Talvez os professores de Jornalismo ocupem um espaço meio mágico no que tange ao mundo das notícias, das reportagens e da análise do que é publicado nos veículos de comunicação. Trata-se de um lugar do qual se pode refletir, apontar, fazer a autocrítica e experimentar sem maiores preocupações com os resultados, com a audiência, com o teor das críticas, sobretudo se o curso se situa em uma universidade pública.
Isso não corresponde à irresponsabilidade e não pactua com o descompromisso social. Nem de longe. É que os parâmetros em uma academia são outros. E o papel social do ensino universitário difere, por natureza, do produtivismo, do rentismo, da adoção de fórmulas que surtam efeitos capazes de conversão em curtidas, compartilhamentos, likes e tudo o mais.
Na academia, inclusive, se pode andar na contramão sem medo de ser qualificado como atrasado, museu, ultrapassado, coisa do século anterior, do milênio anterior, de um mundo que já não existe mais. Não que não haja correntes de pensamento, até fortes, que postulem pela adequação da universidade ao mercado de trabalho na linha do quanto mais acessório melhor.
Mas é que na academia os cabelos esvoaçantes, o bloquinho de anotações, a caneta sem tampa, aquele gingado desengonçado, a fala forte, dura e quase gritada, assim como o amor ao café, ao vinho, à cerveja, o sorriso maroto, as preocupações com o mundo ou as indagações mais filosóficas ainda têm função, têm adesão e embalam corações, mentes, sonhos, canções e são motores de uma História que não se encaixa em menus, em vídeos de um minuto, textinhos de cinco linhas, posturas falsamente moderninhas, pelo simples fato de se viver o mundo pela internet.
Os aspectos do jornalismo de causas
Afora os exageros, também dignos da narrativa que cria e sustém a aura do jornalismo romântico, toda essa poesia inútil aos olhos treinados, aos cérebros adestrados e aos desejos condicionados à força do cartão magnético (débito ou crédito?) tem função precípua na manutenção de um espírito febril, atento aos fatos, sedento por emoção, aberto ao desenrolar dos acontecimentos, afiado na apuração, sensível às dores do mundo e pronto a interpretá-las, expô-las, terapeutizá-las, estabelecendo um grande diálogo possível, na tentativa da construção de um outro mundo, também possível.
E é essa força acadêmica que pode ser vista com maus olhos pelo jornalismo sentado, pelo jornalismo sentado em dados, pelo jornalismo que não conhece entrevistados pessoalmente, pelo jornalismo customizado (feito para atender gostos e não para mostrar os gostos e desgostos a que todos os seres humanos estão sujeitos por estarem num mundo que é de todos)… que anima estudantes de jornalismo a tomarem chá-de-cadeira, a conversarem alto no laboratório de redação, a tirarem sarro no meio da pauta, a desconversarem quando o professor age como patrão, a enfrentarem a autoridade do campus, a darem as mãos quando o clima é de concorrência e se ensaia transformar a universidade numa grande empresa sem coração.
Desculpem-me pelas rimas, mas é que a proposta aqui é louvar o que chamo de “Ensino Romântico do Jornalismo”, descaradamente démodé, que ressalta aspectos deslumbrantes do jornalismo de causas, do jornalista de causas, da vida com causas, do amor às causas coletivas, do choro diante da morte, do horror diante da miséria, da ira santa perante a desfaçatez dos grandes planos excludentes. “Porque jornalista que se preze não se dá com a função do capataz que lambe botas e arma contra os iguais e nem com a do auxiliar de escritório que sonha um dia ser o dono do escritório”, diz, ávido, o espírito livre que anima o “Ensino Romântico do Jornalismo”.
Palavras doces e cortantes
Por isso, principalmente agora, num instante histórico em que pessoas têm dores no pescoço de tanto se dobrarem aos celulares, faz-se necessário olhar para o horizonte, colher frutas do pé, garimpar informações no chão batido da vida, ouvir causos em bares, esquinas, repartições e pedir sempre mais um prato de humanidade. O jornalismo é fundamental nessa lida humanística, e um ensino romântico, comprometido com utopias cada vez mais belas e grandiosas, cumpre um valioso papel, capaz de levar os estudantes da ilusão à grande conquista em milésimos de segundos e ainda assim mantê-los com o senso na concretude da realidade, que tanto deve ser bússola do ofício de noticiar, de reportar.
E para encerrar esta incursão poética pelo ensino do jornalismo, nada mais apropriado do que algumas palavras doces e cortantes a mais:
O solão dá cansaço e machuca nossos lombos. E suamos na contradição.
Vamos adiante uma parada, com luz, água. Entramos, ficamos um pouquito e aloitamos com uma boa comida.
De buchos cheios, alegres e confiados, quedamos. O outro dia há de vir para que possamos saber (“Café”, Gibran Luis Lachowski, 08-09-2011)
***
Gibran Luis Lachowski é jornalista e professor de Comunicação