A revista Piauí, em sua edição 106,de julho deste ano (pg.7) informa que o WikiLeaks está oferecendo uma recompensa de 100 mil dólares (cerca de R$ 332.760,00) para quem dispuser de informação completa sobre o mega-acordo que envolve os Estados Unidos e economias poderosas (e outras nem tanto) da região do Pacífico. A proposta de acordo foi assinada em 2002 pelo presidente do Chile Ricardo Lagos e os primeiros-ministros de Cingapura e Nova Zelândia, e evoluiu para uma proposta de parceria de desenvolvimento regional (TPSEP) acordada em 2005 entre Nova Zelândia, Brunei, Chile e Cingapura.
A partir de 2008 entraram Austrália, Japão, Canadá, México, Peru, Malásia, Estados Unidos e Vietnã. A Parceria Comercial Transpacífico, se aprovada pelos Legislativos dos países que integram a proposta da nova área de comércio, é uma das maiores entre todas desde o início da história do capitalismo. Envolve “cerca de 40% do PIB mundial” e um grupo de países responsáveis por 698 bilhões de dólares em exportações americanas, informa a publicação.
Uma proposta de acordo foi assinada em 12 de novembro de 2011 em Honolulu por nove países: Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Chile, Malásia, Peru, Cingapura e Vietnã, informou o Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos. O mesmo órgão informou que este ano, os Estados Unidos vão sediar um encontro de ministros do Comércio da Parceria em Mauí, Havaí, entre os dias 28 e 31 de julho, com a participação de autoridades comerciais de 12 países.
Recentemente, outros países mostraram interesse em participar do acordo, como Colômbia, Filipinas, Coréia do Sul e Taiwan. O mapa abaixo ilustra o poder da união entre estes países:
Conjuntura atual da mídia mudou
É compreensível a preocupação do WikiLeaks: este acordo, se aprovado, vai criar uma enorme área de comércio que poderá por em risco todas as alianças estratégicas do planeta. O impacto vai ser imenso na debilitada Europa, na África e em boa parte da América Latina (inclusive o Brasil). A inclusão da China é duvidosa, já que ela já tem uma política própria para a região: ela dá preferência a seus parceiros asiáticos no desenvolvimento regional da região sul do Pacífico.
Mas a questão maior que o WikiLeaks trouxe para o debate da imprensa foi a violação de uma cláusula pétrea do jornalismo: o não pagamento a fontes de informação. Assange e companhia estão em campanha para angariar fundos através de financiamento coletivo para acabar com o acordo, que já tem o Partido Democrata americano na oposição a Barack Obama e sua inusitada composição com os republicanos.
A revista piauí mostra um cenário midiático onde existe maior tolerância ao pagamento de fontes que no passado. Os três autores citados na matéria, de alguma forma ou outra, mostraram tolerância com a recompensa em numerário às fontes jornalísticas. Os avanços no jornalismo cidadão, junto com a tendência editorial de publicação de conteúdo produzido por usuários, somados com a evolução dos meios de difusão da informação favoreceram a renovação da ética jornalística tradicional na direção de uma disciplina mais pragmática e flexível.
Nenhum deles aceitou o “jornalismo de talão e cheques” abertamente, mas todos concordaram que a conjuntura atual da mídia contemporânea mudou. As fontes não mais se comportam como as fontes do passado: muitas vezes querem participar do processo de produção da notícia ou têm outros interesses. Kelly McBride, vice-presidente do Instituto Poynter e especialista em ética jornalística, Ken Doctor, pesquisador de mídias em Harvard e Rosental Calmon Alves, do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas, estão de acordo nesta questão: em situações especiais, o interesse público pode ser mais bem servido com informação paga, mas apenas em ocasiões muito raras e com muita transparência com os leitores. Não é só o interesse público que deve ser contemplado, mas principalmente o que serve à democracia, explicou McBride.
Slate não é contra o pagamento de fontes
A leitura atenta dos três pesquisadores mostra que uma nova ética jornalística está em gestação. Como comentou Rosental, “dizem que a nova objetividade é a transparência. A nova ética não é a transparência, mas a transparência é parte essencial da nova ética”.
Abraham Zapruder, o vendedor de roupas femininas que filmou o assassinato de Kennedy no Texas em 1963, e George Holliday, o encanador que registrou em sua filmadora o espancamento de Rodney King em 1992 em Los Angeles, foram dois pioneiros no pagamento a fontes privilegiadas. Ambos são muito citados como “pioneiros do jornalismo cidadão”. Zapruder morreu amargurado depois de ter vendido seu filme à revista Life. O site do Instituto Poynter (03/03) informou, em 2011, que Holliday nunca aceitou o fato de não ter reconhecido o valor de sua filmagem quando a vendeu por 500 dólares à TV local de Los Angeles KTLA.
A discussão do pagamento ou não a fontes jornalísticas é antiga. Em 2010, a revista virtual diária Slate (29/4) apresentou vários casos de pagamento a fontes: no caso Watergate (1972-1974), Daniel Ellsberg fez cópias fotocópias dos Pentagon Papers (Papéis do Pentágono, em livre tradução) e cobrou 10 mil dólares ao New York Times para “cobrir o custo das cópias, mais envio e manuseio, e ainda acrescentou as esperadas despesas legais”, informou a revista.
A Slate não vê nenhuma razão ética contra o pagamento de fontes. E apresentou mais um caso em que o pagamento aos informantes foi totalmente justificável: o do jornalista Michael Massing, que escreveu em 1998 um livro (The Fix, 1998, Simon & Shuster) sobre tráfico e política de drogas. Um jornalista da revista acrescentou que Massing havia declarado em uma “nota sobre fontes”, no final do livro, que havia pagado por algumas informações. O autor defendeu sua posição:
“Jornalismo é inerentemente um empreendimento explorador, com repórteres sugando informação do público sem prover muito em retorno. Uma relação deste tipo torna-se particularmente desconfortável quando algumas fontes têm poucos recursos além dos fatos de suas vidas. Enquanto eu senti que meus temas não estavam embelezando a história para aumentar seu valor, não me importei em ajudar em pequenas coisas.”
Informação de valor ou “criações” de informantes
O repórter da Slate que cobriu o caso em 1998, Timothy Noah, em sua reportagem Paying Sources (“Pagando Fontes”, 10/9), informou que Massing pagou 200 dólares a um policial de drogas no Harlem Hispânico e que havia sido “um investimento valioso; muito do que ele falou conferia com a versão do 23º distrito”, comentou o autor.
Em 2010, a Slate manteve seu posicionamento sobre o pagamento de fontes em jornalismo: a revista não via nenhum motivo ético que impedisse o pagamento por informação. Por outro lado, não acreditava que esse método de obter informação funcionasse por uma razão muito simples e pragmática: se algum jornalista começar a pagar por informação, sua “colheita” será tão grande e variada que o obrigará a um longo processo de seleção para separar o que é informação valiosa do resto inútil produzido especialmente para venda a jornalistas. Este processo de triagem de informações transforma o pagamento em prejuízo: o jornalista perde tempo e dinheiro a separar o que pode ser aproveitado daquilo que deve ser jogado no lixo. Melhor usar o método tradicional, e deixar os pagamentos para casos específicos isolados.
Mas e o caso do WikiLeaks? Eles não são uma organização jornalística. Não fazem jornalismo, mas têm sua presença garantida na história do periodismo. Eles fazem ativismo de mídia e são muito importantes para o jornalismo. O WikiLeaks pode “não ser jornalismo”, mas é totalmente compatível com ele e não está preso à ética jornalística tradicional e suas obrigações, que muitas vezes tornam o trabalho jornalístico lento e incapaz de informar sobre segredos de estado de grande interesse popular e que escapam das pautas da imprensa graças aos métodos tradicionais de se obter informação.
O WikiLeaks pode pagar por informação. Mas vai ter que passar pela mesma longa e penosa triagem entre o que é informação de valor das invenções sem comprovação ou “criações” de informantes interessados no dinheiro. O grupo quer o acesso a todo o arcabouço do projeto da Parceria Comercial Transpacífico. Os governos têm mantido tudo sobre vigia, mas o público e os países fora da parceria querem muito saber por completo o que é e quais são as possibilidades reais da concretização de um acordo comercial que pode mudar a geografia econômica do mundo em que vivemos.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor