Quando estudamos Jornalismo, submetem-nos a um treinamento pontual. Plantam dentro de nós o exercício da apuração, do lead, a hierarquia das informações, os tipos de fonte, os bons personagens, as citações, os fatos e os dados.
O jornalismo, porém, não pode partir da premissa de que a história se repete – e pronto. Histórias têm individualidades e não podem ser genericamente misturadas e maltratadas. As vítimas de qualquer incidência inflamada nos telejornais, nas redes sociais, nos portais, nos jornais e nas revistas, têm rosto, particularidades, sonhos interrompidos.
O rompimento da barragem de Fundão acometeu, no dia 5 de novembro, centenas de famílias na unidade industrial de Germano, entre os distritos de Mariana e Ouro Preto (cerca de 100 km de Belo Horizonte). Esguichou sobre casas, sítios, avenidas, rios, carros, um mar de lama que devastou distritos próximos. Bento Rodrigues foi o mais atingido.
Cerca de doze pessoas, dentre elas Emanuely, de cinco anos, deixaram para trás expectativas. Deixaram mães que não conseguem calcular a dor. Deixaram filhos órfãos de pai, de mãe. Órfãos da memória, soterrada. Deixaram desabrigados sob o relento, à mercê da sede, da fome, do frio. As vítimas da barragem não devem ser tratadas numericamente, em meio a inúmeras especulações. Devem ter de igual modo suas histórias grafadas. É papel do jornalismo o relato digno e esclarecedor de vidas.
Jornalismo é para se fazer insurgir
Por isso escrevemos esta carta aberta aos estudantes de Minas Gerais, sobretudo de Jornalismo – com seu estigma de relatar – a produzir um material producente sobre a tragédia de Mariana. Empenhem-se em trabalhar com narrativas voltadas à tragédia. Escrevam livros-reportagens, artigos, ensaios. Arquem com o compromisso, primordial do Jornalismo, de remontar histórias. Deem voz a emudecidos pelo terror de enxergar o barro sobre a própria história. Devolvam à sociedade um jornalismo de verdade. Investiguem. Aprofundem o assunto. Abandonem as coberturas superficiais. Deem nomes aos bois. Apontem os culpados. Explicitem as causas e consequências do fato. Tratem o ocorrido como um crime ambiental e não como um acidente. Expliquem à sociedade que a tragédia poderia ter sido evitada. O compromisso do jornalismo é com a verdade e não com os interesses econômicos.
Informação é direito da sociedade e dever do jornalista. Os cidadãos devem ter acesso a notícias que façam com que eles possam participar, de alguma forma, da vida pública. O jornalista é como um promotor público, como um advogado, como um médico. Nossa atuação é de extrema importância. Um erro, várias consequências. Uma reportagem superficial, cidadãos desinformados. Percebam isso, estudantes! Não é clichê e nem utopia, podemos contribuir com uma sociedade melhor, se quisermos.
Jornalismo não é pra enterrar, imergir, minimizar, como fazem muitos veículos de comunicação quando surgem novos fatos. Jornalistas, não enterrem a memória do Estado de Minas Gerais. A tragédia enterrou vidas. Nós devemos desterrá-las para que acontecimentos como este não voltem a ocorrer. Não deixem que o assunto saia da agenda setting dos veículos de comunicação. Uma cobertura jornalística responsável é fundamental para o esclarecimento dos fatos. Para que os interesses econômicos não vençam.
Mais do que os critérios de noticiabilidade, jornalismo é para se fazer insurgir, relembrar, ritualizar. Jornalismo é para isso, gente. Jornalismo serve para escavar a lama endurecida e remontar, dos escombros, vidas.
Apurem, descrevam
Afora das redações atreladas ao deadline, estudantes podem e devem devolver à sociedade a confiança a que recebem. Demonstram que aprenderam o papel social da profissão. Com autonomia, relatar, conceder espaços para vozes.
Fazer diferente de quem vive em volta das hashtags e dos avatares nas redes sociais. Demonstrações que pululam, mas pouco esclarecem. Jornalismo clareia, interpreta, dá voz, não cala, desligando a câmera, retirando o microfone da boca de quem perdeu tudo e só tem a “liberdade de expressão” como símbolo de existência.
Estudantes de Minas Gerais, de todo o Brasil de tragédias, produzam narrativas responsáveis. Legitimem nosso caráter intermediador. Não se calem, apurem, descrevam.
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Yago Sales é estudante de Jornalismo e Juliana Junqueira é jornalista, mestre em Comunicação e professora de Jornalismo