao inconformado Hamlet, ao reconhecer que “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Na injusta metáfora, o Bardo não se referia apenas ao casal regicida (mãe e padrasto de Hamlet), mas à sociedade desmoralizada, corrompida, desprovida de senso moral que permitiu a consumação e a ocultação do crime.

Entende-se porque o editorial não foi transcrito e traduzido na íntegra em nossa imprensa: por pudor e autoestima. No “Valor”, de sexta-feira (24/7), nenhuma referência foi feita ao atroz editorial do FT, no texto de uma página inteira sobre a aquisição do jornal britânico pelo grupo nipônico. Passou despercebido? Claro que não: “Folha”, dona de 50% do “Valor” também não publicou uma única linha.

Em compensação, o Grupo Globo”, dono dos restantes 50%, publicou uma chamada na capa e um razoável comentário na pagina 3. Será que os acionistas conseguirão entender-se e permitir que o jornal não brigue com o noticiário ?

Verdadeira bomba arrasa-quarteirão espalha estilhaços, fere a todos que, mesmo de longe, percebem o enredo. O interminável filme de horror do qual somos personagens e espectadores, ao contrário do que apregoam os mestres no gênero, parece condenado ao insucesso. Ninguém faz questão de vê-lo, o desfecho ainda demora. Nossas plateias são impacientes, se resignam às longas e artificiosas telenovelas, mas quando se trata de crises exigem soluções imediatas, no atual mandato.