Doutora em sociologia com especial interesse pela área de história da imprensa, a pesquisadora Alzira Alves de Abreu, da Fundação Getúlio Vargas, se escandalizou com a proibição ao Estado de veicular informações sobre Fernando Sarney – filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) –, imposta pelo desembargador Dácio Vieira, do Distrito Federal, no último dia 30. A pesquisadora lembra que, no passado, as restrições aos meios de comunicação brasileiros partiram do Executivo e ocorreram em regimes de exceção. E vê perigo de a censura à imprensa e a crise do Senado apontarem para um regime autoritário, com restrições ao exercício do jornalismo, como, segundo ela, começa a ocorrer em outros países da América Latina, como a Venezuela. ‘Esses políticos não estão se dando conta do que estão preparando para o futuro’, diz, alarmada.
Volta da censura
‘Acho lamentável. Lembro de uma frase do (filósofo italiano) Norberto Bobbio, que diz que a regra da democracia é a publicidade e não o segredo; a luz, não a escuridão. Me parece que (as sentenças proibindo jornais de abordar certos assuntos) são decisões muito complicadas, que comprometem muito o regime democrático. Isso me assusta muito.’
Segredo de justiça
‘O sigilo teria que ser dado no processo judicial. Na medida em que a imprensa recebeu a informação, é obrigada a dá-la ao público. Se alguém tem que ser punido, é quem vazou a informação que não podia ser dada. O cidadão precisa da informação. Sem isso, como é que se faz, como se forma a opinião? Na democracia, o julgamento dos atos do governo é feito através da divulgação da informação. E cabe à imprensa esse papel. Então, acho que (a censura prévia) não se justifica. E é mais lamentável ainda que venha da Justiça.’
Censura no passado
‘É um juiz ligado ao próprio interessado no assunto. Isso é muito complicado. Agora, acho que tinha que ter uma manifestação maior por parte de toda a imprensa, por parte da ABI, por parte da OAB… Eu estava lembrando disto hoje: como a gente tem uma tradição de momentos de ruptura, de censura à imprensa. A gente – sem falar para trás – tem, desde 32, o empastelamento do Diário Carioca; em 37, o Estado Novo; em 64… A gente tem uma experiência muito ruim, de momentos de ruptura, em que se tenta calar a democracia, a imprensa. (…) Foram sempre momentos em que entrou um regime autoritário, um momento de autoritarismo, de ditadura, em que o Executivo agia para impedir a manifestação da imprensa, em vários momentos com a conivência do Judiciário. Tanto em 37 como em 64 houve conivência do Judiciário na implantação da censura. Hoje, isso está partindo do Judiciário, o que é muito grave. Isso tem que ser dito. E como se informa o cidadão? Os atos de governo, o cotidiano da política, a atuação dos políticos, dos homens públicos? Tudo isso tem que ser feito através da imprensa, não tem outra forma.’
Juventude
‘O que me preocupa muito no desenrolar desses acontecimentos é: que geração estamos preparando? O que o jovem vê nisso tudo? Como é que ele vai se posicionar diante da política, diante de um Congresso, de uma Câmara de Deputados, de um Senado? Isso é muito preocupante. O que estamos preparando para o futuro? Acho gravíssimo.’
Responsabilidade
‘A imprensa está no papel dela. Sem esquecer que a imprensa divulga, muitas vezes, informações de acordo com suas posições políticas, o jornalista também tem posições políticas, tem visões ideológicas, que o fazem se posicionar deste ou daquele lado.Tem que ter cuidado com isso, quando se quer destruir uma personalidade porque se é contra ela. O papel e a responsabilidade do jornalista também são muito importantes.’
Insultos no Senado
‘Fico sempre pensando assim: nós já temos uma formação política etc, mas… E esse pessoal jovem, que está assistindo a isso na televisão, que está lendo isso no jornal? Qual é a repercussão disso para o futuro? Sabe, isso é que me preocupa muito. Não para mim, para pessoas da minha geração, que têm uma posição já definida, que defendem a democracia, mas para o pessoal que está vindo, está chegando, que lê isto… O que que é isso? Essas pessoas não estão preocupadas com isso.’
Descrédito
‘As pessoas dizem: `Para que esse Senado? Gasta tanto dinheiro…´ Isso é que me preocupa… Daqui a pouco dizem: `Fecha a Câmara! Fecha o Senado! Para quê? Bota censura na imprensa…´ Isso preocupa muito. Vivi o último regime autoritário, não posso defender isso. Há um desinteresse muito grande de parte da população. Não toda, há nichos que ainda estão preocupados, acompanhando. Tudo isso tem que ser levado em consideração, as pessoas estão muito apáticas. Esses políticos não estão se dando conta do que estão preparando para o futuro.’
Tarso e censura
‘O Executivo, a meu ver, está dando um péssimo exemplo. Porque está justificando não atuar dentro da lei. Isso é preocupante. Porque, se é o próprio Executivo, se são os ministros, se é o presidente, que passam essa mensagem, que democracia é essa que vamos ter? Acho que se está desmoralizando não só o Congresso, como o regime democrático.’
Futuro
‘Acho que pode apontar para um regime autoritário. Pode… Por que não? Olhe o que está acontecendo na Venezuela… Não está começando a haver movimentos autoritários na América Latina? Começo a olhar isso com alguma preocupação… Equador, Venezuela… Sabe? Começam a haver claramente indícios de controle. Não é tão aberto ainda, mas são momentos que a gente percebe. Espero que não.’
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Repórter do Estado de S.Paulo