Nestas últimas semanas venho tentando me afastar das redes sociais e, principalmente, do jornalismo mainstream brasileiro. Não se trata de uma tentativa de alienação, ou de proteção contra o mundo caótico que diuturnamente nos apresentam (afinal, este mundo sempre foi caótico), mas de tentar manter um mínimo de sobriedade reflexiva.
Tenho comigo que o jornalismo mainstream brasileiro, em sua desesperada busca por consumidores, abdicou completamente da sua função de informar e promover o debate público para se submeter às vontades e crenças do consumidor. Ao invés de propor pautas e ousar abordagens diferentes para velhas questões, satisfaz-se em reproduzir o palatável, o questionável, reforçando mitos e preconceitos e instigando o ódio na sociedade.
Sei, obviamente, que o Brasil não é exceção, mas é daqui que falo. Aliás, lamento que, hoje, o principal jornal a propor debates nacionais com um mínimo de profundidade seja o espanhol El País. Um jornal espanhol pautando nossa reflexão. Seria salutar se nossa imprensa tupiniquim aprendesse a antropofagizar a imprensa internacional, produzindo algo genuíno e progressista. Seria bom se as faculdades de jornalismo, que atualmente formam peritos em Control+c e Control+v, instituíssem o estudo obrigatório do Manifesto Antropofágico em seus currículos, Aliás, muito mais do que de diplomas, precisamos de autonomia. Muito mais do que de bacharéis, precisamos da regulamentação da mídia, para que a democracia da informação se imponha pela pluralidade de veículos de comunicação e para que o controle social seja capaz de substituir o controle financeiro.
Um jornalismo conformado, que fomenta ódio
Quando vejo o parlamento brasileiro (assim mesmo, em letra minúscula) definindo família como uma união de pênis e vagina, responsabilizo também a mídia. Esta mídia de Sheherazade que torna normal o linchamento de seres humanos em praça pública. Esta mídia “escola” de um Manhattan Connection que considera o Nordeste “culturalmente atrasado” e entende ser esta uma opinião sofisticada da classe média, em contundente exemplo do quão vira-latas podem ser nossos jornalistas, que veem o Brasil a partir de Viena. Esta mídia esgoto que põe em rede estadual um Hélio Costa humilhando uma Andressa Urach [1], e reforçando, assim, estereótipos sobre a prostituição que, na ponta, estimulam o preconceito e a violência física e moral contra os profissionais do sexo. Esta mídia que promove boato como verdade, delação como prova, ofensa inconsequente como liberdade de expressão – e aqui a lista não se restringe apenas à revista Veja, que em algum tempo já produziu jornalismo.
Cada vez mais, opinião vira notinha. Parece que o tempo do autor nas redações acabou. Crítica cultural, hoje, virou colunismo social. Análise política, fofoca de bastidores dosada em pílulas diárias. É como se estivéssemos vivendo uma espécie de twitterização da imprensa. Nada ultrapassa 140 caracteres. Tenho a impressão de que nossos editores, jornalistas e colunistas participaram de workshops de imersão em novilíngua e que Orwell apenas errou ao datar seu romance em 1984.
Chegamos ao tempo em que o jornalismo não forma mais opinião. É a opinião pública rés-do-chão que forma o jornalismo. Ou melhor, conforma. Porque é isto que temos hoje, um jornalismo conformado, obtuso, preconceituoso, que fomenta ódio em detrimento da reflexão, salvo raríssimas exceções. Um jornalismo que compartilha comentário de Facebook como furo de reportagem e busca curtidas ao invés de leitores.
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Viegas Fernandes da Costa é historiador e professor do Instituto Federal de Santa Catarina
[Episódio ocorrido numa entrevista ao vivo na Record, de Santa Catarina, no dia 25/9, quando o apresentador Helio Costa chamou a ex-modelo gaúcha Andressa Urach de “vagabunda” por ter sido garota de programas no passado.