Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Triste espetáculo! Oh quão dessemelhante…

Os circos eram a alegria da garotada no meu tempo de infância. Os palhaços, então!… Era comum vê-los desfilar pelas ruas em vestes folgadas, exóticas, extravagantes, cheias de pompons, com bolinhas vermelhas no nariz, animando a garotada e anunciando com um aparelho em forma de cone a hora de o espetáculo começar. ‘Hoje tem marmelada!’ e a gurizada, feliz, respondia: ‘Tem sim, senhor’. ‘E o palhaço o que ééééée?…’. E a meninada: ‘É ladrão de mulhééééé!…’. Bons tempos aqueles. Hoje, tudo mudou. Mas o espetáculo continua, embora em circos diferentes.

Em lugar dos velhos circos de lonas esgarçadas, tão comuns Brasil afora, agora o show é levado ao público num circo moderno – mais poderoso e rico, porém distante do público. O circo de agora em nada lembra o de antigamente, quando se assistia às apresentações sentado em arquibancadas de madeira, sentindo o calor humano da platéia, ou nas cadeiras próximas do picadeiro, interagindo com os malabaristas, os domadores, as rumbeiras, os palhaços. Hoje, para alguém assistir ao circo moderno, tem que ter dinheiro para pagar o ingresso do ‘Cirque du Soleil’ ou então ligar o aparelho de televisão, sintonizar os canais de TV Câmara e TV Senado, tomar um remédio contra enjoo e esperar o show começar.

Quem assistiu à TV Senado na primeira semana de agosto de 2009, teve o privilégio de ver um dos espetáculos mais calhordas dos últimos tempos. Tudo começou segunda-feira [3/8], no primeiro ato. Com interpretações de fazer inveja aos grandes astros das redes de televisão abertas, contracenaram os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Bate boca daqui, bate boca de lá, era o prenúncio de uma das atrações mais vergonhosas vividas na esfera política nacional.

Discussão que faria corar malandro

Quarta-feira [5/8] começou o segundo ato. Entrou em cena o ator principal – o senador José Sarney. Quanta competência! Num estalar de dedos transformou os acusadores em acusados, como num passe de mágica.

Quinta-feira [6/8] começou o terceiro ato. Tal como Brancaleone, aquele cavaleiro medieval atrapalhado que liderou um pequeno e esfarrapado exército em busca de um feudo, entrou em cena Renan Calheiros, o líder da pequena tropa de choque para manter o seu feudo no Senado Federal. Da tribuna vociferou e leu uma representação do PMDB ao Conselho de Ética contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). De acordo com Renan Calheiros, o motivo da representação contra o senador tucano foi porque ele amparou em seu gabinete um funcionário ‘fantasma’ que fora estudar no exterior com as despesas pagas pelo Senado Federal.

Depois, mais dois atores entraram em cena: Arthur Virgilio, que ocupou a tribuna, assumiu a culpa e, de modo jocoso, leu para Renan Calheiros inúmeras matérias publicadas nos meios de comunicação acusando-o de praticar atos ilícitos. E, finalmente, entrou no palco o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que quase foi aos tapas com Renan Calheiros, numa discussão que faria corar qualquer malandro frequentador de prostíbulo barato.

Com o nosso dinheiro

Como nos circos de antigamente, o circo moderno também se vale de histriões para cerrar as cortinas do teatro dos absurdos. O da vez foi o senador suplente Paulo Duque – o bobo do castelo feudal de ‘Sir Ney’. Num ato de vassalagem, encerrou o espetáculo na sexta-feira [7/8], engavetando todas as representações movidas contra o seu suserano. Ao ser questionado por um repórter sobre o que a opinião pública acharia daquele atitude, respondeu: ‘Vai me achar lindo!’

E pensar que essa ópera bufa, para Tartufo nenhum botar defeito, é patrocinada com o nosso dinheiro, dá até para parodiar – a uma distância estelar – o poema À Cidade da Bahia, de Gregório de Matos (1636-1695): ‘Triste Senado! Oh quão dessemelhante…’

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Jornalista, Salvador, BA