Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Enfim, os pedaços da crise se juntaram

Com a prisão do senador Delcídio Amaral, ficou quase obrigatório juntar as coberturas da crise política, da encrenca das contas públicas, da recessão e dos problemas de articulação do governo. A manchete do Globo no sábado, 28/11, arrumou tudo num grande conjunto sob o chapéu “escândalos em série”. O título principal anunciou: “Governo vai parar”. Logo abaixo, três títulos detalharam a história: bloqueio de R$ 10 bi, cancelamento das viagens presidenciais ao Vietnã e ao Japão e suspensão de pagamentos a partir da terça-feira. Outra grande história do dia, o acordo entre diretores da Andrade Gutierrez e a Justiça para delação premiada e pagamento de R$ 1 bilhão por desvios, também saiu com destaque, mas na metade inferior da capa.

Para quem ainda tivesse alguma dúvida, a unidade da história ficou evidente, afinal, ou começou a ficar, a partir da quarta-feira, quando a Polícia Federal prendeu o senador e o banqueiro André Esteves, controlador do BTG Pactual. Só o Valor juntou tudo na manchete (“Prisão de Delcídio e Esteves pode agravar crise política e econômica”), mas todos os grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, de alguma forma, apontaram o novo risco para a política econômica.

O Valor chamou a atenção para o adiamento, no Congresso, da sessão programada para o exame de itens importantes da pauta econômica. Um desses itens era a alteração da meta fiscal. Em vez de superávit de 1,2% do produto interno bruto, o governo teria um déficit de 0,85%. O resultado primário é calculado sem se levar em conta o pagamento de juros. Globo e Valor deram a informação como parte dos textos principais sobre a prisão. No Estadão e na Folha de S. Paulo, o detalhe foi apresentado em pequenos textos separados, com título próprio.

Segundo a matéria do Estadão, publicada na página 4 do caderno de Economia, o adiamento da votação criaria “riscos legais” para o governo imporia um dilema à presidente Dilma Rousseff: paralisar o governo, com um “duro corte de despesas federais”, ou repetir uma manobra já considerada ilegal pelos ministros do Tribunal de Contas da União. Essa manobra seria agir como se a nova meta fiscal de 2015 – um déficit primário de até R$ 119,9 bilhões – já estivesse aprovada pelo Congresso.

As edições de quinta-feira já mostraram claramente, portanto, o tamanho a encrenca legal. Mas na sexta-feira só o Globo tratou o assunto como um grande tema de primeira página. A manchete “Prisão de Delcídio pode paralisar o governo” pôs em destaque a situação de um Executivo preso numa armadilha. Abaixo da manchete, uma linha bem visível de explicação: “Com votação da meta fiscal adiada, máquina corre o risco de parar”.

No mesmo dia, Folha de S. Paulo e Estadão deram como notícia principal, na primeira página, a explicação de Delcídio sobre seu plano de influenciar Cerveró e de ajudá-lo a fugir:  foi uma “questão humanitária”, disse o senador. “O BTG Pactual não está à venda, garante Arida”, deu o Valor no alto da página,contando o esforço do presidente interino, Pérsio Arida, para preservar o banco no meio da crise.

As dificuldades na execução da política fiscal

Jornais conseguiram ir além da cobertura mais óbvia, nesses dias, fazendo, por exemplo, um balanço das delações e prisões da Operação Lava Jato ou mostrando as dimensões e ramificações do negócios do BTG Pactual. Mas poderiam ter explorado mais amplamente as dificuldades de execução da política fiscal.

Ainda há aspectos mal definidos no projeto de Orçamento do próximo ano. O Executivo continua a defender a recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), mas falta acordo até com os parlamentares encarregados de dar a forma final à proposta.

Mais que isso: nem a revisão da meta fiscal de 2015 estava aprovada no Parlamento, na última semana de novembro. Membros da Comissão Mista de Orçamento têm tido problemas para se entender com a equipe econômica, mas nem os ministros do Planejamento e da Fazenda falam a mesma língua. As divergências em relação a metas fiscais e, principalmente, em relação aos gastos públicos são notórias.

A desarticulação interna do governo já resultou, para citar um exemplo muito significativo, no envio ao Congresso, no fim de agosto, de uma proposta de lei orçamentária para 2016 com previsão de déficit primário. Uma das conseqüências desse escorregão foi o rebaixamento da nota do Brasil para o grau especulativo, pela agência Standard & Poor’s. O governo acabou recuando e refazendo o projeto.

Resumir os desacertos internos do governo e suas dificuldades de articulação até com a base parlamentar ajudaria a tornar mais clara, para muitos leitores,  encrenca política e econômica dos últimos dias. Seria pelo menos tão útil quanto por em perspectiva as delações e prisões da Lava Jato.

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Rolf Kuntz é colunista de O Estado de São Paulo e professor de filosofia política na USP