Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tratamento jornalístico desigual para duas tragédias

Bastou um fato do outro lado do Atlântico para que o pobre e agonizante jornalismo esquecesse o seu principal desastre e nacional e direcionasse o foco para os acontecimentos em Paris. Era o que faltava para que a grande mídia procurasse desviar a atenção de uma nação inteira, deixasse de investigar as causas locais e passasse a investigar as causas de uma ação premeditada de fundamentalistas fanáticos que, em nome da paz, fazem guerra contra quem, também em nome da paz, brinca de jogar bombas no território alheio.

Os atentados em Paris, na última sexta-feira (13/11), vitimando mais de uma centena de pessoas na casa de shows Bataclan e em cinco outros locais, deixando centenas de feridos, abafaram por completo os noticiários das comprometidas grandes redes de comunicação (não critico aqui os profissionais), mas os patrões, que já vinham demonstrando certo desconforto para falar da agonia de dois estados brasileiros e por consequência de um desastre ambiental provocado pelo rompimento de uma barragem de lama tóxica que engoliu casas e contaminou as águas do Rio Doce, um dos maiores do mundo, afetando o ecossistema de maneira incalculável. “Vamos providenciar água e desatolar os mortos pra dizer que estamos fazendo a nossa parte.”

Paris caiu do céu, justo no chafurdado momento em que as redes sociais mostravam ao mundo os responsáveis pela lama e os noticiários tentavam limpar a barra dos culpados. O foco agora é investigar os responsáveis pelos atentados em Paris e a ameaça aos americanos, mesmo que o Estado Islâmico já tenha assumido a culpa. Aqui, já se conhecem os culpados, mas eles jamais assumirão a culpa.

Quem paga o preço pela ganância, pela intolerância, pela irracionalidade e a total falta de compromisso com o outro é quem está nas suas casas e se vê coberto de lama ou quem está num show de heavy metal e morre sem saber o motivo.

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Flávio Damiani é jornalista