Artigos de personalidades de prestígio nacional, publicados pelo jornal Gazeta de Alagoas às vésperas do golpe de Estado de 1964, revelam parte do clima político e social do Brasil durante o governo Goulart e descortinam a filosofia de intelectuais conservadores.
Personalidades com prestígio no meio social alagoano, professores e correligionários ou políticos aliados a Arnon de Mello, já conhecidos pelo jornal, compunham, em linhas gerais, o corpo de articulistas e cronistas do matutino Gazeta de Alagoas nos meses que antecederam o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Tratava-se de formadores de opinião, que escreviam não só para a Gazeta – diário integrante da Organização Arnon de Mello –, mas também para outros órgãos de imprensa, como o extinto Jornal de Alagoas, dos Diários Associados (ZAIDAN, 2009).
Todavia, além destes, a Gazeta publicou textos de personalidades eminentes do cenário nacional – quase sempre alinhados ao bloco modernizante-conservador de oposição ao então presidente João Goulart. Boa parte dos artigos nacionais era transcrito de outros veículos brasileiros, especialmente do jornal carioca O Globo, das organizações Globo, forte aliado do bloco modernizante-conservador.
Opositor notório da Petrobrás
É o caso do artigo ‘À beira da ruína’, do poeta e editor carioca Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965), veiculado nas páginas da Gazeta em 10 de julho de 1963:
‘[…] A nação está exausta. Aguardando o absurdo de cada dia. Para a direção da Petrobrás nomeiam-se comunistas. Por que fez isso o presidente? – pergunta-se. A resposta é que não podiam nomear o presidente da entidade monopolística, sem pagar um preço caro aos nacionalistas. Os nacionalistas e os compactos, os comunistas e os socialistas estão impondo suas leis. E o presidente declara que cairá de pé. Mas antes de ele cair de pé, o Brasil vai cair – soluçando, com saudades do meu bem […].’
Também foi transcrito de O Globo o artigo ‘A investida contra a iniciativa privada’, de Eugênio Gudin, publicado originalmente no diário de Roberto Marinho – amigo de Arnon de Mello – em 21 de agosto de 1963, chagando às páginas da Gazeta de Alagoas em 24 de agosto de 1963.
Economista carioca, Eugênio Gudin Filho (1886-1986) foi um dos mais engajados militantes do bloco modernizante-conservador. Engenheiro por formação, trabalhou em diversas empresas estrangeiras em atuação no Brasil. No campo acadêmico, exerceu o magistério na Universidade do Brasil e foi designado, em 1944, para redigir o projeto de lei de institucionalização do curso superior de Economia no país.
Partidário intransigente do capital estrangeiro, da abolição das restrições à remessa de lucros para o exterior e do controle da inflação fundada na redução de investimentos públicos e na restrição ao crédito, Gudin foi notório opositor da criação da Petrobrás (EUGÊNIO GUDIN, 2009). Alinhado politicamente à União Democrática Nacional (UDN), engrossou – em meados da década de 1950 – com críticas a Getúlio Vargas, então presidente da República, a campanha que culminou com o suicídio do líder trabalhista. Ironicamente, na década de 1960, Gudin tornar-se-ia vice-presidente da Fundação que leva o nome do ex-presidente – Fundação Getúlio Vargas.
‘Grupos de apoio’ comunistas
O economista liberal apoiou ainda a deposição de João Goulart, especialmente por meio da publicação sistemática de artigos na imprensa, dentre os quais o texto ‘A investida contra a iniciativa privada’:
‘[…] Há dias alçaram novamente o colo as serpentes da estatização bolchevizante para tentar o bote contra a Varig e as companhias de aviação. A Aerobrás, novo projetado reduto do CGT, no PTB e das greves políticas, viria juntar-se à Rede Ferroviária e à Marinha Mercante, cujo déficit salarial já monta a dois terços do déficit total previsto para o Tesouro Nacional.
Agora é projetado assalto contra as Refinarias de Capuava, Manguinhos, Ipiranga, modelos que são de organização administrativa e técnica de alta produtividade, para serem absorvidos pela Petrobrás, que assim faria desaparecer o vergonhoso contraste entre a eficiência destas empresas e o lamentável espetáculo de desperdício dos dinheiros públicos que são os seus serviços […].
O dia 24 de agosto será, segundo se anuncia, o ponto culminante de uma campanha organizada pelos sindicatos comunistas `para forçar´ o governo (doce violência) a realizar mais uma encampação evidentemente danosa aos interesses do país. Das refinarias se passaria à encampação das companhias distribuidoras; teríamos os postos de gasolina nas mãos de sonolentos funcionários públicos, com todos os seus direitos adquiridos (e sem deveres), e, incidentemente, mais uma área de atrito com os Estados Unidos, objetivo principal dos `grupos de apoio´, comunistas instalados em quase todos os setores da administração pública com a complacência, senão conivência, do presidente da República.
[…] Ao Congresso, precipuamente, e às Forças Armadas, subsidiariamente, cabe a guarda dessas instituições e desse regime.’
‘Ninguém ficou de tanga’
De O Globo de 21 de dezembro de 1963 foi copiado o artigo ‘Espoliação’, de Glycon de Paiva, publicado na Gazeta de Alagoas em 24 de dezembro de 1963. Geólogo mineiro, Glycon de Paiva foi uma das figuras mais atuantes do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), entidade da qual foi vice-presidente. Ocupou ainda diversos cargos governamentais, como a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1956. Além de propugnar o controle da natalidade, Glycon defendia a ‘… coexistência de capitais estrangeiros para o desenvolvimento dos recursos minerais no país…’ (ASSIS, 2001, p.65).
No artigo ‘Espoliação’, lê-se:
‘Nossos irmãos brasileiros de religião comunista vulgarizam, com regular sucesso, um velho substantivo da língua: espoliação, e um verbo de uso secular: espoliar. O dicionário explica o seguinte, no verbete espoliar: `Esbulhar da posse de alguma coisa; privar alguém de alguma coisa, ilegitimamente, por fraude ou violência´ […].
Os comunistas patrícios só aplicam o conceito para as transações financeiras com os americanos, assim como para algumas das transações comerciais com pessoas ou firmas dessa nacionalidade. Por exemplo, a remessa de lucros do capital americano aplicado no Brasil é espoliativa porque, segundo eles, nos despoja por fraude, porque não pela violência, ilegitimamente de qualquer maneira, de dinheiro, embora esse tenha sido auferido por esse capital.
A exportação de minerais brasileiros para os Estados Unidos é, segundo os nossos comunistas, um processo caracteristicamente espoliativo, porque nos esbulha do direito de ter o mineral aqui para alguma utilização futura, ainda que remota ou impossível. Já a exportação de produtos agrícolas não é considerada espoliativa. Pode-se vender para os Estados Unidos quanto café quiserem eles comprar, todo o açúcar e o cacau sem qualquer perigo de espoliação.
Também não é espoliativa a alienação de produtos do reino animal […].
[…] É difícil penetrar-se o pensamento comunista porque ele se embebe gostosamente de dialética paradoxal hegeliana. Veja-se, por exemplo, o caso do minério de ferro. Se a exportação do minério for feita pelo Estado, através da Companhia Vale do Rio Doce ainda que para os Estados Unidos e aos preços internacionais do minério, não haverá espoliação alguma. É verdade que houve buraco aberto para a produção do minério alienado: que o preço não foi arbitrado por nós, mas se conformou ao preço internacional. Nada disso importa: não houve esbulho, ninguém ficou de tanga, nem largou o couro. Concluiu-se que no setor da alienação de minerais, o Estado é incapaz de ser esbulhado, de ser despojado por fraude porventura ocorrida na transição.
‘Reagir enquanto é tempo’
Mas a conclusão não parece de todo correta porque se a exportação for feita para qualquer país que não os Estados Unidos, não ocorre espoliação, ainda que o produto e exportador sejam privados […].
[…]. A conclusão a tirar-se parece ser a seguinte: os minerais do Brasil podem tomar a natureza espoliativa quando exportados, tudo dependendo de quem os exporte e, principalmente, do porto de destino. De outra feita será abordado o outro lado da medalha do tráfico de minerais: a importação maciça de subsolo alheio para fecundar a atividade nacional (petróleo, carvão, metais, enxofre e fertilizante) e a posição do Brasil não mais como espoliado, mas como espoliador voraz, causador de ressentimentos e fundas preocupações aos comunistas da Venezuela, da Arábia Saudita e do Chile, que só recentemente aprenderam com os nossos irmãos comunistas essa faceta interpretativa do comércio internacional.’
Outro publicado pela Gazeta foi João Alberto Leite Barbosa, ‘economista de O Globo e da Consultec – consultoria liderada por Roberto Campos responsável por elaborar projetos de investimentos governamentais no final dos anos cinqüenta’ (BRISO NETO, 2008, P.182).
No artigo ‘Aos homens de empresa (III)’, veiculado em 5 de março de 1964, Barbosa exerce seu papel de intelectual modernizante-conservador, ao escrever:
‘Os homens de empresa precisam manter-se em diálogo permanente com todas as forças políticas do país e, inclusive, com o próprio governo. Para que se faça algo de proveitoso aos seus interesses, estarão obrigados, antes de mais nada, a fixar um objetivo comum e definirem, com segurança, as suas principais linhas de ação no campo sócio-econômico […].
Malgrado a boa-vontade de muitos, os homens da produção, isolados, não conseguiram deter a força da pressão no campo oposto. Daí, registrar-se um continuo recuo em suas linhas, admitindo-se, inclusive, a necessidade de mudar ou aceitar as fórmulas miraculosas difundidas pelo adversário como medida de salvação da classe. Este procedimento encontra adeptos desprevenidos e, em muitos setores, registramos empresários assustados com a idéia do `lucro´. `Lucro´ passou a ser um resultado negativo, na medida em que nos acovardamos sob o fogo das investidas comunistas. No regime capitalista ou neocapitalista o lucro é fator fundamental do sucesso. Repudiá-lo ou condená-lo, significa levarmos o país par ao campo do socialismo. Estamos falando de lucro e não de ganhos escusos […].
É preciso reagir enquanto é tempo. A livre empresa está sob ameaça contínua e, a cada dia que passa, vemos desmoronar baluartes que caem sem resistência, apáticos, dominados pelo medo e coagidos pela força. É tempo de lutar, não contra alguém ou qualquer coisa, mas a favor de seus direitos e de suas legítimas reivindicações.’
‘Precipitação e displicência’
Ativo intelectual do bloco modernizante-conservador, o carioca Otávio Gouveia de Bulhões (1906 – 1990), por seu turno, teve o seu artigo ‘Visibilidade limitada’ transcrito do Boletim Cambial. Graduado e doutorado em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Bulhões notabilizou-se como economista. Especialista em Economia em Washington e liberal convicto, ocupou diversos cargos técnicos no aparelho estatal. Logo após o golpe de abril de 1964, Bulhões foi nomeado ministro da Fazenda pelo presidente interino Ranieri Mazzili, pasta em que se manteve durante o governo do militar Humberto Castelo Branco. Na época, o economista foi um dos responsáveis pelo Programa de Ação Econômica do Governo, que, sob a pecha do combate à inflação, ‘promoveu uma severa contenção do crédito e instituiu uma nova fórmula salarial, que, na prática, provocou uma acentuada deteriorização do poder de compra dos salários’ (OTÁVIO GOUVEIA…, 2009). Mais tarde, foi presidente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
Em seus artigos, Gouveia de Bulhões exerce o típico papel de um intelectual orgânico do bloco modernizante-conservador. No artigo ‘Visibilidade limitada’, transcrito pela Gazeta de Alagoas na edição de 16 de janeiro de 1964, o economista prega o engajamento do empresariado contra o avanço da intervenção estatal no mercado:
‘[…] Há empresários que assistem, impassíveis e até com regozijo, à intervenção do Estado contra concorrentes seus, ainda que se trate de atitude nitidamente contrária à garantia da iniciativa particular. Esquecem-se de que, uma vez quebrado o princípio da preservação da propriedade, tanto podem sofrer os que estão agora prejudicados como venham a sofrer amanhã aqueles que são hoje meros espectadores. Nos dias que correm considera-se, por exemplo, aceitável que os lucros de estrangeiros sejam segregados de seus proprietários, sob o fundamento de que o balanço de pagamentos é deficitário. Em futuro próximo, porque não há de se fazer o mesmo com os lucros de determinadas empresas nacionais, a pretexto de estarem ganhando excessivamente?
Obviamente, tanto na última hipótese como na primeira, poder-se-ia recorrer ao imposto de renda, como meio de corrigir os excessos de acumulação. Mas o processo fiscal envolve complicações técnicas que o simplismo dos horizontes estreitos impede estimar. Deixam, assim, de reconhecer o que é mais adequado no prosseguimento da senda do progresso.
A mesma estreiteza de visão é observada no caso do monopólio estatal.
[…] O monopólio do Estado está longe de poder substituir a concorrência. E tanto é isso verdade que mesmo em pleno regime comunista se começa a reconhecer a conveniência da descentralização da produção. Atribui-se autonomia financeira e técnica a certo número de empresas, de modo a permitir que umas exerçam concorrência às outras. Entretanto, em nosso país, políticos que se dizem adeptos da iniciativa particular e que, portanto, deveriam ser os primeiros a lutar pela multiplicidade de iniciativas (que poderiam ser acumulativamente estatais e particulares) não trepidam em concordar com as desapropriações de empresas particulares em favor de uma empresa única do Estado.
Os exemplos acima referidos são suficientes para demonstrar a maneira precipitada pela qual nossos homens públicos enfrentam os problemas ou a displicência com que muitos de nossos empresários aceitam os acontecimentos […].’
‘Agitação, discórdia, demagogia’
Na edição de 7 de abril de 1964, portanto já após o golpe militar, a Gazeta de Alagoas volta a publicar um artigo de Otávio Gouveia de Bulhões. Sob o título ‘Aceleração no movimento de retrocesso’, o economista torna a defender a propriedade privada:
‘Os adeptos da transferência da propriedade, dos particulares para o Estado, acreditam ser esse movimento o que há de mais progressista na vida social dos povos. Estão longe de aceitar a idéia de que se acham atrasados de um século.
A notável evolução econômico-social processada nos Estados Unidos e na Europa demonstra, claramente, que o bem-estar da coletividade se aproxima muito mais da generalização da propriedade. Não obstante as grandes concentrações empresariais, a difusão do capital torna-se cada vez maior. É que a concentração dos meios de produção não somente é compatível com a descentralização do capital como favorece sua distribuição entre grande número de indivíduos. Por isso mesmo, podemos dizer que a socialização está muito mais próxima da difusão do capital entre os indivíduos de que seu enfeixamento nos poderes financeiros do Estado […].’
Militar do Exército, Ney Amintas de Barros Braga, que teve uma profícua carreira política, foi outro publicado. Chegou a ser eleito, em 1960, governador do Paraná, através do Partido Democrata Cristão – agremiação política da qual foi presidente nacional. Político próximo de Arnon de Mello no cenário nacional, apoiou o golpe de 1964 e, durante a ditadura, ocupou pastas ministeriais em duas oportunidades: o Ministério da Agricultura, em 1965, e o Ministério da Educação e Cultura, em 1974.
Na Gazeta de Alagoas de 27 de junho de 1963, Braga publicou ‘Saudação’, pequeno texto destinado ao público alagoano:
‘[…] Vivemos uma época em que, com o sacrifício do povo, se sobrepõe o supérfluo ao necessário, o acessório ao essencial, os privilégios à justiça social, a demagogia à sinceridade, a agitação ao trabalho.
Contra isso é que luta o Partido Democrata Cristão, de norte a sul do país, no Paraná como em Alagoas, estado em que, sob a liderança segura do eminente companheiro senador Arnon de Mello, a democracia cristã se fortalece, abrindo novos horizontes para a política brasileira.
A angústia da hora atual, que provém tanto da decadência espiritual como da incerteza política e da insegurança econômica, precisa ser superada. Não o será, entretanto, sem o clima de paz, de união, de compreensão e de fraternidade que ambicionamos para o Brasil. A ninguém beneficiará a agitação, a discórdia, a demagogia. Nem serão os extremismos a solução para os problemas brasileiros, que são tantos e tão graves. […].’
Influenciado por João 23
O general A. C. Moniz de Aragão, igualmente, publicou nas páginas da Gazeta. O jornal de Arnon de Mello veiculou, do general, o artigo ‘Lágrimas, suor e sangue? Não, basta trabalho, esforço e honestidade’, em 27 de julho de 1963:
‘[…] No Brasil, habituamo-nos a ouvir, notadamente em período de propaganda eleitoral, que se impõe melhorar o padrão de vida do povo, combater a inflação, realizar reformas de base etc. Mas nunca escutamos que, tudo isso, só é possível alcançar mediante maior e melhor dedicação ao trabalho, redobrado esforço, muita honestidade e nas épocas difíceis, também com sacrifício. Lamentavelmente, os homens públicos brasileiros, preocupados com a popularidade falsa e movediça, temem e fogem ao trato dessas exigências, reconheçam embora que são básicas e essenciais à recuperação econômica […].
[…]. Quando a popularidade é adquirida pela adulação do povo e dissimulação da verdade, falando e escrevendo para contentar os gostos mais sórdidos e satisfazer interesses inconfessáveis, tudo vai mal. Pior ainda, pois é o descalabro, quando excitam o ódio e fomentam as lutas de classe. A nação fica à mercê de paixões e apetites incontroláveis […].’
Fechando a galeria de notáveis do cenário nacional publicados pela Gazeta, é mister frisar ainda o escritor fluminense Alceu Amoroso Lima (1893-1983).
Amoroso Lima – intelectual católico, membro da Academia Brasileira de Letras e ex-simpatizante da extrema-direita –, após ser fortemente influenciado pelas encíclicas progressistas do papa João 23, adotou concepções liberais e chegou a apoiar as reformas propostas por Goulart (ALCEU AMOROSO, 2009).
Controle por correio ou por telefone
Em seu artigo ‘Apelo ao bom senso’, veiculado em 28 de fevereiro de 1964, o autor, sob o pseudônimo de Tristão de Athayde, mostrou-se preocupado com o embate ideológico acintoso que marcou a primeira metade da década de 1960:
‘Durante os dias mais agudos das recentes greves cariocas, o boatismo viveu um dos seus grandes momentos. Pois se transferiu da modesta esfera popular para os meios políticos mais responsáveis e, portanto, de conseqüências ainda mais graves. Essas conseqüências representam, antes de tudo, a aceleração do processo de radicalização, no qual vejo o inimigo número um do Brasil de hoje, isto é, de um país em vias de irreversível transmutação social e, por isso mesmo, em pleno perigo de arritmia coletiva […].
No momento, porém, a tempestade que estamos atravessando é precisamente causada pelos ventos impetuosos, descontrolados, passionais e contraditórios que se levantam, que denunciam, que injuriam, que falam a linguagem do desespero e vão capitalizando a insatisfação popular para transferir o debate político, da área civil para a área militar.
Nisso está o maior perigo. O mais imediato. É preciso preservar a todo transe a legalidade. Mas sem que essa legalidade seja equiparada ao imobilismo (?) [sic] Pois há um perigo ainda maior do que a arritmia por precipitação revolucionária: é o descontrole por intolerância conservadora ou reacionária.
A resistência às reformas de base está na linha dessa intolerância catastrófica. As acusações de `comunismo´ a toda e qualquer tentativa de mudar, pacificamente, a estrutura latifundiária do país é o maior serviço que se possa prestar aos que realmente querem dividir para imperar. A dissidência violenta entre governos estaduais e governos federal, entre Legislativo e Executivo, entre a direita e a esquerda, está trabalhando pela ditadura. Para que ela não venha, é preciso começar por não ver, sistematicamente, má-fé no adversário e ceder de lado a lado um pouco, em benefício do bem comum. […].’
Os articulistas publicados passavam pelo crivo de Arnon de Mello, uma vez que este acompanhava as edições da Gazeta mesmo quando ausente da redação – falta constante, em decorrência de que, na ocasião, o empresário da comunicação ocupava uma das vagas alagoanas no Senado Federal e chegou a ser, inclusive, detido na base aérea de Brasília, após envolver-se em um conflito com seu desafeto, o também senador por Alagoas Silvestre Péricles, no plenário do Congresso.
Destarte, fosse por correio ou por telefone (ZAIDAN, 2009), opção mais provável, Arnon exercia controle sobre o conteúdo editorial de seu jornal, fazendo valer sua posição de intelectual orgânico aliado ao capital urbano, multinacional ou associado, do bloco-histórico modernizante-conservador.
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Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Alagoas; mestrando do programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco; pesquisador do Grupo de Pesquisa COMULTI – UFAL/ COS/ CNPq Maceió, AL