Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Comunidades de leitores para checagem de fatos e sustentabilidade financeira

Este depoimento não revela nada de novo: os especialistas em mídia vêm proclamando as redes sociais como uma revolução na edição de textos durante boa parte da última década e definindo a mídia impressa e transmitida como uma anomalia histórica – como, por exemplo, o fórum Gutenberg Parenthesis, que, por um período, tirou de uma ampla parte da população mais pobre o poder da narrativa.

Mas as organizações jornalísticas demoraram para acompanhar a transição, navegando em círculos na mudança institucional. Os hábitos de séculos são difíceis de romper, ou pelo menos dobrar, e é difícil mudar os trilhos enquanto o trem ainda está em movimento. Mas isso não significa que os veículos não estejam conscientes da necessidade de se envolverem com suas audiências online.

“Nós ficávamos ouvindo dizer que a esta altura todo mundo sabe usar o Facebook e o Twitter, mas as pessoas também nos diziam que não conseguiam contratar quem soubesse usar essas ferramentas de uma maneira mais sofisticada”, disse a dra. Carrie Brown, diretora do programa de mestrado de jornalismo social da Escola de Jornalismo CUNY [City University of New York]. “[Alguém] que compreenda o que é essa história de envolvimento da comunidade de que todo mundo fala. E o que isso significa, concretamente? Como é que se faz esse envolvimento?”

Agora, quase completando o primeiro ano, seu curso espera mudar isso.

Compreender a audiência

Um dos estudantes vem trabalhando com comunidades em favelas brasileiras, ensinando as habilidades do jornalismo produzido por aplicativos móveis e incentivando os moradores a contribuírem com matérias e dicas. Um outro tem por objetivo as questões de saúde mental de afro-americanos, tentando eliminar o estigma e persuadi-los a compartilhar as informações que podem beneficiar todos. Uma terceira estudante optou por trabalhar em jornalismo social, uma “meta-comunidade” de profissionais no Twitter que tenta combinar seu trabalho com a indústria. “A ideia é tentar ensinar o jornalismo como um serviço, e não como um produto”, disse Carrie Brown ao First Draft News. “E tentar fazer com que nossos estudantes explorem melhor como conseguirão construir relações com as pessoas nas comunidades, compreendam melhor o que precisam e como entregá-lo de uma forma que seja a mais relevante para eles.”

O curso baseia-se nos “cinco pilares” do jornalismo social: ouvir, jornalismo, dados, tecnologia e talentos empresariais. A combinação dos cinco deveria proporcionar aos jornalistas a capacidade de por em prática a filosofia básica e adaptar-se com facilidade às novas tecnologias e desafios que, sem dúvida, continuarão a surgir no panorama digital, permanentemente em evolução.

Carrie Brown acredita que escutar com atenção é fundamental para qualquer tipo de êxito nas redes sociais e deveria ser o ponto de partida para qualquer estratégia digital. “Se você compreendesse um pouco melhor como as pessoas pensam em seus problemas e desafios de como resolvê-los, você poderia separar as matérias que você sabe que são importantes e torná-las mais relevantes e mais interessantes, de forma a que a audiência pudesse realmente compreender por que tem que prestar atenção.”

Aqui, também, isso não deve surpreender a maioria dos jornalistas. Afinal, compreender a audiência é a referência para a ascensão e queda dos impérios editoriais, mas em sua versão digital ganha novas formas. O sucesso do BuzzFeed, Vice e AJ+ entre as gerações mais jovens surge a partir de uma leitura quase sobrenatural das redes sociais: a compreensão implícita do que a audiência quer e a entrega do requerido da maneira que o desejarem, em grande parte porque os empregados são os mesmos que a audiência.

O fundamental é ser sustentável

À medida que o número de fontes de informação explodia, tornou-se ainda mais importante envolver os leitores no processo, mas os veículos locais, principalmente no Reino Unido, muitas vezes ignoram esse fato. Diante da hemorragia de dinheiro pelo buraco da receita, em consequência da queda dos anúncios classificados, muitos veículos demoraram para acompanhar a corrente, além de fazerem um leve aceno a um website e a uma rede social.

No entanto, aqueles que mergulharam estão agora colhendo os frutos. O Texas Tribune, por exemplo, criou uma atividade de eventos em 2009 que, em quatro anos, colhia mais de um milhão de dólares. O Bristol Cable, da Grã-Bretanha, é entusiasticamente aplaudido por suas investigações locais, irá comemorar em breve seu primeiro aniversário como uma cooperativa jornalística e pretende expandir sua equipe editorial à medida que se vai tornando autossustentável.

A ProPublica, que ganhou os prêmios Pulitzer e Peabody, embora nem sempre tenha como foco interesses locais, coloca o envolvimento da comunidade no centro de suas investigações. Este ano, a ProPublica recebeu 2,2 milhões de dólares para expandir sua plataforma de financiamento coletivo [crowdsourcing].

É verdade que, em grande parte, trata-se de organizações sem fins lucrativos, mas isso não significa que o mesmo não possa ser feito com empresas com acionistas. “É óbvio que há um aspecto de ‘ser bonzinho’”, continuou Carrie Brown. “Nós estamos escutando as comunidades, a democracia e tudo isso de bom, mas, na realidade, o resultado final é ser sustentável. É para isso que apontam todas as pesquisas. Para conseguir lealdade e credibilidade e tudo aquilo que leva as pessoas a fazerem uma assinatura ou conseguirem que os anunciantes paguem uma tarifa decente, são essas as coisas que você tem que fazer. Eu acho que isso está vinculado à sustentabilidade do negócio.”

Pessoas que se preocupam com as questões do jornalismo

Se as publicações com fins lucrativos investissem para envolver suas audiências ao invés de, ou além de, anunciar soluções que alienam ou tornam o leitor uma commodity, e paywalls que escondem as matérias de qualidade da vista do público, elas não só dariam apoio ao negócio, como melhorariam o jornalismo propriamente dito.

Segundo Carrie Brown, dentre todos os assuntos que constam do mestrado de jornalismo social da CUNY [City University of New York] a verificação e a coleta de informações sociais são as mais importantes de todas. “Quanto mais envolvida esteja a sua comunidade… você também irá obter perspectivas que talvez não conseguisse e que aperfeiçoam a exatidão de sua reportagem. Mas você também pode conseguir que elas o ajudem a checar os fatos; elas são o olhar de que você precisa.”

Quando dois jovens jornalistas – Alison Parker e Adam Ward – foram fuzilados ao vivo em agosto, perto de Roanoke, estado de Virgínia, a equipe de envolvimento de audiência do Wall Street Journal foi fundamental na verificação de informação e na canalização do retorno para os jornalistas. “A equipe da audiência é exatamente como os repórteres de rua”, declarou Carla Zanoni, chefe do programa de mídia emergente e desenvolvimento de audiência, à Columbia Journalism Review, “na medida em que eles se sentem como se tivessem sido treinados para isso.”

E quando o Guardian lançou sua investigação interativa a respeito do envolvimento de oficiais em tiroteios nos Estados Unidos – The Counted –, os repórteres começaram por procurar ativistas nas redes sociais para compreender melhor a situação e “garantir suficiente legitimidade para criar um espaço para si próprios”.

“Tornou-se bastante evidente que sem construir uma comunidade de pessoas que se preocupam com as questões em torno do jornalismo, o jornalismo não teria o mesmo sucesso”, disse a diretora de audiência do Guardian nos EUA, Mary Hamilton, à Columbia Journalism Review para o mesmo texto.

Não se trata de uma receita”

Entretanto, a prática não se deveria limitar a organizações sem fins lucrativos ou organizações jornalísticas internacionais com dinheiro para fazer a experiência. Há quase cinco anos, Justin Auciello, morador de Nova Jersey, vem editando uma página no Facebook na qual divulga os temporais que chegam ao litoral do estado. Ele trabalha com sua comunidade e procura e verifica informações para dois condados de Nova Jersey. Essa página do Facebook tem atualmente 230 mil seguidores e as pessoas mandam dicas e informações para a página diariamente, um nível de interatividade e conversação de magnitude superior à de de muitos veículos jornalísticos no Reino Unido.

Justin Auciello optou pelo Facebook porque “é lá que fica todo o mundo” e Carrie Brown diz que essa maneira de pensar é fundamental para construir uma comunidade, seja ela onde for.

“Nós tentamos dizer [aos estudantes] para irem onde as pessoas estão”, disse Carrie Brown. “Se sua comunidade for muito ativa no Twitter, é para lá que você deveria ir, mas se forem poucas pessoas ou um assunto individual, tentamos centrar o foco nesse aspecto, ao invés de tentar convencer as pessoas a usarem ferramentas que seriam mais convenientes para um jornalista. Tentamos chegar lá e encontrar pessoas que já estão envolvidas e perguntar o que poderíamos acrescentar à conversa. De que informação precisam? Desse tipo de coisa.”

E isso não torna superados nem substitui os princípios básicos do jornalismo; todos os jornalistas continuam tendo que saber fazer as perguntas, estruturar uma matéria e fuçar informações. Mas quando é tão fácil, como agora, envolver as próprias pessoas nas matérias, como ignorar sua contribuição para o processo?

“Cada comunidade é diferente e, por isso, é interessante ver qual abordagem funciona e qual não funciona”, disse Carrie Brown. “Não se trata, em absoluto, de uma receita. Nós não podemos dizer-lhes ‘Aqui estão as dez coisas que você precisa aprender a fazer e a coisa vai funcionar se você o fizer desta maneira.”

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Alastair Reid é secretário de redação do First Draft News