Eduardo Cunha precipitou-se ao recorrer ao decisivo xeque-mate: se não o consumasse, iria se desmoralizar. Dilma Rousseff dispõe de mais opções embora tenha demorado em perceber o desespero do adversário — poderia ter fechado o cerco bem antes se jogasse sozinha, obedecendo apenas aos instintos de sobrevivente. Os palpites do consorte, o presidente Lula, agora mais vulnerável e desprovido da aura de infalibilidade, obedecem a outros instintos.
Apesar das perplexidade e vacilações, as energias de Dilma Rousseff concentram-se em salvar um único objeto: o seu mandato ou sua honra (dá no mesmo), enquanto Cunha joga pensando um preservar um embaraçoso pacote de preciosidades: o cargo, o mandato, a liberdade, a fortuna e o futuro – seu e da família.
Dilma estava certa ao rifar o vice Michel Temer e sua legião de peões. Um partido-bengala será sempre uma bengala e, se porventura, mostrar pretensões para assumir outras funções corre o risco de ser descartado. A vitória de Eduardo Cunha ao arrebatar a presidência da Câmara foi insuficientemente avaliada pelo comando político do governo, pelo PT e também por uma imprensa desavisada e desatenta à periculosidade do parlamentar fluminense. Se Temer não teve condições — ou vontade — para evitar a meteórica ascensão do seu comandado (afinal é presidente do PMDB), sua serventia como parceiro reduziu-se sensivelmente.
Único peemedebista que deveria ter sido levado a sério (ex-presidente de um monte de poderes inclusive da República), humilhado no primeiro turno do pleito passado, desterrado em sua terra natal, José Sarney foi agraciado com um rasgo de tardia sabedoria.
Antes da posse da candidata reeleita ofereceu-lhe junto com um claro mea-culpa preciosa dádiva: um projeto de reforma do Estado. No violento embate que precedeu as duas votações – a mais furiosa e perversa das nossas disputas eleitorais — a velha raposa ferida percebeu que o Estado brasileiro não seria capaz de aguentar nova turbulência.
A premonição de Sarney
Por isso brindou-a com um roteiro de medidas capazes de permitir que em 2018 entregue ao sucessor ou sucessora uma república imune às tentações desagregadoras do presidencialismo imperial: o regime parlamentar. Não foi ouvido nem lido. Seu artigo na “Folha” ( título O Futuro Presente) não mereceu qualquer comentário, aplauso ou reprovação. Nem mesmo do jornal que o veiculou.
Mesmo ameaçada por um impeachment engendrado pelas mais sórdidas maquinações e talvez por isso mesmo, Dilma Roussef deveria oferecer imediatamente saídas para atalhar a crescente radicalização, Com ou sem recesso parlamentar, com ou sem a insanidade das massas, com ou sem provocações de fascistas encabulados, é preciso abandonar o canto do ringue, retomar a iniciativa e deixar que os temeristas percebam quão temerário será o mandato-tampão de Temer.
O instinto de sobrevivência da mulher acuada precisa impor-se às jogadinhas medíocres que lhe sopram no ouvido. Em algum momento e por alguma razão superior o PSDB precisará entender que a mesquinha política de desforras encarnada por Aécio Neves pode ser um tiro no escuro. Na breve queda-de-braço com estudantes e professores o governador Alckmin percebeu os riscos que correm os adversários. José Serra não esconde suas preferências parlamentaristas certamente amadurecidas no seu invejável traquejo na vida política.
Xeque-mate só se anuncia com a certeza absoluta da vitória. O obsessivo, apressado e assustado Eduardo Cunha desconhece a sutileza.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa