“Esperamos que a solução para esse problema chegue: a chuva”, comentou a apresentadora de um telejornal local que registra elevados índice de audiência e alcance público. Junto ao comentário tecido, urge a indagação, que de certo, a maioria do público receptor de tal mensagem midiática, por apresentar um perfil simplório, não tenha refletido: Por que o jornalismo, que é uma atividade de responsabilidade social e que deve defender os direitos do cidadão, segundo apregoa o código deontológico da categoria, corrobora a perpetuação de que a crise hídrica no Nordeste brasileiro é culpa de São Pedro?
A seca no semiárido do país é um fenômeno natural periódico que assola a população, sobretudo, a mais carente de recursos, desde tempos remotos. A escritora Rachel de Queiroz, em sua obra, intitulada O quinze, já retratava os efeitos atrozes da escassez hídrica, de 1915. Tantos anos decorreram, de lá para cá, mas o cenário é o mesmo, e ao contrário do que a cobertura jornalística da imprensa potiguar prevê, não se trata de um castigo ou de “pirraças” de Deus. A solução para contornar a seca, definitivamente não vai cair do céu, pois está em políticas públicas que nunca se materializam.
A crise hídrica na região Nordeste já deveria ter sido amenizada com medidas tais como o monitoramento do regime de chuvas e implantação de técnicas próprias para regiões com escassez hídrica ou projetos de irrigação e açudes, além de outras alternativas. Já é sabido que em países como os Estados Unidos (EUA), mais precisamente na Califórnia, onde chove sete vezes menos do que no polígono da seca, é possível cultivar áreas imensas. Já no deserto de Negev, em Israel, consegue-se manter um padrão de vida razoável. Lá chove em média 300 milímetros por ano; no semiárido nordestino, por sua vez, chove 600 milímetros média.
O jornalismo de serviço e de utilidade pública, mesmo pautando temáticas sociais como a problemática da seca, de grande repercussão no cotidiano da população, tem paradoxalmente fomentado um desserviço à sociedade, cristalizando a mentalidade já tão arraigada de que o povo castigado pela escassez hídrica deve tão-somente esperar resignados que a solução lhe venha do céu, literalmente. Fato que só propicia uma verdadeira inércia pensante por parte dos cidadãos, que ouvem da grande imprensa (importante formadora de opinião), a lição de perpetuar a passividade diante da omissão do poder público concernente a um problema social tão urgente e tratado com descaso, fechando-se os olhos, empurrando para debaixo do tapete. Afinal, a indústria da seca é rentável para a classe política, que se aproveita da tragédia da crise hídrica.
À população parece restarem duas alternativas – ou se redobram as preces a São José ou se acredita na representação cômica e trágica da grande imprensa e dos nossos governantes.
***
Ana Karla Farias é jornalista