Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quando o jornalismo tira a gravata

Há algumas semanas, o jornalista e crítico Maurício Stycer publicou, no programa UOL Vê TV, uma entrevista com o apresentador Celso Zucatelli – um profissional símbolo, como vários outros, da tão comentada passagem de muitos jornalistas que consolidaram uma carreira no jornalismo dito “tradicional” e hoje trabalham em programas que misturam as fronteiras da informação e do entretenimento (apenas para citar alguns, parece ser o caminho trilhado por Fátima Bernardes e Tiago Leifert, entre tantos outros). No meio da interessante entrevista, uma fala de Zucatelli (que migrou da Record para a RedeTV!) me chamou a atenção. Ao analisar a qualidade da TV aberta, respondeu: “Eu acho que tem de tudo. Tem coisa ruim e coisa muito boa. Eu gosto muito desta migração que a gente está fazendo, tirando esse jornalismo mais duro e careta e indo para uma coisa mais solta. A gente tem conseguido fazer uma coisa mais com cara de entretenimento, mas sem perder o conteúdo. A gente não perde a credibilidade tirando a gravata” (veja a entrevista aqui).

A frase que associa o jornalismo à gravata é bastante sintomática e pode nos levar a diversas reflexões, que dizem respeito às próprias funções fundantes do jornalismo: a sisudez sugerida pela roupa associa-se à formalidade de um profissional que está ali enquanto “receptáculo” de uma coisa mais importante que ele, ao menos naquele momento (o fato que, idealmente, será reportado pelo jornalismo). Ou seja, em uma reportagem televisiva, quem estaria ali é um acontecimento e não o profissional, que “empresta” suas capacidades investigativas, narrativas e mesmo seu corpo para levar ao espectador algo relativo ao mundo e alheio a ele enquanto indivíduo. A gravata, portanto, é um signo que garante: eu não estou aqui, a minha opinião pessoal não importa, o que importa é a realidade que transcorre lá fora da sua televisão (não por acaso, os clássicos manuais de telejornalismo costumam recomendar aos repórteres que não usem roupas chamativas e exuberantes, que tirariam a atenção do espectador da notícia e o fariam notar o profissional na tela).

A análise feita por Zucatelli, uma espécie de autorreflexão quanto ao tipo de programação que hoje ele representa, é bastante instigante e tem forte consonância com muito do que temos visto hoje na televisão. São várias as atrações que têm apostado no que chamaríamos em um modelo mais “solto”, nas palavras do apresentador, apostando mais no improviso e menos na formalidade – afrouxando a gravata do jornalismo televisivo, por assim dizer.

Seriedade e vigilância

Esta é uma das premissas de É de Casa, recentemente anexado à grade de sábado da Rede Globo (veja aqui). O programa (capitaneado por seis estrelas televisivas cujas carreiras se situam nesta zona nebulosa entre o jornalismo e entretenimento) tem já como primeira estratégia o cenário, inteiramente composto por uma casa com vários cômodos. Tal qual Mais Você, de Ana Maria Braga, e Encontro, de Fátima Bernardes, a estrutura é intimista: os apresentadores falam das suas vidas pessoais, interagem com internautas que mandam vídeos, os entrevistados se sentam como se estivessem na sala de algum velho conhecido. Não estamos mais – é o que o formato de É de Casa parece dizer – na frente daqueles velhos jornalistas austeros dos tempos áureos do Jornal Nacional.

É de Casa é híbrido em vários sentidos: mistura elementos de um talk show sobre tudo e nada, dicas práticas para a vida cotidiana (repetindo a fórmula do sucesso de Ana Maria Braga), debate temas já agendados no jornalismo e requenta matérias veiculadas por outros programas da emissora. Não há grandes novidades, e sim um verdadeiro pot-pourri de tudo que a Globo oferece.

Bem menos híbrido, o telejornal Café com Jornal, veiculado diariamente pela Band, parece ter encontrado uma fórmula mais adequada para um jornalismo mais “solto”, como comenta Zucatelli. Encabeçado pelo jornalista Luiz Megale e pela radialista e metereologista Laura Ferreira, o telejornal tem uma cadência dinâmica das vidas das grandes cidades e parece simular o ritmo frenético da vida de seus espectadores, que hoje trocam os alvos de sua atenção a todo instante (veja reportagens aqui). É um telejornal, mas parece, em alguns momentos, emular a experiência de acessar um portal online. Megale e Laura parecem inspirar-se na característica de certos âncoras da TV americana e pincelam comentários leves entre as atrações do programa, ao mesmo tempo em que costuram de forma eficiente os diferentes conteúdos, que vão desde hard news a jornalismo de celebridades (todos os eliminados de MasterChef, por exemplo, foram entrevistados no Café com Jornal).

Soltar a gravata, portanto, é uma opção possível e que precisa ser estudada com parcimônia pelas emissoras em busca de uma medida desejada em que se contemple a necessidade de intimidade do público, mas não afaste os jornalistas dos princípios fundamentais de seu trabalho. Não por acaso, pensaria eu, Gay Talese, um dos maiores jornalistas vivos – famoso, sobretudo, pela profundidade de suas investigações e pela precisão e elegância nas palavras escolhidas para relatar os fatos – é conhecido também pela sua impecável coleção de ternos. A gravata apertada, afinal, é apenas uma metáfora para a seriedade e a vigilância que os profissionais devem ter para o bom exercício de suas funções.

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Maura Oliveira Martins é jornalista, professora universitária e editora do site A Escotilha