Gostaria de fazer uma pergunta aos ministros do Supremo Tribunal Federal: o que os senhores acham do modelo de jornalismo praticado no Brasil? Dediquei muitas horas ao estudo e à pesquisa na área da Comunicação, quando enfrentei cursos de graduação, pós-graduação e mestrado. Ainda tenho muito a aprender, são parcos os meus conhecimentos, mas vou tentar responder à indagação que eu mesmo propus.
Estamos inseridos em um modelo antidemocrático, com relação aos veículos de comunicação que trazem o jornalismo como uma de suas práticas. São pouquíssimos e poderosos grupos que dominam a área, buscando atender a uma lógica de mercado e de poder político, em detrimento ao interesse coletivo. As grandes empresas e a maioria das organizações de menor porte são controladas por empresários que visam ao lucro como seu principal objetivo – não poderia ser diferente.
O jornalismo atual está impregnado de intenções mercadológicas, quando predominam o interesse particular, o sensacionalismo, a desinformação, a valorização do conteúdo espetacular em comparação ao de utilidade pública e social. A propaganda política e outras formas publicitárias extrapolaram os seus limites e estão arraigadas no noticiário.
A imprensa, devido ao fenômeno de massificação dos meios de comunicação, transformou-se num ‘quarto poder’, capaz de ter uma determinante influência nos mais relevantes processos decisórios do país. Como exemplo, citamos o poder que tem a imprensa na eleição – ou destituição – de um presidente da República – nós temos caso recente deste fenômeno na nossa história, nem preciso citar. O impacto social e o poder de pressão que os meios de comunicação exercem na sociedade e nos seus representantes é de tal grandeza que pode mudar os rumos de uma nação.
Prestígio e reconhecimento
Qualquer indivíduo mais inteirado sobre comunicação sabe que este campo representa-se como de fundamental importância para estratégia de condução de um país, além de ser um dos instrumentos para o implemento de um sistema verdadeiramente democrático – este que, de fato, ainda não existe no nosso Brasil – e, por isso, também a comunicação social deve ser conduzida com responsabilidade e exercida por profissionais capacitados na área.
Qualquer indivíduo que seja mais inteirado sobre a atividade cotidiana do profissional do jornalismo e suas vicissitudes, sabe que, em geral, entre o jornalista comprometido – e capacitado em comunicação – e os mandatários dos veículos de comunicação existem, implicitamente, conflitos ideológicos e funcionais. O jornalista quer informar o correto e de maneira correta. O empresário quer vender seu produto de qualquer maneira. Uma luta desigual, posto que um é o empregado e o outro é o empregador, num país de poucas possibilidades de emprego.
É no profissional de jornalismo que reside uma das possibilidades para a evolução de um modelo comunicativo incipiente – o que é praticado na atualidade –, que tem seu foco na defesa de interesses particulares, favorecendo a construção de uma sociedade formada por indivíduos ‘marionetes’. Quando, um dia, quem sabe, os senhores ministros do STF estiverem diante de uma outra causa, e iluminados – que Deus permita –, julgarem que os meios de comunicação devem pertencer ao povo e serem conduzidos por profissionais habilitados e capacitados, estes já devem estar atuando na área, com o prestígio e reconhecimento que merecem. Não acredito que o prestígio e reconhecimento venham, primeiramente, do empresário da comunicação. O empresário quer encontrar o meio mais barato de possuir um quadro de funcionários fornecedores de conteúdo para seus veículos. Natural. Cada um faz o que a si é mais conveniente, contribuindo para um caos social, como visionado pelo teórico político Thomas Robbes.
Evitem o baiacu
Não quero desprezar a capacidade e a boa fé dos que não são habilitados na área do jornalismo e da comunicação. É de grande relevância a contribuição de intelectuais e de profissionais de outras áreas para a relação entre a sociedade, a informação e o conhecimento. Porém, quero ressaltar que o jornalista é o profissional mais capacitado para fazer a mediação correta entre as diversas manifestações e o público leigo, principalmente no caso do Brasil, que tem um povo tão subtraído da educação formal. Quem passou por uma escola de comunicação sabe que a técnica utilizada para informar é tão importante quanto a própria informação.
É por estes e outros fatos – mesmo com todo respeito e reconhecimento – que vejo como incoerentes alguns dos argumentos manifestados pelos ministros do STF, para a decisão da não obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, considerou que a formação em jornalismo é importante para o preparo técnico dos profissionais, mas deve continuar nos moldes de cursos como o de culinária, moda ou costura, nos quais o diploma não é requisito básico para o exercício da profissão. Mendes talvez não tenha considerado que o impacto dessas profissões na construção de uma sociedade que não tem condições de gozar da boa culinária – mal tem condições para comer – e que também não desfruta das maravilhas da alta-costura – mal tem condições para se vestir –, é consideravelmente menor do que o da profissão de jornalista.
O que a sociedade mais precisa é de ser bem informada, para fazer as mudanças de que tanto carece. Porém, rogo para que não se despreze a necessidade de diploma para atuação naquelas áreas – culinária e costura –, posto que qualquer sujeito pode, eventualmente, ao apreciar um baiacu – iguaria considerada muito apetitosa – ser envenenado, pois o cozinheiro, por não ter passado por uma escola, não detinha o conhecimento de que esse peixe possui uma bolsa de veneno que deve ser extraída, utilizando-se de uma técnica adequada. É somente conjectura. Fiquem tranqüilos, mas evitem baiacu.
Entre a demissão e a coerência
O ministro Mendes disse ainda que as próprias empresas de comunicação devem determinar os critérios de contratação. ‘Nada impede que elas peçam o diploma em curso superior de Jornalismo’, ressaltou. Tem razão, o ministro. Nada impede. Nada impede também que o critério de contratação seja o menor custo com o funcionário – provavelmente já é este. A qualidade cai, e o povo – segundo pesquisas – não está preparado para avaliar as mídias ou filtrar o que é veiculado. Realmente, diante de uma sociedade desprovida de recursos intelectuais e que consome a informação da mesma maneira que consome um espetáculo, quem há de se preocupar com a contratação de profissionais habilitados e preparados? Com a nova ordem, a situação vai se agravar. A festa dos escândalos vai rolar nas redações.
Tenhamos, todos, cuidado. Até o respeitadíssimo STF já foi vítima desse fenômeno, ainda quando o diploma era obrigatório. Imaginemos, de agora em diante, o que será de nós. Mas não nos desesperemos tanto. Os jornalistas mais preparados e esclarecidos sabem que o STF é uma Casa que merece todo respeito, posto que é formada por membros de reputação ilibada e com habilidades comprovadas e legitimadas na área do Direito. Os jornalistas habilitados que conseguirem permanecer em seus empregos hão de investigar e divulgar qualquer fato de maneira correta e adequada. No mínimo, com tais profissionais atuando, esta possibilidade é maior.
Outros argumentos esdrúxulos foram expostos. O ministro Ricardo Lewandowski enfatizou o caráter de censura da regulamentação. Para ele, o diploma era um ‘resquício do regime de exceção’ que tinha a intenção de controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, afastando das redações os políticos e intelectuais contrários ao regime militar. Está certíssimo, o ministro. Façamos tudo pela democracia. Ele somente se esqueceu que, na época da ditadura militar, as redações foram empesteadas por interferências de interesses particulares, o que hoje acontece, mas de uma outra forma. Um novo processo antidemocrático está instaurado, quando a voz dos jornalistas está sufocada por interesses mercadológicos. O jornalista, muitas vezes, encontra-se entre a cruz e a espada, entre a demissão e a ação coerente.
Os compromissos dos ‘donos da imprensa’
A decisão do STF enfraquece mais ainda a voz da categoria, proporcionando o desenvolvimento de outras formas de poder ditatorial: a do poder econômico e do mercado de trabalho. A censura agora vem mais forte, de dentro da própria administração dos veículos de comunicação.
Além do mais, o Poder Judiciário também sofreu enfraquecimento durante a ditadura. Nem por isso vamos credenciar qualquer indivíduo que se ache intelectualmente capaz para julgar e tomar decisões devidas ao Judiciário, em prol de uma democratização do poder decisório. Com relação ao intelectual colaborador, a sua voz não será calada. Ela será mediada por profissionais capacitados para tal, para que chegue à população de maneira adequada, clara e objetiva, que considere as características e a realidade do público receptor, com as técnicas aprendidas na escola de comunicação. Acredito que muitos não conheçam essas técnicas e a sua importância para o bom desenvolvimento da comunicação pública. Mas… fiquemos tranqüilos. Nunca é tarde para aprender, a menos que as escolas de comunicação sejam extintas. Não acredito nisso, mas é prudente ter pressa.
O ministro Carlos Ayres Britto, personalidade muito admirada por tantos conterrâneos de Sergipe, ressaltou que o jornalismo pode ser exercido pelos que optam por se profissionalizar na carreira ou por aqueles que apenas têm ‘intimidade com a palavra’ ou ‘olho clínico’. Ciente da capacidade do ministro, gostaria de lhe fazer uma pergunta: se eu tiver intimidade com o Direito e um olho clínico aguçado, mesmo sem passar por uma escola superior na área, posso seguir a carreira de advogado, ou de magistrado e, quem sabe, um dia ser ministro do STF? Uma coisa eu sei: por mais que eu tivesse intimidade com o Direito, procuraria um profissional habilitado nesta área para referendar um artigo sobre tal assunto, que eu, porventura, quisesse publicar. Aprendi na escola de Jornalismo sobre o prejuízo que uma informação pública errônea, ou mal colocada, pode causar à sociedade.
Não quero desmerecer a capacidade e auxílio de tantos que atuaram ou atuam como jornalistas, mesmo sem diploma. Sem estes, estaríamos em uma condição muito pior. Não quero generalizar a idéia de que os ‘donos da imprensa’ são descomprometidos com as causas sociais. É inegável a contribuição destes empresários para a sociedade. Eles estão fazendo a sua parte. O que nos cabe – jornalistas – é atentar para o equívoco que representa a decisão do STF, salientando que, acredito, os seus membros agiram movidos pela boa fé, porém desprovidos de certos conhecimentos que os levariam a repensar o que foi decidido. Lamento pelos argumentos utilizados por eles.
Piadinha de salão
Lamento, também, pela situação de nosso jornalismo e de seus profissionais. A imprensa está cada vez mais se transformando em um baiacu. Cada vez mais ela é um prato consumido de maneira espetacular e saborosa, mas com uma possibilidade crescente de envenenar o consumidor. A categoria dos jornalistas, já tão desprestigiada, tão subserviente a interesses alheios, tão distante dos desígnios que lhe foram atribuídos e agora vê a força de seus conhecimentos, legitimamente adquiridos, diluída por uma decisão aberrante que somente vem a contribuir para a ampliação desta realidade. Lamento pelo prejuízo que, provavelmente, a decisão venha causar ao bom desenvolvimento do estudo da Comunicação. Ô Brasilzinho que não valoriza a ciência!…
Peço desculpas ao leitor e aos colegas jornalistas por abordar um tema já tão discutido na imprensa, como também por ser tão extenso no meu texto, contrariando o que aprendemos na escola superior sobre técnicas de redação para jornalismo online: o texto teria que ser curto. Não resisti. Ademais, já que estão tão desvalorizadas as técnicas estudadas por teóricos e pesquisadores, valho-me dessa prerrogativa para acompanhar o que é de ordem. Já existem – e existirão mais ainda – tantos erros cometidos por jornalistas! Um a mais, um a menos…
Mas, não me rendo. Diante da importância que sei ter a comunicação para o desenvolvimento de uma sociedade, quero sugerir que o diploma em jornalismo seja um dos requisitos necessários para a ocupação de uma cadeira no STF. Por saber que esse desejo vai se configurar em apenas uma quimera minha, uma piadinha de salão, uma idéia utópica de um profissional decepcionado, restrinjo-me a simplesmente recomendar aos membros do STF que leiam mais atentamente sobre as teorias da comunicação pública. Afinal de contas, eles, os ministros, são, na essência, servidores públicos. Ou não são? Preciso entender mais de Direito. Vou consultar um profissional dessa área antes de publicar este artigo. Não quero cometer uma injustiça.
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Jornalista e funcionário público, Aracaju, SE