A Globo completa 40 anos sem gênero narrativo que a ameace. Chega ao 40º aniversário ilesa, sem um contraponto, com discussões teóricas requentadas e com o beneplácito da grande imprensa. Nenhuma grande narrativa ou polêmica em torno da emissora sacudiu o mercado editorial brasileiro. Exceção feita ao livro Rede Globo – 40 anos de poder e hegemonia [ver remissão para resenha abaixo], organizado por César Bolaño e Valério Brittos e publicado pela editora Paulus. O livro reúne 17 artigos acadêmicos e traça um panorama histórico das Organizações Globo, sob a ótica da economia política da comunicação. É muito pouco.
Comungo o desabafo do jornalista Henrique Veltman, expressa no artigo ‘A verdadeira história da Globo’ [ver remissão abaixo], ao afirmar: ‘Não tenho lido e visto a história real do início desse império que agora comemora seus 40 anos de liderança’. A emissora vem contando a história do Brasil a partir de suas imagens, retocando um país que ora nos apresenta fora de contexto, ora ficcional.
A ausência de documentários de peso sobre a emissora não é de se espantar. A Globo dificulta o acesso aos seus arquivos e qualquer documentarista esbarraria em outras dificuldades. A inexistência no país de um arquivo público de imagens é a principal barreira.
Mas até agora o vazio editorial foi absoluto na publicação de livros-reportagem sobre a Globo, gênero em que o Brasil tem mais de 100 anos de tradição, se considerarmos Os sertões, de Euclides da Cunha, a nossa primeira grande reportagem, publicado em 1902. É bem verdade que depois da obra não tivemos por aqui um ciclo de livros-reportagem. A obra-prima de Euclides, que narra o massacre de Canudos como ‘crime’, é um hibridismo que abriga ensaio, reportagem, literatura, tragédia, história, mas é produto de uma observação jornalística e fruto da análise do maior fenômeno de imprensa já visto no país, a Guerra de Canudos.
Mesmo com ecos no jornalismo das primeiras décadas do século 20, nas crônicas urbanas de João do Rio, considerado inovador ‘no método de coletar informações por meio da entrevista’, o gênero só aparece no Brasil, com algumas nuances, na década de 70, durante a ditadura militar.
Ausência sintomática
Intitulado romance-reportagem, o novo meio nasceu impulsionado pela censura, influenciado pela onda do novo jornalismo americano, e gera um ciclo de publicações cuja temática era quase sempre policial. São exemplos dessa fase Lúcio Flavio, passageiro da Agonia (1975), de José Louzeiro, e O caso Lu (1975), de Carlos Heitor Cony. As obras têm importância sociológica, de testemunho e de credibilidade. Um ano depois, 1976, Fernando Morais lançou A ilha e se colocou como um dos principais nomes do novo biografismo.
A década perdida para os economistas, a de 80, delimitou nosso maior amadurecimento no livro-reportagem, a partir da biografia, consagrando livros como Morte no paraíso (1981), de Alberto Dines, e Olga (1985), de Fernando Morais, entre muitos outros. A publicação do romance-reportagem Cara, coroa, coragem (1982), de Sinval Medina, que narra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, deu ao romance jornalístico maturidade, autonomia e ‘equilíbrio estético’, como bem definiu o brasilianista Malcolm Silverman.
A ausência de livro-reportagem sobre a Globo é sintomática. Sobretudo porque a década de 90 representa um boom do mercado editorial brasileiro, com o crescimento do número de editoras pequenas e médias. Em quase uma década, de 95 até hoje, os principais livros publicados no Brasil relatam fatos e personagens históricos reexaminados sob a luz do jornalismo. Só nos resta agora esperar pelo cinqüentenário da Globo.
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Jornalista