Por que o Paquistão, país sem nenhuma tradição no futebol (o críquete é o esporte mais popular) é o maior produtor de bolas do mundo?
Vou contar uma história que já vem sendo contada há muito tempo. Ela é muito bonita e explica a força econômica desse belo país. Um militar inglês, dos tempos da colonização, jogava uma pelada por ali e teve a sua pelota furada. Ao procurar um sapateiro, conseguiu ter o problema resolvido. O nobre trabalhador dos calçados teve, então, uma brilhante idéia: ‘Por que não virar o maior produtor de bolas do mundo?’
Você gostou dessa história? Pois ela não foi retirada de nenhum conto fantástico, e sim, de uma reportagem do Esporte Espetacular, da TV Globo. O repórter Marcos Uchôa, ao que parece, acreditou nessa incrível história.
O conto da carochinha
O programa foi ao ar no dia 2/8, mostrando a história e beleza do Paquistão, além de perguntar sobre a aparente incoerência entre o desinteresse por futebol e a liderança na fabricação do principal acessório do esporte. Não houve curiosidade em saber por que multinacionais do setor se interessam tanto em fabricar seu material por ali, nem em saber quanto ganham os trabalhadores, quantas horas trabalham ou se existem crianças na produção. Todas essas questões poderiam ajudar a responder à pergunta principal da reportagem.
Pessoas de todo o mundo vêm denunciando a exploração da mão-de-obra asiática pelas transnacionais. O documentário Corporation, de Mark Achbar e Jennifer Abott, mostra como os trabalhadores desses países recebem centavos por produtos que custarão nos EUA milhares de vezes mais. Não sei se o repórter pensa que todos são burros a ponto de engolir o conto da carochinha, se ele acredita que o jornalismo esportivo não deve entrar nesses méritos (o que parece estranho, pois o tema tratado é, basicamente, econômico), ou se ele próprio crê em tudo aquilo. Ingenuidade e ausência de crítica, ou vontade de legitimar e mascarar um sistema econômico e seu cruel momento?
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Jornalista, Campinas, SP