“Duvido que muitos dos que irei citar neste trabalho tenham se aproximado do jornalismo com a menor intenção de criar um novo jornalismo, um jornalismo melhor, ou uma variedade ligeiramente evoluída.” Foi dessa forma que Tom Wolfe abriu o famoso ensaio The New Journalism – gênero consolidado na imprensa americana durante a década de 1960. Junto a Wolfe, grandes nomes, como Gay Talese e Truman Capote, fizeram parte do movimento que estreitava a distância entre reportagem jornalística e literatura.
Ao adentrar o conceito de new journalism, é possível encontrar caminhos que tragam discussões relacionadas às formas de se fazer jornalismo. Portanto, é coerente discutir o jornalismo de soluções dentro desse contexto. A expressão traduz uma nova maneira de apurar que traz possíveis soluções para um problema. A Solutions Journalism Network [organização que defende o jornalismo de soluções] explica a ideia em seu manual:
“Many of us became journalists because we want to have an impact, to make the world better. But uncovering wrongdoing isn’t the only way to have an impact. Revealing problems is crucial, of course – but that impact is magnified if alongside the problems, we report on how people are trying to solve them” [“Muitos de nós se tornam jornalistas com o intuito de promover um impacto positivo para o mundo. Mas descobrir irregularidades não é a única maneira de tornar o mundo melhor. Revelar problemas é crucial, é claro, mas o impacto positivo dos jornalistas é ampliado se, ao lado dos problemas, forem relatadas soluções” (tradução nossa)] (2015, online).
Qualquer indivíduo possui, na palma de sua mão, inúmeros tipos de conteúdo. As pessoas estão se comunicando com mais facilidade e o acesso à informação está cada vez mais democrático. Esses foram avanços importantes na área da comunicação, mas a qualidade do que é transmitido não é a mesma. O valor do jornalismo encontra-se, justamente, na fraqueza das informações propagadas pela velocidade dos dias de hoje. Cabe a ele passar para o público fatos verídicos, conteúdo preciso e, acima de tudo, soluções.
Inovar, apurar informações precisas e promover o jornalismo de soluções são medidas contempladas pela teoria do newsmaking, pois fazem parte de um processo de produção.
“O processo de produção da notícia é planejado como em uma rotina industrial. Tem procedimentos próprios e limites organizacionais. Portanto, embora o jornalista seja participante ativo na construção da realidade, não há uma autonomia incondicional em sua prática profissional, mas sim a submissão a um planejamento produtivo” (PENA, 2005: 129).
Novas facetas de um novo newsmaking
Tendo em vista o planejamento produtivo jornalístico, pode-se chegar ao cerne do jornalismo de soluções. Essa “categoria” requer um processo de produção diferenciado e envolve questões delicadas. Ela ultrapassa limites da zona de conforto em que a maioria das redações se encontra, exigindo que seus profissionais apenas situem fatos, narrem acontecimentos e, às vezes, contextualizem mais profundamente alguma grande reportagem. É esse ponto de vista que defende Carlos Castilho, em publicação no Observatório da Imprensa:
“Propor soluções para problemas públicos num jornal, revista, rádio ou telejornal sempre foi uma iniciativa arriscada e, muitas vezes, frustrada pelo fato de ser associada a interesses do repórter ou do editor. O que os anglo-saxões chamam de advocacy através da imprensa só é uma ação tolerada quando envolve interesses das empresas jornalísticas. A norma vigente, na quase totalidade das redações, é a de que os profissionais devem se limitar à descrição do problema, e em casos especiais à sua investigação e contextualização ampliada. A regra não escrita atribui às autoridades competentes a busca de soluções para a questão em agenda” (2015, online).
Pequenos são os limites entre objetividade e subjetividade. Ao propor uma solução, o jornalista deve ser cauteloso, pois sua visão de mundo e suas crenças podem esbarrar na construção de saídas para um problema. O que não significa que o profissional deva produzir somente textos isentos de qualquer tipo de conhecimento ou de discussões acerca de um tema.
Esse modelo de jornalismo, que propõe e instiga, é de extrema importância social e não precisa ser, necessariamente, subjetivo. O jornalista que coloca uma solução pode produzir conteúdo distante de suas ideologias e opiniões, desde que seja cauteloso.
O processo de apuração, no jornalismo de soluções, deve ser mais aprofundado e meticuloso, pois para apresentar resoluções de problemas são necessárias bases factuais verídicas. Francisco José Karam conta a perspectiva de Daniel Cornu, estudioso da área:
“O jornalista e professor (Daniel Cornu) defende a necessidade de recuperar a objetividade como método, de o jornalista recorrer aos princípios deontológicos, entre eles exatidão, descrição correta dos fatos, informações com origem conhecida, retificação de erros, fidelidade a textos e documentos” (KARAM, 2004).
Ou seja, a objetividade, entendida dessa forma, é um princípio que pode servir como base para construir jornalismo de soluções. Nesse sentido, incorporar análises mais profundas aos métodos de produção e problematizar temas levantados nas pautas constituem novas facetas de um novo newsmaking, que se rearranja e se reinventa de acordo com as tendências jornalísticas que surgem no mercado.
Referências
CASTILHO, Carlos. “Jornalismo de Soluções”, por Carlos Castilho. Observatório da Imprensa. São Paulo, 22 de janeiro de 2015. Disponível em: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/jornalismo-de-solucoes-uma-alternativa-para-o-denuncismo-na-imprensa/. Acesso em 12 de novembro de 2015.
KARAM, Francisco José. A Ética Jornalística e o Interesse Público. São Paulo: Editora Summus Editorial, 2004.
New Journalism – As origens do New Journalism. Gonzo Jornalismo. Disponível em: http://www.qualquer.org/gonzo/monogonzo/monogonzo02.html. Acesso em 12 de novembro de 2015.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
“The Solutions Journalism Toolkit”, 2015. Disponível em: http://solutionsjournalism.org/wp-content/uploads/2015/01/FINAL-Journalism-Toolkit-singles.pdf. Acesso em 27 de novembro de 2015.
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Rafaela Andrade é estudante de Jornalismo