Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O fundo para recuperar a bacia do rio Doce

“No Brasil, o sucesso é ofensa pessoal” (Tom Jobim)

Andei pensando muito em Tom Jobim na última semana. Bastante. Tem uma frase dele que anda me martelando nos últimos dias. Volta e meia ele era “acusado” de ser um compositor americanizado, que a bossa nova era feita para gringo e não tinha raízes brasileiras. Nos anos 80, Tom Jobim vendeu para a Coca-Cola os direitos de “Águas de Março”. Foi um escândalo! “Vendido”, “traidor” e “entreguista” foram alguns dos mais leves adjetivos dirigidos a ele.

Como se nota, o show de grosserias e barbaridades não nasceu com o Facebook. Tive o prazer de ver Tom no palco em duas oportunidades e me considero um sujeito de sorte por ter tido este privilégio. Nunca passou pela minha cabeça deixar de gostar de Tom Jobim por ser um “vendido aos ianques”. Mas imagino que neste momento o fotógrafo Sebastião Salgado esteja bem chateado com esse imenso mar de lama que vem sendo vomitado por alguns “especialistas em mineração/marketing cultural/fotografia” no FB. Não entendo nada de fotografia, mas admiro Salgado desde os anos 90, quando vi “Êxodos”, no Sesc Pompeia. Fiquei impressionado com a dramaticidade de seu trabalho. Tive ainda a felicidade de ser um dos poucos privilegiados a participar de um evento em que ele esteve, ao lado de Chico Buarque e José Saramago.

Suponho que todos estejam sabendo que, tão logo aconteceu o rompimento da barragem da Samarco, Sebastião Salgado levantou a proposta de se criar um fundo com recursos públicos e privados para recuperar a bacia do rio Doce. Pronto! Foi o que bastou para que surgissem os especialistas e denuncistas de plantão – pessoas que sequer devem ter ido a alguma exposição de Salgado ou tampouco viram o excelente documentário sobre sua vida – taxando o fotógrafo de ser um oportunista e de ser patrocinado pela Vale em seus projetos pessoais e ambientais. O mais curioso é que alguns destes “especialistas” possuem posições bem mais tolerantes quando estão envolvidos alguns nomes detidos na Operação Lava Jato, mas isto não vem ao caso.

Não vendi nada para a Coca-Cola”

“Denunciam” o patrocínio da Vale como se o declarado apoio financeiro da empresa fosse algo oculto, sorrateiro, algo como uma propina passada na calada da noite. De uma hora para outra, Sebastião Salgado passou a ser tratado por estes “especialistas” como um Cerveró qualquer. “Salgado está protegendo a Vale”, vociferam. Ora, basta ir no site do Instituto Terra e ver as parcerias feitas em projetos ambientais. Há também apoio do BNDES, do Banco do Brasil e do governo de MG. Tais apoios tornam Salgado um oportunista que propõe algo em causa própria por medo de perder um de seus patrocinadores? E a sua história de vida? É uma farsa? Para estes energúmenos, o simples fato de ter a Vale entre seus patrocinadores já é motivo para desqualificar o mais reconhecido fotógrafo brasileiro no planeta. Joga pedra no Salgado!

Volto ao Tom. Em 1988, dois anos antes de morrer, ele desabafou em uma entrevista: “Essas pessoas resolvem que fazer anúncios para a Coca-Cola é pecado. Eu posso anunciar cachaça, Brahma Chopp, mas não posso cometer o pecado mortal que é anunciar Coca-Cola. Eu não vendi nada para a Coca-Cola. Eu apenas licenciei o mote de ‘Águas de Março’. Todo o Brasil pode cantar tranquilamente esta música.”

É o fundo do poço, é o fim do caminho. Vou te contar…

***

Guilherme Meirelles é formado em Economia e pós-graduado em Jornalismo com especialização em Redes Sociais