Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Emoções a venda

O mundo ficou chocado diante dos atentados na França. A imprensa repercutiu amplamente. O Jornal Nacional não citou a Lava Jato. William Waack, no Jornal da Globo, pela primeira vez no ano não criticou o PT ou o governo. O Facebook se coloriu e a comoção foi geral. O rompimento da barragem de Mariana e uma tragédia ainda maior virou notícia também em todos meios de comunicação e redes sociais. Outra grande comoção, só que dessa vez, nacional.

O mais triste dessas duas tragédias foi o debate que se instaurou nas redes sociais: qual a tragédia mais importante? A resposta é simples: a mais divulgada. Nos tempos de hoje a pauta jornalística define as emoções e (em muitos casos) as reações do público às notícias. Muito além de informar, a imprensa virou uma fábrica de sentimentos direcionados a favor das suas linhas editoriais. É simples. Se você quer odiar o governo, assine Veja. Se você quer continuar defendendo-o, assine já a CartaCapital.

No alvo da imprensa, o pobre do consumidor. Ele se orienta cada vez mais pelas redes sociais, é verdade, e por vezes compartilha mentiras absurdas apenas porque o título representa o que ele sente, sem se importar muito se a notícia é falsa ou verdadeira. Mas quando a matéria recebe o carimbo de O Globo, Folha, Veja, CartaCapital, bem… aí é verdade absoluta e inquestionável.

Um banquete de atentados

Ironicamente, nessa fábrica de emoções, a morte perdeu o poder de emocionar. As pessoas discutem se as vítimas de Mariana devem ou não ter mais importância que as vítimas dos atentados franceses. Uma funesta hierarquia dos mortos. A mídia festeja a morte. Paz não vende jornal, diria um amigo. Manda jornalistas pra todos os lados, tomando chuva, pisando na lama, no enterro dos franceses, na Síria. Um show de reportagem. Essa imprensa urubu nem tenta esconder o prazer que sente em cobrir as tragédias, chacinas, atentados. A informação, porém, vem retocada das opiniões das linhas editorias. Certa vez o jornalista Carlos Alberto Sardenberg fez malabarismo para culpar Lula pela crise econômica na Grécia. Assim também, parecem esquecer que a França está em guerra com o Estado Islâmico há meses, o que, apesar de não justificar, explicaria os motivos desse atentado.

Eis que no meio desses interesses midiáticos em plantar as nossas emoções surge o Google. Numa rápida pesquisa descobrimos que seria preciso um atentado, como o da França, todos os dias, para igualar o número de brasileiros assassinados em nosso país. A média de 2014 foi de 143 homicídios diários. Porém, o Facebook não fez bandeirinha. Não houve nenhuma matéria dura do Domingo Espetacular sobre isso, ou do SBT Repórter. Os governantes não apresentaram nenhuma solução e o povo vem pedir o fim do Estatuto do desarmamento para que cidadãos de bem possam andar armados novamente.

Vivemos num mundo de emoções, com pessoas cada vez menos racionais. Uma imprensa que vende ideias e semeia sentimentos, ao invés de informar. Um tempo de crises política, econômica, social, ética, ideológica e religiosa. Um país com pessoas cada vez mais racistas, retrógradas, omissas, xenófobas e homofóbicas. Tempos em que um pastor evangélico ri dos atentados para criminalizar a religião alheia. Em que notícias sobre desemprego e crise econômica são passadas em meio a risos pelos âncoras. Um país que #prayForParis mas é contra o Bolsa Família. Um Brasil “de esquerda” com Joaquim Levy na Fazenda. Uma imprensa que se alimenta das mortes dia-a-dia e se banqueteia com atentados. E a presidente vai ao local de um desastre ecológico, onde morreram vários brasileiros, e sua principal citação são as pesadas multas que serão impostas aos causadores daquela sujeira.

Que venha 2016. 2015 já deveria ter acabado.

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Erick da Silva Cerqueira é publicitário